domingo, dezembro 31, 2006

Blogo, logo existo

Foi bom para mim, o ano que agora termina: dificilmente haverá outro igual. Entre outros motivos porque marcou a minha iniciação à blogosfera. Cheguei, experimentei... e gostei. Deu-me muito gozo fundar o Corta-Fitas, em Fevereiro, com o Duarte Calvão, o Francisco Almeida Leite e o Luís Naves. Gostei de ver esta equipa ampliar-se, com gente que conhecia bem e ainda com este excelente trio que passei a conhecer e a cuja tribo também pertenço agora: a Maria Isabel, o João Villalobos e o João Távora.
A par da escrita partilhada, houve muitas (e boas) leituras. Horas e horas preenchidas a ler blogues de inegável qualidade. Uns mais sérios, outros mais divertidos, uns mais profundos, outros preferindo aflorar a espuma dos dias. Com votos de feliz ano novo, deixo aqui a lista de bloggers que acompanhei com particular atenção em 2006, numa homenagem simbólica a este meio de comunicação que nos aproxima diariamente.
Discordei de vários, concordei com muitos. Aprendi alguma coisa com todas elas, com todos eles.

Ana Cláudia Vicente
Ana Sá Lopes
André Azevedo Alves
André Moura e Cunha
Bárbara Baldaia
Bruno Cardoso Reis
Carla Carvalho
Carla Quevedo
Carlos Abreu Amorim
Carlos Albino
Carlos Manuel Castro
Coutinho Ribeiro
Cristóvão do Vale
Daniel Oliveira
Dina Soares
Eduardo Pitta
Fátima Pinto Ferreira
Fernanda Câncio
Fernando Martins
Fernando Venâncio
Filipe Nunes Vicente
Francisco Costa Afonso
Francisco José Viegas
Francisco Valente
Gabriel Silva
Helena Ayala Botto
Helena Matos
Henrique Fialho
Henrique Raposo
Hugo Alves
Joana Amaral Dias
João Caetano Dias
João Gonçalves
João Luís Pinto
João Morgado Fernandes
João Paulo Meneses
João Paulo Sousa
Jorge Ferreira
José Bandeira
José Mário Silva
José Medeiros Ferreira
José Raposo
Leonardo Ralha
Luís Januário
Luís M. Jorge
Luís Novaes Tito
Lutz Brückelmann
Marta Romão
Miguel Abrantes
Miguel Castelo-Branco
Paulo Cunha Porto
Paulo Pinto Mascarenhas
Pedro Lomba
Pedro Mexia
Pedro Picoito
Pedro Soares Lourenço
Rita Barata Silvério
Rodrigo Adão da Fonseca
Rui Bebiano
Rui Castro
Rui Costa Pinto
Rui Tavares
Sara Pais
Sérgio de Almeida Correia
Sérgio Lavos
Sofia Loureiro dos Santos
Sofia Vieira
Susana Barros
Tiago Barbosa Ribeiro
Tomás Vasques

Crónica à maneira de balanço

Não sou particularmente devoto das festividades do Ano Novo, acontecimento que leva aos píncaros da euforia muitos dos meus ilustres concidadãos. O tempo a mim parece-me mais uma linha recta (ou, admito, ligeiramente curva segundo a representação de Einstein) do que circular, por mais conveniente que esse formato seja para nossa orientação temporal. Mas pronto, vamos completar o círculo de 2006 e eu não resisto a fazer o meu pequeno balanço.
Este ano foi indubitavelmente marcado pela minha feliz incursão e descoberta da blogosfera. Um novo e fascinante mundo marcado pelo conhecimento de novas gentes, escritas, ideias e até de novos amigos.
Musicalmente, em 2006, entretive-me muito com o álbum “Aerial” da Kate Bush, e apaixonei-me pela georgiana Katie Melua. Dos poucos concertos a que tive o privilégio de assistir, guardo a boa recordação de Dee Dee Bridgewater no grande auditório do CCB. Uma mulher e uma voz que encheram por duas horas a sala e a minha alma. Na música clássica (e sob o protesto da minha sensível mulher), o meu ano de 2006 foi um ano de Tchaikovsky. Fabuloso este compositor russo do Séc. XIX que magnificamente promoveu o fulgor dos metais na música sinfónica.
Para um empenhado pai e padrasto, ir ao cinema com regularidade, foi “chão que já deu uvas”, e este ano a maior parte das vezes que fui, foi com as crianças às matinées infantis. Assim não admira que o meu destaque vá para a “Idade do Gelo – O Degelo” de Carlos Saldanha. Mas foi em 2006 que descobri o filme “Anjos no Inferno”, do realizador Ryan Little. E mesmo que politicamente incorrecto, atrevo-me a adjectivar de belíssimo o filme “O Nascimento de Cristo” de Catherine Hardwicke, a adicionar à minha prateleira de DVDs assim que seja posto à venda.
Nas leituras, os meus destaques do ano vão para “D. Pedro V” de Maria Filomena Mónica, e para “D. Carlos” de Rui Ramos ambos da colecção “Reis de Portugal” do Circulo de Leitores. Nos romances, David Lodge voltou a fazer-me boa companhia, em detrimento do retomar de Proust “Em Busca do Tempo Perdido”… encalhado algures “À Sombra das Raparigas Em Flor”. Uma vergonha.
Em termos profissionais, tratou-se de um ano de decisivas mudanças nas estruturas da empresa em que trabalho. Esse facto tem requerido grandes esforços de adaptação por parte de todos nós. A mudança não é fácil, para ninguém, tanto mais quando os resultados são diferidos e destes dependem alguma da estabilidade.
Finalmente, o ano termina com a “família pipocas” preparada para acolher um novo membro, já daqui a pouco mais de um mês. Ontem com a miudagem convidada a presenciar a penúltima consulta de gravidez da minha mulher, a nossa filha mais pequena garantiu ter visto no monitor as “pistanas” do José Maria a “muxer”. “Ano novo, vida nova” - no nosso caso, tudo indica será literal.
Feliz e próspero ano novo 2007 para todos, são os meus sinceros os votos.

Etiquetas:

sábado, dezembro 30, 2006

No silêncio, entre cadáveres


Albert Camus escreveu um dos mais fabulosos textos que conheço para uma alocução proferida em Novembro de 1948, num encontro internacional de escritores. Este texto, intitulado "O Testemunho da Liberdade", tem uma espantosa actualidade perante os vertiginosos acontecimentos que se sucedem no mundo de hoje. É uma reflexão que devia constituir uma espécie de código de conduta para todos os intelectuais contemporâneos.
Passo a transcrever alguns trechos*:

"Os verdadeiros artistas não dão bons vencedores políticos, pois são incapazes de aceitar levianamente, ah, isso sei eu bem, a morte do adversário! Estão do lado da vida, não da morte. São os testemunhos da carne, não da lei. (...) No mundo da condenação à morte, que é o nosso, os artistas testemunham o que no homem é recusa de morrer. Inimigos de ninguém, a não ser dos carrascos! (...) Um dia virá em que todos o hão-de reconhecer e, respeitadores das nossas diferenças, os mais válidos de nós deixarão então de se dilacerar, como hoje o fazem. Hão-de reconhecer que a sua profunda vocação é a de defender até ao fim o direito dos seus adversários a não terem a mesma opinião que eles. Hão-de proclamar, consoante o seu estado, que mais vale uma pessoa enganar-se, sem assassinar ninguém e permitindo que os outros falem, do que ter razão no meio do silêncio e pilhas de cadáveres."

Hoje, mais que nunca, estas palavras devem merecer-nos profunda meditação.

* Tradução (excelente) de Luiza Neto Jorge e Manuel João Gomes para a editora Contexto (2001)

A capa do dia (3)

Há dias sui generis, como hoje, em que um só tema constitui a manchete dominante um pouco por todo o mundo. Só o tom vai variando conforme os quadrantes - geográficos e ideológicos. Em Chicago, a cidade onde Hemingway nasceu para o jornalismo (e para a literatura), a morte de Saddam Hussein foi noticiada assim.

Previsões 2007 (As figuras)


A dupla Nicolas Sarkozy e Angela Merkel vai dominar o ano político.
Sarkozy deverá vencer as eleições presidenciais em França, na segunda volta, em Maio. Penso que o candidato de centro-direita, em relação à sua rival socialista (Ségolène Royal) tem duas vantagens e uma desvantagem: Por um lado, Sarkozy é um político mais experiente do que Ségolène e parece ter soluções sólidas para os três problemas franceses mais óbvios (segurança, economia e futuro europeu); a desvantagem tem a ver com o seu anti-elitismo.
Porque esta eleição será renhida e até atípica, há dois excelentes candidatos de centro, o que vai minar a influência das franjas. O candidato do centro-direita constitui um problema grave para a extrema-direita; e a de centro-esquerda será uma catástrofe para os grupos radicais à sua esquerda. É por isso que só a segunda volta conta.
Curiosamente, Ségolène foi discípula de François Mitterrand e teve a melhor formação possível (é de esquerda, mas énarque, portanto, das elites, o que em França costuma ser excelente mistura). Mas, ao contrário de Mitterrand, falta-lhe uma carreira política para poder vencer estas eleições.
Sarkozy é o oposto dela. Um pragmático, político tarimbeiro, que por vezes parece arriscar tudo numa única jogada. Tem a seu favor uma importante carreira prática, tendo pegado com êxito nos piores problemas do país (finanças descontroladas e insegurança). Contra si, terá o excesso de ambição (é demasiado visível) e o que nos media surge como “populismo”, mas que consiste, de facto, em não pertencer às elites políticas locais.
Há outros aspectos importantes: a França necessita de reformas e já sabe disso; as carreiras políticas francesas são longas, pelo que este será apenas o primeiro round de futuros combates entre Ségolène e Sarkozy. A dupla vai dominar a próxima década.
O que nos leva à Europa (a próxima década será europeia). Sarkozy parece ter uma resposta para a crise na UE, enquanto Ségolène tem fugido do tema, porque ele é demasiado embaraçoso para os socialistas.
Poderá ocorrer algo de inesperado, como um deslize nos debates televisivos (Ségolène será talvez mais hábil), mas penso que estes serão factores decisivos numa vitória final para Sarkozy, sempre por pequena margem.
Entretanto, na Alemanha, estarão a terminar os dois anos da grande coligação governamental. Após a mudança em França (e isto vale para qualquer resultado), Angela Merkel terá esgotado as virtudes da união entre CDU e SPD. Ou seja, haverá forte tentação para eleições antecipadas. Merkel deverá vencê-las com facilidade e Outubro será boa ocasião para o conseguir.
França e Alemanha estarão então em condições de impor uma saída para o impasse constitucional europeu. Talvez já em Dezembro de 2007, talvez só em Junho do ano seguinte.

Etiquetas:

Recuo civilizacional

Não abri uma garrafa de champanhe há poucos dias, quando faleceu Augusto Pinochet: nenhuma morte de um ser humano me alegra, mesmo que se trate de um torcionário. Qualquer manifestação de regozijo pelo desaparecimento de alguém torna-nos moralmente equivalentes ao pior que existe na nossa espécie. Por este motivo, também não sinto nenhuma satisfação pela execução de Saddam Hussein, ocorrida esta noite: sem sequer discutir os aspectos processuais do caso, que aliás me parecem muito duvidosos, começo desde logo por contestar a chocante falta de justiça por detrás de cada execução "judicial". E lembrar honrosos precedentes históricos que deviam ter deixado rasto: a pena de morte decretada a Pétain no pós-guerra, de imediato comutada por De Gaulle; a execução a que foi poupado Ezra Pound, como colaboracionista do fascismo, na sequência dos apelos de várias dezenas de intelectuais, com Hemingway à cabeça. Tantas décadas depois, recuámos em termos civilizacionais. Que satisfação podemos sentir com isto?

sexta-feira, dezembro 29, 2006

A vida humana é um valor absoluto

No domínio dos valores, não devemos ser relativistas. Para mim, a vida humana é um valor absoluto: sou radicalmente contra a aplicação da pena de morte. A sentença capital decretada ao ex-ditador iraquiano Saddam Hussein - por mais execrável que tenha sido o seu regime e por maior "canalha" que ele próprio fosse no exercício do seu poder despótico, para usar esta expressão cara à eurodeputada Ana Gomes - fere os mais elementares princípios civilizacionais, tornando os seus juízes e os seus algozes numa espécie de equivalente moral do antigo tirano de Bagdade. Nenhum dos crimes cometidos por Saddam, por mais repugnantes que tenham sido, poderá ser reparado com a sua execução, ditada pela "justiça dos vencedores", neste caso equivalente a pura vingança, mesmo que camuflada pela necessária respeitabilidade de um tribunal. Não devemos ser magnânimos com os ditadores, mas devemos ainda menos imitá-los nos instintos carniceiros. O respeito por uma vida humana, seja ela qual for, deve funcionar sempre como linha divisória entre a civilização e a barbárie. E não me venham dizer que tudo isto é relativo. Porque não é.

Postais blogosféricos

1. O Tiago decidiu fechar o seu Telescópio. Lamento, pois era um blogue que me habituei a visitar com frequência. Fico à espera de um novo projecto, que não deverá tardar.
2. Também a Teresa aproveitou este fim de ano para fechar os Sapatos Negros, justificando falta de disponibilidade. Outra partida que lamento. Mas nos blogues, tal como na natureza, nada se perde - tudo se transforma.
3. Agradeço estas palavras amigas do João. Até porque, tal como ele, sei que não é fácil dizer bem...
4. O Eduardo deu-se ao trabalho de lembrar aqui alguns bloggers com quem mantém "relações de amizade, cumplicidade, cordialidade ou simples afinidade electiva". Segue-se uma lista que por mim subscreveria quase na totalidade. Mas se fosse eu a elaborá-la incluía certamente mais um nome, em troca com o meu: o dele. Com todo o mérito.

Outras cinco coisas que detesto

- Atender chatos ao telefone.
- Receber sms "tipificados", com mensagens de Ano Novo iguais às que toda a gente recebe.
- Ver o Pai Natal comprado nas lojas chinesas pendurado de milhares de varandas e janelas.
- Os motoristas de táxi que andam a pedir "um novo Salazar" enquanto passam os sinais vermelhos.
- A "maior árvore de Natal da Europa", com 72 metros de altura, que engarrafa o trânsito na Baixa de Lisboa.

Afinal, a polémica com Luciano Amaral não existia

Luciano Amaral respondeu em O Insurgente a um post aqui publicado sobre um seu artigo no DN e reclama que eu interpretei abusivamente algumas das suas posições. Quanto a isto, não há remédio. Se tresli, só me resta pedir desculpa e deixar aqui o link com o artigo original.
No final da sua resposta, Luciano Amaral deixa duas questões interessantes. No meu post tento defender a opinião de que uma Europa reduzida ao seu mínimo dará origem a uma evolução perniciosa para Portugal: certos países (que estão sempre a proteger os respectivos interesses, como é óbvio) tentarão criar um núcleo duro com integração mais acelerada. Coloquei nesse hipotético núcleo duro Holanda e França, que rejeitaram o tratado em referendo. Ora, Luciano Amaral pergunta qual a lógica de tal inclusão. Parece-me importante esclarecer. O Tratado Constitucional resulta de uma negociação em que todos os países fizeram cedências. Por isso, não é o melhor cenário para ninguém, permitindo evitar a Europa a que chamei “minimalista” e a de várias velocidades (uma e outra com potenciais benefícios para alguns países). O tratado é algo de intermédio que, se não existir, resultará na busca de outras soluções, outra União Europeia, onde haverá diferentes patamares de integração. Os ingleses quererão a tal UE minimalista e os franceses a mais integrada. Só há uma hipótese: a fragmentação em círculos concêntricos.
Seria um novo projecto, talvez até melhor que o anterior, quem sabe? Mas, para Portugal, representava uma péssima evolução.
Interpretei o texto de Luciano Amaral como tendo defendido uma Europa “minimalista”. Na sua resposta à minha crítica, o autor diz que quer a Europa “como está, com melhores mecanismos de decisão”, que podem até resultar de um novo tratado. É relativamente próximo do que eu defendo, pelo que não merecia esta polémica. Mas, se o novo tratado fracassar (aquele que vai ser negociado no próximo ano, com base no texto rejeitado em França e Holanda) não me parece que a Europa fique como está. Acho que avançará o tal projecto da UE a várias velocidades, com países de primeira e países de segunda. Por acreditar nisto, reagi ao texto de Luciano Amaral, acabando por maçar o meu interlocutor e, de caminho, os leitores do Corta-Fitas.

A capa do dia (2)

A edição de hoje do El Mundo conta que a "Junta obriga os professores a apresentar o seu plano docente em galego". Aí está Emilio Pérez Touriño no seu melhor. Quem tem saudades do bom do Fraga?..

Vemo-nos por aqui em 2007



Despeço-me de 2006 e dos leitores do Corta-Fitas com uma fotografia da Juliana Paes, considerada já um verdadeiro ícone deste blog. A fotografia aqui ao lado não será certamente das "melhores", mas foi uma das poucas que encontrei no google com a miúda vestida. Sorry.

A todos os colaboradores deste blog cheio de inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios, um grande Ano Novo com muita saúde e muita felicidade. Um grande beijinho a todos.

Nada como festejar com Bolo de Natal de Moçambique , uma taça de Loridos Clássico e até para o ano.

Um excelente 2007 para todos.

A pedir internamento

Vasco Baptista Marques assume-se claramente como candidato ao título do mais caricato "crítico" de cinema português. Especialista na distribuição de bolas pretas a tudo quanto é filme produzido nos Estados Unidos, fugiu desta vez à regra, atribuindo quatro estrelas(!) ao banal Déjà Vu, de Tony Scott. Mas ficou-lhe a má consciência. De tal maneira que termina o seu texto sobre este filme, publicado na última edição do caderno "Actual", do Expresso, da seguinte forma: "Não insisto. Aliás, tenho mesmo de ficar por aqui. É que já estou a ver a enfermeira a caminhar para o meu quarto em passos largos com o colete-de-forças na mão."
Linda auto-ironia, não acham? Nem quero imaginar o que sucederá daqui a dois ou três anos, quando VBM atribuir finalmente cinco estrelas a um filme...

O nazi das sopas*


1. Interrompo as minhas braçadas na piscina apenas para estrebuchar contra o que transparece neste artigo, a propósito da acção que reuniu uma modelo loura, uma galinha poedeira e Miguel Moutinho, líder da associação Animal. Basicamente, não gostei de sentir o regozijo na afirmação do senhor de que "muito brevemente em Inglaterra os não vegetarianos serão uma minoria malvista" e imaginei-o - enquanto dizia isto - com um sorrizinho irritante e torto, igual àqueles dos nazis nos filmes que têm sempre uma cicatriz na cara. Só por causa disso, vou almoçar um bife tártaro!
2. Aproveito também para felicitar, um por um, os membros do «Movimento de Libertação dos Pais Natal das Varandas», responsáveis pelo rapto de várias dessas animálias em Bérgamo. Infelizmente, os bicharocos foram depois colocados num jardim público quando, neste caso, só a incineração se apresenta como caminho e destino justos.
P.S. O título é roubado a uma famosa personagem da série Seinfeld.

Sexta-feira

Eva Green (a Vesper Lynd do novo 007).

Previsões 2007 (Portugal)



O próximo ano será marcado por quatro acontecimentos principais: o referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, a época de incêndios, a presidência portuguesa da UE e, estando nós na futebolândia, a disputa do Campeonato da Europa.
Em relação ao primeiro tema, penso que haverá uma vitória fácil do “sim”. Não querendo entrar em polémica com alguns dos meus queridos companheiros de blogue que defendem o “não”, abstenho-me de justificar esta previsão. Limito-me a dizer que votarei pelo “sim”.
Em relação à época de incêndios, será o drama habitual, com as também habituais discussões estéreis sobre se este Governo é melhor do que o anterior, com as respectivas estatísticas deturpadas sobre o número de hectares ardidos.
Há vinte anos, quando era estudante do Instituto Superior de Agronomia, os professores já ensinavam que haveria incêndios florestais em Portugal enquanto a floresta fosse a errada, ou seja, plantada com espécies de crescimento rápido, mas sem adaptação ao clima. Entretanto, todas as tendências da época se agravaram: há mais desertificação humana, proliferam as matas com uma única espécie (sempre a mais errada para o clima seco) e interesses económicos incendiários. O ministro da Agricultura, Jaime Silva, que conhece o problema, tentou dizer isto, mas foi imediatamente calado pelos lobbies.
A luta contra os incêndios (a obsessão de Governo, oposição e comunicação social) é um pouco como curar uma infecção com aspirinas: pode baixar a febre e reduzir os sintomas, mas nunca curará o mal. Com ou sem spin doctors.
Por falar em spin, o actual Governo continuará, sem êxito, a tentar controlar a informação. Tentará, sem êxito, fazer algumas reformas pouco significativas e prosseguirá, sem êxito, a sua governamentalização da administração pública.
Do lado mais sensato, continuará o esforço de consolidação orçamental, num ajustamento económico doloroso para a população, que se prolongará além de 2007.
O desemprego desafiará as leis da física, mantendo-se estável numa economia em crescimento deficiente, graças a estatísticas no mínimo notáveis.
A presidência portuguesa será uma boa ocasião para propaganda, mas as regras mudaram (agora, está sempre presente um país grande num trio) e penso que a Alemanha tentará controlar não apenas o seu semestre, mas o ano e meio que teoricamente é gerido por três países a coordenarem a agenda entre si. Como só existe um tema a sério, a reforma institucional da UE, a senhora Merkel estará no comando do essencial até Junho de 2008. Portugal ficará com algumas migalhas, nomeadamente a cimeira UE-África, que a realizar-se será uma boa ocasião propagandística, embora a relação entre Europa e África não vá mudar um milímetro: eles serão fonte de matérias-primas baratas, governados por elites corruptas que fazem compras de produtos de luxo em Paris, e nós continuaremos a estimular o grande negócio humanitário.
Finalmente, coisas sérias e uma nota optimista: o apuramento para o Euro 2008. O grupo é muito mais difícil do que parece e a Polónia assume-se como rival sério, mas penso que a nova geração de craques estará à altura do desafio.
Afinal, apesar da conjuntura, Portugal é um País muito resistente. Como as pilhas Duracell.

007: o vício é uma virtude

Confesso-me rendido ao desempenho de Daniel Craig no último filme da série 007: ao contrário do xaroposo Pierce Brosnan, que abusava dos tiques de salão, Craig retoma a personagem dura, cínica e profundamente amoral que Sean Connery em boa hora criou no princípio da saga. Os primeiros filmes foram de longe os melhores - nada a ver com a pirotecnia acéfala, boa para consumir pipocas, em que o agente de Sua Majestade se foi transformando, sobretudo nas duas últimas décadas. Agora dá-se o regresso às origens com excelentes cenas de pancadaria (dignas dos Keystone Cops, ou seja, dos primórdios do cinema) e de perseguição, polvilhadas com um humor próprio de quem não se leva demasiado a sério. James Bond, apesar de ter ordem para matar, não deve, de facto, ser levado demasiado a sério. Só isto nos permite desfrutar da melhor maneira Casino Royale, um filme com uma produção irrepreensível que me fez ter uma súbita vontade de conhecer Montenegro, de regressar com urgência a Veneza e de adquirir residência nas margens do Lago Cuomo um dia destes, quando me sair o euromilhões. Brinde suplementar: a película tem excelentes diálogos. O meu preferido é este, entre Bond e a deliciosa Vesper Lynd (interpretada pela actriz Eva Green):
- Você não faz o meu género (diz ele).
- Por ser inteligente? (pergunta ela).
- Por ser solteira (remata ele).
Como nos ensinou Vasco Pulido Valente, o mundo está perigoso. Não admira que M, a superior hierárquica de Bond, confesse ter "saudades da Guerra Fria". Num planeta ameaçado pela praga terrorista, o mais famoso agente secreto britânico deixou-se de punhos de renda e ganhou uma destreza a lidar com o crime que mal o distingue afinal de um verdadeiro criminoso. Claro que há quem deite olhares de outro género ao filme, mas de momento o que me interessa é este: nos dias que correm, são cada vez mais ténues as fronteiras entre bons e maus. Bond está no meio, mas personifica muito mais o vício do que a virtude.
Se virmos bem, como poderia ser de outra forma? Quem lhe paga o ordenado é Tony Blair, um dos grandes jogadores de póquer político à escala mundial, que se tem mantido como fiel parceiro de George W. Bush em todas as jogadas. Bom rapaz, este Blair. Capaz, tal como Bond, de transformar qualquer vício em virtude - e de nos fazer pagar bilhete para o aplaudirmos. Comparado com ele, Daniel Craig é um menino de coro.

O prazer de ler

No meio de muita verborreia presunçosa e de algum lixo acumulado nos cantos do costume, tropeçamos de vez em quando com algumas pérolas na blogosfera. Como este texto da grande Clarice Lispector, que em boa hora o Eduardo Pitta recuperou. Para ler. E pensar. E sentir. E guardar.

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Colecção de crónicas (III)


Há cidades mais literárias, locais que despertam a fantasia dos escritores e que parecem palpitar da mesma forma desvairada que os corações subitamente arrancados a corpos indefesos. Lisboa é literária, como são Nova Iorque, Praga, Paris ou Budapeste. Mas estes são casos raros. Não apetece inventar histórias em Genebra ou Bruxelas.
Ao tentar explicar isto pela razão, encontro a possibilidade de as pedras terem também uma espécie de alma, como se fossem pessoas, embora o ciclo de vida (nascimento, crescimento e decadência) seja tão longo que nem nos apercebemos da sua respiração inaudível. E assim é com certas cidades ou locais, onde se pode imaginar a vasta circulação humana separada daquela que pertence exclusivamente às pedras. A forma desliza, como se fosse maré; e as personagens ganham vida autónoma, pois a imaginação liga-se, por um instante, à poderosa magia desses corpos a que chamamos cidades.
Adem ou Alexandria têm ressonâncias magnéticas. Mas estas vibrações interiores não são um exclusivo de cidades habitadas. O deserto mais vazio pode produzir inconcebíveis fantasias, talvez porque aí estamos perante a nudez absoluta da pedra.
Ao escrever estas linhas, lembrei-me da atmosfera densa e exótica, cheia de luz e sombra, de Morocco, o filme de Josef von Sternberg sobre o abismo da paixão e o carácter inelutável da consequente queda. O mesmo abismo que li em O Céu que nos Protege, de Paul Bowles, que por sua vez me faz lembrar um pequeno conto de Camus, também sobre o deserto como paisagem, visto a partir de uma muralha numa cidade na orla do nada. Nesse texto, o vento é praticamente a personagem principal.
Em Morocco, Marlene Dietrich viaja sem bilhete de volta, só o de ida, porque em busca destas cidades perdidas andam personagens à deriva, peregrinos que não voltarão jamais do seu destino fatal.

Etiquetas:

É fogo?

Depois da discussão que aqui houve sobre as máquinas de café e a Bimby, devo confessar que há uma coisa que me faz uma certa espécie: as lareiras com "recuperador de calor". Aquelas de onde nem sequer sai o cheiro a lenha. Para mim, é como o café de balão e a Nespresso. Prefiro as lareiras à séria e o café de balão. Chamem-me conservador, mas quem me tira uma lareira verdadeira, tira-me tudo.

O futuro é vermelho

Há um país onde os comunistas parecem ter um futuro auspicioso. E esse país fala o nosso idioma. Refiro-me ao Brasil, onde a nova atracção do partido da foice e do martelo é esta senhora que podemos ver na foto. Passo a apresentá-la: Manuela Pinto Vieira d'Ávila, uma gaúcha de 25 anos e diplomada em jornalismo. No blogue dela, que bem merece uma visita, justifica assim a sua adesão ao comunismo: "Em 2001, após longo debate, ingressei nas fileiras do Partido Comunista do Brasil. Somente lutar pela educação e pela juventude era fundamental. Mas eu senti a necessidade de debater mais a fundo as questões relativas a construção de um Brasil socialista. Um Brasil de igualdade."
Uma lutadora, portanto. Ou não fosse uma nativa do signo Leão. Ex-vereadora em Porto Alegre, Manuela d'Ávila acaba de ser eleita deputada federal pelo Rio Grande do Sul, recolhendo a maior votação de todo o Brasil. A moça promete, a bem do partido. Gostava de a ver por cá, como convidada no próximo congresso do PCP. E ofereço-me desde já para entrevistá-la. É uma forma de me redimir dos vários posts anticomunistas que tenho escrito. O primeiro passo para a minha conversão acaba de ser dado.

Palavras no vácuo

Cheguei a um estado de quase angústia do vazio só de ler o seguinte parágrafo do comunicado de apresentação do Fórum Não Governamental para a Inclusão Social (nome pomposo dado ao conjunto das associações que colaboram no famoso Plano Nacional de Inclusão Social):

A capa do dia (1)

O Le Monde faz hoje uma manchete dizendo que a "Europa convida os seus membros a privilegiar o nuclear civil". É caso para dizer que Patrick Monteiro de Barros tinha razão antes de tempo. Volte, está perdoado...

A seguir o Sporting

Luís Figo deixou o Inter de Milão, aparentemente por problemas com Roberto Mancini (que não o punha a jogar com a assiduidade pretendida), e assinou por seis meses pelos sauditas do Al-Ittihad. O contrato é de cerca de 6 milhões de euros. Espera-se que a seguir o destino possa ser o Sporting, na próxima época, para acabar a carreira em grande, já com 35 anos. Temos capitão para a época 2007-2008.

Um mal nunca vem só

Estar doente, na semana do Natal, já é castigo suficiente. Mas como se isto não bastasse os doentes internados no Hospital de São José e no Instituto Português de Oncologia, em Lisboa, receberam este ano algo pior do que a fava no bolo-rei: o ministro da Saúde decidiu "visitá-los" na noite de Natal, num desvelo de caridade cristã. E para que toda a gente ficasse a par de tão caritativo gesto o gabinete de Correia de Campos "convocou" os jornalistas para cobrirem o acontecimento, ao jeito do que sucedia no ancien régime, quando Suas Excelências recorriam aos préstimos de jornalistas a propósito de coisa nenhuma só para provarem que existiam. A irrelevância, neste caso, era de tal ordem que Correia de Campos atravessou o São José "em passo de corrida", na deliciosa descrição de Joana Latino, que demonstrou na SIC como é possível (e desejável) dividir as águas que devem sempre separar o jornalismo de qualquer tempo de antena do Governo. Do mal o menos: os internados em São José tiveram de suportar os holofotes mas não a prédica pseudo-curativa de um ministro com sede de protagonismo e necessidade de recuperar nas sondagens. Em noite de consoada, despachada a acção de propaganda, Correia de Campos tinha mais que fazer...

Até para o ano!

E os desejos para todos vós de uma entrada em 2007 recordando as palavras do mestre Chesterton: «O objectivo do Ano Novo não é o de termos um novo ano. É o de termos uma nova alma». Se precisarem de mim, estarei na piscina.

As palavras dos outros

"Se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque está com problema. Se você conhecer uma pessoa muito nova de direita, é porque ela também está com problema."
Lula da Silva (61 anos)

Gostei de ler

1. A nostalgia da liberdade. Do Francisco José Viegas, no Jornal de Notícias, via A Origem das Espécies.
2. Liberdade e poder. De Pedro Caeiro, no Mar Salgado.
3. Todos odeiam a liberdade. De Carlos Manuel Castro, no Tugir.
4. Dois pesos. Da Marta Romão, no Astro que Flameja.
5. Perceber a Europa. De Eduardo Pitta, no Da Literatura.
6. A mensagem. Do João Gonçalves, no Portugal dos Pequeninos.
7. Questões de saúde. De Coutinho Ribeiro, no Anónimo.
8. As canções (34). De Henrique Fialho, na Insónia.
9. Livros (2). Do Tomás Vasques, no Hoje Há Conquilhas.
10. Dos modernos. Da Carla Quevedo, na Bomba Inteligente.
11. Os desastres dos defensores do "sim"... Do Nuno Simas, no Glória Fácil.
12. Espírito e sensibilidade. Do Paulo Cunha Porto, n' O Misantropo Enjaulado.

Crítica a Luciano Amaral

Devo dizer que detesto truques de retórica, como os que são tão evidentes neste texto de Luciano Amaral. Segundo o autor, o “impasse” europeu “tem apenas que ver com a ideia abstrusa, vinda não se sabe muito bem de onde, segundo a qual a UE precisa de uma Constituição”. O autor segue por ali fora a elogiar o alargamento, afirmando por exemplo, que “só um quadro institucional flexível permite integrar países tão diversos”. Não quero entrar na discussão da forma usada por Luciano Amaral para caricaturar os argumentos daqueles que defendem mudanças institucionais na Europa, referindo (entre outras pérolas) uma suposta intenção de criar um novo bloco anti-americano (ideia, sim, abstrusa, que nunca existiu).
A tese do texto é clara: temos a ganhar com um sistema europeu muito “flexível” e penso que isto significa, para Luciano Amaral, uma UE limitada ao menos possível, uma simples “coligação de democracias”, como ele escreve. Nada de política externa comum ou de defesa. É a Europa minimalista, enquanto tudo o que seja mais integração é a Europa “problema”.
Acho que tudo isto se resume à única frase com a qual concordo no texto de Luciano Amaral: “a má qualidade do debate”.
Veja-se esta pergunta: “Alguém vê algum problema em deixá-la [à UE] como está, melhorando apenas os mecanismos de decisão para acomodar mais países?”.
Pois bem, eu vejo. Eu e 25 países.
Sem novo tratado, estará em vigor o de Nice, cujos mecanismos de decisão (só podem ser alterados por tratado) não agradam a nenhum país e, sobretudo, estão longe de servir para as necessidades da tal coligação de democracias (por exemplo, nas questões de imigração, segurança interna, política externa, defesa). É óbvia a necessidade de políticas comuns nestas áreas. Se não há fronteira entre Vilnius e Lisboa, é de elementar bom senso que haja regras no acesso à fronteira em Vilnius. O argumento sobre a defesa foi muito usado na altura em que alguns países (como a França e a Alemanha) se opuseram à Guerra do Iraque, sendo na altura acusados de quererem torpedear a aliança com os Estados Unidos. Luciano Amaral: em relação ao Iraque, o senhor estava enganado e estes países estavam certos.
Mas a razão mais importante para se defender uma alteração institucional e um novo tratado é o facto, evidente, de que se não houver novo tratado, os países continuam a defender os seus próprios interesses.
Uma Europa minimalista, como a que defende Luciano Amaral, é do interesse do Reino Unido; uma federalista, como defende, por exemplo, o primeiro-ministro belga, é do interesse da Bélgica e da França. Mas nenhuma das duas interessa verdadeiramente a Portugal.
Se não existir um tratado semelhante ao que foi rejeitado pelos franceses, haverá qualquer coisa mais próxima de uma Europa a várias velocidades, com um núcleo duro que terá França, Alemanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, além de, talvez, Itália e Espanha. Portugal estará fora deste grupo, que tentará acelerar a sua integração. O Reino Unido terá todo o interesse (e a capacidade) para ficar fora do núcleo duro, assim como os países escandinavos. Em relação aos mais pobres e atrasados, não existe alternativa: ficarão no segundo patamar.
É por isso que temos de apoiar a entrada da Turquia com plenos poderes e deveres, e não como simples parceira de uma hipotética segunda divisão, que criará uma Europa a várias velocidades.
Se houver diferentes ritmos de integração, Portugal estará no ritmo inferior.
Ao defender a Europa minimalista e criticar um novo tratado (este ou outro qualquer) que garanta a igualdade entre os Estados-membros, Luciano Amaral está a defender a Europa a várias velocidades. E deve afirmar isso com clareza.

Etiquetas:

Repórter XXX

Graças ao comentário de um dos nossos anonymous fui ler este relato da visita do jornalista Paulo João Santos ao «Calor da Noite», publicado hoje no Correio da Manhã. Há reportagens mais fáceis do que outras e esta parece ter causado algum stress pós-traumático ao Paulo João. Atente-se quando ele diz que o decote de Suzy é «capaz de despertar os sentimentos mais íntimos e secretos» e «de povoar o imaginário dos mais exigentes», como o jornalista deduzo que seja (e eu também sou, não pensem!).
Mais à frente, partilha-se de forma ainda mais expressiva o sofrimento padecido por PJ. Sim, porque trabalho é trabalho e whisky marado é whisky marado:
«O ambiente deste ardor de mulheres deslumbrantes é agradável» (Só agradável, ó Paulo João!?). «Está quente, mas não em demasia. O suor escorre da pele por outros motivos, que não propriamente pela temperatura interior» (Interior à pele ou ao estabelecimento, quem sabe? Por esta altura ainda o PJ não recuperou da taquicardia e a escrita ressente-se).
Imagino, suado mas agradado, o nosso jornalista trocando confidências com a talvez não tão jovem assim Suzy, a mesma que «não precisa de usar minissaia nem vestido justo para deixar em brasa quem procura companhia». Atrás, brotam tacinhas de espumante e cocktails embandeirados cor de rosa. Robbie Williams geme das colunas e uma diáfana moça espirala no poste, revolteando os longos cabelos de raízes mal oxigenadas. E Paulo João, quase finda a noite, regressa à redacção. No lead do artigo escreve, ainda tremente: «As mulheres são todas de encher o olho, a ponto de não deixarem grandes opções. Mas não é um sítio barato». Ó Paulo João, é para isso que servem as facturas.

Aprender, aprender, sempre aprender

Visitar o Herdeiro de Aécio é para mim aprender sempre algo de novo. Hoje e aqui, fiquei a saber mais sobre o conflito entre a Etiópia e a Somália. E o A. Teixeira nem me passou trabalho para casa!

O género

O Abrupto decidiu dar-nos um final de ano ocupado:
«Trabalho de Casa: na Rede, que blogues envelhecem mais rapidamente, os que têm género ou os que não têm? Ou, o que é quase a mesma coisa, os de homens (sem género) ou os de mulheres (que se classificam como tendo muito género)?».
Mas o que é isto? O que significa «muito género» e quem é que classifica? E por que é que os blogues de homens não o têm? Então não falamos de moçoilas, bola e política? Estes são temas que envelheçam, por amor da santinha? Já não bastava a eleição que houve para aí ter dividido os blogues em masculinos e femininos e continuamos a malhar no mesmo?
Confesso que não entendo nada deste TPC e vou certamente chumbar por falta de entrega do trabalho, mas é preciso ver que, no mesmo post, também se pode ler isto:
«Na categoria GMail de "Recentes", a fotografia de Margarida Rebelo Pinto que ilustra a sua crónica do Sol é muito representativa. Como todo o presente, está muito cheia de significado: cheia de Moda. Densa, intensa, falando por todos os poros da roupa. Aquela roupa não se usava há dois anos (há dois anos Margarida Rebelo Pinto far-se-ia fotografar numa saia de folhos e não nuns calções de ganga), e está a começar a deixar de se usar».
Cá para mim, isso que «fala por todos os poros da roupa» (ou será através?) não me parece ser moda, mas sim um par de pernas. Mas que sei eu, que nem género possuo?

Mais pinguins

"Happy feet"

Quando o ar dança

Às vezes apetece começar o dia com músicas assim, capazes de nos fazer levitar logo pela manhã. Saudades da Orquestra do Café Pinguim.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

Lisboa à noite a várias mãos


Hoje, no Diário de Notícias, uma longa reportagem a várias mãos e a vários copos: cinco jornalistas escrevem sobre a noite de lisboa, ou melhor, enfrentam a árdua tarefa de viver ou reviver noitadas, vidas até altas horas, enfim, uma maçada.


Jazz numa noite de Inverno é (bem) escrita por um jovem com escandalosos vinte e poucos anos, que relata a sua experiência iniciática no Snob, histórias de clubes de jazz, passagem pelo Napron (já estive em algumas dessas festas de que fala), pela Bicaense, B.Leza, Tóquio, antigo Texas Bar e final da noite no Lux.
Agora experimentem ler A boina negra e a boina branca, ou seja, as mesmas voltas da noite escritas e descritas por um tipo de quarenta e tal anos (sic). Coisas do passado, nunca saberemos se "aquela boina branca vagamente conhecida saía do Bicaense antes de eu confirmar se era mesmo um sorriso de outrora." Também gostava de escrever assim.
A Ana Sá Lopes escreve uma crónica sobre o bairro alto, quando A Revolução já passou por aqui. Cara Ana, "o meu companheiro (também) era um rapaz lindíssimo e brilhante mas nunca se vestiu de preto monocolor, que eu me lembre" e eu uma conservadora da Faculdade de Letras (oxímoro?), por isso nunca compreendi porque não passei pela mesma humilhação para entrar no Frágil. Uma vez lá dentro, entrei sempre que quis, furando pelo meio dos "ultrajados" a quem era barrada a entrada.
Ainda há outra crónica sobre espreguiçadeiras e Cafés com 'design' que inauguram novas rotas e mais Bairro Alto com Histórias de copo na mão.
Um reparo: e a noite "betinha? Em querendo, estou disponível para uma city sightseeing dos restos mortais da noite queque. Pensando bem, ainda se arranjam um ou dois locais de culto já não tão gloriosos como no passado, mas ainda com espelhos, veludos e com serviço à antiga.
Prometo que deixo as pérolas e o chanel 5 em casa ao lado das pantufas.

Colecção de crónicas (II)



Serve esta crónica para louvar o cinema europeu. Não se trata da visão do historiador de arte, ou algo do género. Será visão ingénua, de quem se deixou maravilhar tantas vezes por filmes inesquecíveis. Será resistência, também, pois o cinema europeu tem momentos que rivalizam com os melhores de Hollywood. E nós, europeus, esquecemos isso facilmente.
Escrevi em cima que os filmes eram inesquecíveis, mas não é bem assim. Acho que um dos encantos do cinema é que pode tocar-nos a alma e, mesmo assim, sendo fracção de um todo, acaba por nos iludir. Escapa sempre parte do drama, pedaço da alegria que nos contagiou. Sim, é isso. O esquecimento faz parte do encanto, até quase imaginarmos o filme que verdadeiramente vimos.
Queria aqui referir alguns dos que me comoveram ou tocaram e dos quais posso ter esquecido, sem querer, alguns dos farrapos.
Baisers Volés, de François Truffaut, ou Disparem sobre o Pianista; I Vitelloni, de Fellini, ou Amarcord, ou ainda Roma. Cinzas e Diamantes, de Andrzej Wajda. Korhinta, de Zóltan Fábri (a que se refere a imagem); lembro Jean Renoir (A Regra do Jogo); Ingmar Bergman (Morangos Silvestres). E há tantos outros!
E o que me marcou em cada um destes filmes foi um momento, a ligação efémera ao mais essencial do humano. O instante da levitação, em que nos transformamos em algo de alheio, que habita outro universo. Enfim, não será isso mesmo a arte?
Niente d’Amore, Noites Brancas, um leopardo, a polonaise, um velho a recordar o passado. De Kohrinta: A cena da dança, alucinada e obsessiva, rodando, rodando. E a cara que se transforma; um homem que tem um machado na mão; primeiro assassino; depois cedendo à sua humanidade, submetendo-se à melancólica desistência. E o machado a tombar no solo lamacento...

Etiquetas:

A pagar pelo destinatário

Este Governo mostra bem a conversão socialista, da fase do diálogo do Engenheiro Guterres para a do monólogo do Engenheiro Sócrates. Antes, todos falavam e ninguém se entendia. Hoje, há só um que fala e não entende quem quer que seja. Entre estes dois extremos, é altura de dar lugar ao bom senso.
Se não o fizermos, continuamos personagens de um filme onde a principal figura é um verdadeiro Harry Potter aritmético, capaz de fazer magias com os números mas onde são os outros a ficar com as cicatrizes.
Enquanto o senhor primeiro-ministro avança com os seus anúncios, fecha os olhos à realidade que os desmente. Isso tem um nome: Sonambulismo. Dizem que não se deve acordar os sonâmbulos mas, neste caso, não estou de acordo. Alguém deve acordá-lo e depressa. Ou então, continuamos numa lógica igual às chamadas de valor dito acrescentado. O Governo faz os seus anúncios, mas nós é que os pagamos.

Previsões 2007 (outros continentes)



Infelizmente, há vastas regiões do globo onde 2007 será mais um ano mau. Em África, a instabilidade política está a provocar grande violência num vasto arco que vai do Chade à Somália, passando por Etiópia, sul e oeste do Sudão, incluindo Eritreia. Esta vasta região está perante uma gigantesca crise humanitária, que ameaça alastrar à República Centro-Africana, Uganda e Quénia. Mais a sul, o Congo continua fragmentado, apesar do relativo êxito das eleições controladas pelas Nações Unidas. ONU que está muito activa também na Serra Leoa, o que talvez permita ali eleições livres. Zimbabwe e, sobretudo, Nigéria, são dois outros países onde 2007 promete correr mal. No caso da Nigéria, que terá eleições presidenciais, com possíveis consequências globais ou, no mínimo, efeitos regionais importantes.
A América Latina parece ter vivido um importante ciclo nos últimos anos, com várias eleições onde foram escolhidos líderes populistas moderados ou, em oposição, dirigentes cuja plataforma política é de confronto com os Estados Unidos. O México promete alguma instabilidade, consequência de uma crispação política que não parecia possível. Chile e Argentina estão em boas condições económicas, mas no segundo caso a situação pode não ser inteiramente favorável. O primeiro finalmente tem condições para construir a sua democracia normal, após o desaparecimento de um ex-ditador que impediu o ajuste de contas com a História. O Brasil deverá entrar num ciclo de transição e preparar a era pós-Lula. Nos restantes países, não haverá boas notícias. O trio Chávez-Morales-Ortega é bastante imprevisível.
A maior incógnita será sobre a transição em Cuba. É evidente que Fidel Castro já não exerce o poder. Como será a transição? Uma lenta agonia ou o regime vai desmoronar-se?
Há muitas outras regiões em perigo. Na Ásia Central, o controlo político é disputado por Rússia e China; no sudeste asiático, continuará o silêncio sobre um dos regimes mais delirantes do mundo (Myanmar).
Coreia do Norte e Irão prosseguirão os seus esforços para fabricarem armas nucleares. Os feiticeiros brincam com o fogo.

2007 odisseia nos preços


Vamos pagar mais 2,1% pelos transportes públicos, 6% pela electricidade, 1 a 5% pelos medicamentos, mais pelos combustíveis, mais (muito mais) pelo tabaco, aumentam as taxas de juro e por aí fora. Os ordenados, esses, não aumentam (para os privados) ou aumentam uma ridicularia face à inflação (para os funcionários públicos). Feliz 2007.
É assim que, de acordo com o primeiro-ministro, caminhamos passo a passo para a recuperação colectiva. Só é pena que, individualmente, corramos a passo de corrida para um saldo negativo permanente na conta bancária. Podem já não existir amanhãs que cantam mas, pelo menos, ainda há políticos dotados para o canto lírico.
P.S. Dizem-me que José Sócrates escolhe nos almoços com a sua entourage o prato que todos comem. Faz sentido. Nós também acabamos por engolir o que ele nos impõe. Em alguns casos, infelizmente, apenas as migalhas que restam sobre a mesa.
Como complemento ler aqui: «Sócrates tornou-se a costureirinha de Portugal». Esta só podia vir do Fernando, pois claro.

Tertúlia literária (119)

- São textos sobre música pop?
- Sim, é Escrítica Pop.

terça-feira, dezembro 26, 2006

Recado a Carmona

Não é o tamanho da iluminação de Natal que conta, mas o que se faz com ela...

Colecção de crónicas (I)

Quando comecei a ler jornais, o que me atraiu primeiro foi a arte da crónica. Sempre gostei de reportagens, aprecio um bom texto de opinião, mas é na crónica que o jornalismo mais se aproxima da literatura. Fascina-me o talento que alguns têm para colocarem dentro de poucas frases a imensa humanidade que nos rodeia. Para mais, tive a sorte de me cruzar com jornalistas que escreviam com habilidade de malabarista, e quase podia imaginá-los enquanto flutuavam a grande altura, tão distantes e frágeis como as palavras que eles procuravam na fronteira incerta que nos separa da sabedoria. Admirava a volúpia da síntese, mas também a transcendência poética, a partir de observações de onde pareciam retirar todo um universo.
A crónica tem outro elemento crucial, o da verdade. Mas, quanto mais literários eram os textos, menos isso importava. Ao ler recentemente as crónicas do meu saudoso amigo Eduardo Guerra Carneiro, coligidas num volume intitulado “O Revólver do Repórter”, percebi que a fidelidade ao real vai perdendo importância, à medida que o texto sobrevive ao tempo. O que Eduardo contava era autêntico, mas as crónicas transfiguraram-se, são agora pequenos contos escritos com o estilo delicado e preciso de um poeta.
Sei que é injusto não mencionar aqui outros artistas da crónica, como Viale Moutinho, Baptista-Bastos ou Ferreira Fernandes, entre outros. Entretanto, os jornais estão a tornar-se sérios e técnicos. Há muita opinião, obsessão noticiosa. Os espaços para a reportagem e, sobretudo, para a crónica, parecem cada vez mais reduzidos. Isso não é bom nem é mau, mas a blogosfera vai conquistando esse vazio e tornou-se herdeira do gozo pela escrita. Nos blogues, há centenas de bons cronistas e, por vezes, podemos ler textos feitos da extravagante poesia que nos envolve e que certas penas felizes conseguem ordenar, em prosas que namoram perigosamente com a perfeição.

Etiquetas:

E economicamente?

«Socialmente, o jornalismo português não existe. Ideologicamente, é um bocejo. Culturalmente, é hilariante». Baptista Bastos, também cronista do Jornal de Negócios, em texto publicado no Jornal de Notícias, hoje citado pelo Público.
Pelo menos, não se pode acusar o nosso jornalismo de ostracizar Baptista Bastos, opinador socialmente desafiante, jornalista ideologicamente fracturante e prosador culturalmente cintilante.

Um problema de aritmética

O Diário Económico cita um estudo do Ministério das Finanças segundo o qual, em 2005, o Quadro Comunitário de Apoio (QCA) “alavancou” a economia portuguesa em 1,5% do PIB. Traduzido por miúdos, isto significa que o dinheiro vindo de Bruxelas teve um efeito de enriquecer o País em 1,5%, em 2005. No mesmo jornal, algumas páginas antes, pode constatar-se que o crescimento económico português, em 2005, atingiu a veloz medida de 0,4%. Ou seja, sem União Europeia, teria havido uma contracção económica de 1,1%. O mesmo raciocínio pode aplicar-se a 2006. A alavanca europeia desloca-nos para cima 1,5%; a economia deverá crescer 1,2%. Portanto, a contracção será de 0,3%. Mas como o primeiro-ministro acha que a situação já está a melhorar e que até há sinais disso, enfim, deve ser da minha aritmética...

Em despedida

I hope he's still feeling good

Prosa rara


«A quem devo pedir que na minha vida se repita a felicidade? Como sentir com a frescura da inocência o sol vermelho se levantar?
Nunca mais?
Nunca mais.
Nunca.»
O texto da maravilhosa Clarice, na íntegra, no Da Literatura.

Se assim for não volta tão cedo

«Several of Mr Barroso’s colleagues suspect he is trying to curry favour in Berlin and Paris to bolster his chances of winning a second mandate as Commission president in 2009, and that softening his liberal image might help. The president last week, in effect, terminated a proposal by Mr McCreevy to reform the EU’s copyright levies regime – after intense lobbying from the French government. “A lot of what he does can be explained by the fact he is looking to a second term,” says one senior EU official. While Mr Barroso enjoys British support, France and Germany opposed his appointment in 2004 and he is trying to build good relations with the new generation of politicians in Paris and Berlin». Financial Times

Mais do que justo

Um grande beijo meu para a Anabela Almeida, que tem assinado diversos guiões em excelentes documentários sobre escritores e artistas portugueses para a Dois, com produção da Panavídeo e no âmbito de uma parceria com o Instituto das Artes. Agora, o seu trabalho em «Júlio Pomar - O Risco» foi seleccionado para o prémio de «Criação Europeia» no Festival Internacional de Programas Audiovisuais em Biarritz. Não sei quem mais concorre mas, se ela e a Panavídeo ganharem, é bem merecido.

Gostos também se discutem



Neste artigo
de Dina Gusmão sobre a exposição «Presidentes de Portugal» patente no Palácio de Queluz, volto a confrontar-me com o para mim incompreensível retrato de Jorge Sampaio pintado por Paula Rego. O ex-presidente terá optado por esta versão pois «traduzia melhor a expressividade das mãos». As mãos são, com efeito, o detalhe que mais se evidencia por se assemelharem a garras de pássaro dada a separação pouco natural dos dedos. Mas tudo o resto no retrato é para mim bizarro: O tamanho inusitado dos pés 45 biqueira larga, o casaco desmesurado mas com as mangas tão puxadas para cima que o fazem parecer um anão, a gravata excessivamente longa e, finalmente, a cara que parece a de alguém que foi vítima de paralisia facial e simultaneamente sofre de bócio na parte de trás do pescoço. Talvez eu seja cego perante a verdadeira arte. Ou talvez este retrato seja uma grande treta. O busto da República, a qual contempla fascinada a nuca de Sampaio, parece conhecer a resposta.

domingo, dezembro 24, 2006

Feliz Natal


A todos os meus colegas e visitantes do Corta-Fitas, aqui deixo os meus votos de Boas Festas e de um Feliz Natal com esta deliciosa e comovente animação: O Rapaz do Tambor realizado por Jules Bass e Arthur Rankin Jr. e argumento de Romeo Muller. Um clássico, a não perder.

Momentos Kodak (32)

O Corta-Fitas deseja a todos, sem excepção, um Feliz Natal!!!
(Dezembro 2006)
Foto: Rodrigo Cabrita

sábado, dezembro 23, 2006

Regresso ao essencial

"José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, a cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de recensear-se com Maria, sua mulher, que se encontrava grávida. E quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoira, por não haver para eles lugar na hospedaria."
São Lucas, 2: 4-7

Ler os outros

É muito reconfortante quando a séria e discreta erudição é partilhada na praça pública, ou neste caso na Alameda Digital. Foi com muito gosto que aí fui encontrar (mais vale tarde...) Carlos Bobone e a sua coluna “Obras Esquecidas de Autores Famosos” que explora os “Lados B” das bibliografias consagradas. Interessante este artigo que vem relembrar as pouco referenciadas teses racistas da superioridade da raça indo-europeia, por parte de um histórico Oliveira Martins, um dos grandes mitos do socialismo português:

Nos anos 70 do século XX, um dos mais populares almanaques publicados nos Estados Unidos, “The Book of Lists”, apresentava uma lista dos piores seres humanos de todos os tempos. Aí aparecia o nome do Conde de Gobineau em décimo lugar, depois de Hitler, Staline, Átila, Calígula, Ivan o Terrível e outros flagelos humanos do mesmo calibre. Sendo o autor do “Ensaio Sobre a Desigualdade entre as Raças Humanas” menos conhecido que os seus companheiros de lista, e não se lhe podendo assacar a responsabilidade directa por massacres, torturas ou desgraças colectivas, o almanaque justificava a sua presença explicando que se tratava de um autor francês do século XIX, conhecido pela sua teoria de que a raça ariana era superior a todas as outras. A autoria desta tese racista foi reputada suficientemente grave para o tornar merecedor de inclusão na lista das piores criaturas que a humanidade gerou.
Se os autores do almanaque tivessem tido ocasião de viajar pelo sul da Europa, correriam o risco de passar por um pequeno país onde ainda hoje é objecto de grande veneração a obra de um dos mais eruditos congéneres do Conde de Gobineau. E onde o autor de teses sobre a superioridade da raça ariana é tido por um dos mais apreciáveis seres humanos que a sua pátria se orgulha de ter dado à luz, chegando-se ao ponto de o partido do governo se ufanar de o ter entre os seus precursores.


A ler na integra aqui mesmo na Alameda Digital.

Etiquetas:

A força da blogosfera

Nos últimos dias, li duas opiniões de pessoas que muito prezo sobre um tema comum: a crescente influência dos blogues nos actuais circuitos mediáticos.
1. A primeira foi expressa por Miguel Esteves Cardoso numa excelente entrevista conduzida por José Mário Silva para o suplemento, do Diário de Notícias. Diz o seguinte: "Há blogues fabulosos. Muitíssimo bem escritos. E tens pelo menos uns trinta com um nível francamente superior ao da nossa imprensa. Conheço os blogues americanos e os ingleses, mas acho os portugueses os melhores de todos, os mais bem escritos, os mais bonitos, de longe os mais poéticos."
2. A segunda é assinada por Carla Hilário Quevedo na mais recente edição da revista Atlântico, que está cada vez melhor. "Não há nenhum espaço de debate em Portugal com as potencialidades da blogosfera. Com ou sem agenda, as pessoas têm à sua disposição a possibilidade única de crescer, conversando e aprendendo com absolutos estranhos."
É assim mesmo.

Postais blogosféricos

1. O Miguel Castelo-Branco mandou-nos esta requintada sugestão, bem apropriada para os dias de pausa festiva que temos pela frente. Sugestão que agradeço desde já: a Tailândia é uma hipótese sempre a considerar quando planeamos uma viagem de sonho (e acreditem que sei bem do que falo). Para ele vão entretanto os meus votos de feliz Natal e de um 2007 cheio de combustões.
2. Hoje Há Conquilhas, um dos blogues que nunca perco de vista, elege-nos entre os seus blogopreferidíssimos de 2006. Delicioso, o neologismo - pedido emprestado à Bomba Inteligente. E sem dúvida lisonjeira a distinção, vinda de onde vem. Daqui vai um abraço de boas festas ao Tomás Vasques.

Dois pesos e duas medidas

Sem desprimor para os restantes candidatos, sempre em grande número, o prémio da coerência em 2006 merece ser ganho por Ana Gomes. A fogosa eurodeputada socialista, que escreveu este texto no seu blogue quando Pinochet morreu, revela hoje em entrevista ao Sol que perante o falecimento de Fidel Castro a sua atitude será diferente: nada de garrafinhas de champanhe para celebrar.
"Não o ponho no mesmo plano que um Pinochet", esclarece a diplomata na entrevista, conduzida pela jornalista Helena Pereira. Então porquê? Por isto: "Há [em Cuba] aspectos claramente ditatoriais e abusivos dos direitos humanos e outros aspectos extremamente positivos de independência nacional, de afirmação ao nível dos serviços de saúde, educação, que eu não passo em claro."
De facto, não podia ser mais clara: tem dois pesos e duas medidas. Para a democrata Ana Gomes, existem ditaduras boas e ditaduras más. Um regime que viola os direitos humanos pode afinal ter também "aspectos extremamente positivos". Sob o sol das Caraíbas, até os tiranos ganham logo um semblante mais doce...

Previsões 2007 (Médio Oriente)



E se o Hamas volta a ganhar na Palestina? Irá Israel mudar de atitude em relação ao governo radical?
Enfim, esta é uma entre muitas incógnitas que vão afligir a região do Médio Oriente em 2007.
A zona de fractura mais volátil do mundo, devido à cobiça das imensas riquezas no subsolo (três quartos das reservas petrolíferas mundiais), a região do Médio Oriente terá os seus olhos postos no que se passa na Palestina e no Iraque. E os fundamentalistas islâmicos podem ali reunir novos argumentos para alimentar a sua guerra santa.
O projecto dos neo-conservadores americanos de se transformar o Iraque num farol democrático, que seria depois imitado por todos os países da área, fracassou de forma clamorosa. O efeito real foi exactamente o inverso do desejado. Perante o descalabro do novo poder iraquiano, incapaz de se sustentar sem apoio externo, os regimes autoritários da região vão travar as suas tímidas experiências democráticas. Até porque se libertarem o voto, ganham os fundamentalistas.
Mas a situação mais perigosa parece ser a do conflito entre os dois principais ramos do Islão, o Sunita e o Xiita.
Em guerra aberta no Iraque, as duas comunidades terão tendência para chocar entre si, no âmbito da rivalidade entre Arábia Saudita e Irão.
Teerão tem ambições nucleares e um regime algo paranóico. Mas não me parece que os EUA estejam em condições de ameaçar os seus planos. Israel tem a vontade mas não possui os meios. Por isso, penso que o Irão conseguirá desenvolver bombas atómicas, talvez em 2008. Trata-se de uma perigosíssima proliferação, a marcar o início de uma guerra fria na região.
E que dizer da instabilidade crescente da monarquia saudita? As regras da sucessão do monarca aplicam-se a príncipes com mais de 70 anos. Em breve, a sucessão caberá à geração seguinte (uns 300 potenciais elegíveis), com divisões entre pelo menos duas facções, uma mais conservadora e hostil a Teerão, outra mais próxima do Ocidente. Conseguirá a família real manter a sua unidade?
A NATO também deve encontrar maiores dificuldades no Afeganistão. E é uma incógnita assustadora saber até que ponto existe uma possibilidade da Aliança Atlântica perder aquela guerra. Seria a primeira e a última travada fora da Europa pela organização.
Enfim, se é possível fazer previsões para o Médio Oriente em 2007, diria que todos estes conflitos vão agravar-se, com impacto nos preços do petróleo.

Etiquetas:

sexta-feira, dezembro 22, 2006

As causas dos homens "perfeitos"

Pela sua pertinência e lucidez atrevo-me a transcrever em baixo um excerto da coluna de Vasco Pulido Valente no Público de hoje.

«Na Inglaterra e na América é politicamente incorrecto, e hoje quase criminoso, festejar o Natal. Porquê? Porque, celebrado com tanta exuberância, o Natal se arrisca a ofender (ou a convencer) os crentes de religiões minoritárias, sobretudo, claro está, os muçulmanos. Mas como não se pode proibir o Natal, coisa que decerto os puristas gostariam de fazer em nome dos direitos do homem, a ortodoxia política tem por enquanto de o camuflar. Isto obriga naturalmente a algumas contorções verbais, a muita hipocrisia e a uma boa dose de intimidação. A "árvore de Natal" passou a "árvore da amizade" e o "jantar de Natal" a "jantar do solstício de Inverno". Os "cartões de Natal" são agora também "cartões da estação" e o "Bom Natal", suponho, "Boa Estação". Nos países católicos, como Portugal, esta espécie de purga ainda não começou. Mas cá chegará, com o atraso e o zelo do costume. Entretanto, mesmo aqui, o totalitarismo (e uso a palavra deliberadamente) alastra sem sombra de protesto.
(...)
Não existe a menor diferença entre a actual ortodoxia "bem-pensante" e o jacobinismo ou o comunismo clássico. É a velha ambição de criar um homem racional e perfeito pela força política. Não por acaso os "marxistas" de ontem prosperam neste novo mundo. A tolerância sempre foi ou já se transformou em intolerância e há lugar para milhões de polícias. »

Vasco Pulido Valente - Público 22 de Dezembro 2006

Etiquetas:

A falta que a relva faz

Vi ontem um programa televisivo sobre futebol.
Como sempre me acontece nestas ocasiões, pasmei com as pérolas de sabedoria que ali foram lançadas.
Tomei nota de algumas, que passo a partilhar convosco, caros leitores.
"Jogo de Taça é sempre jogo de Taça."
"Só os três grandes são candidatos ao título."
"Os campeonatos não se ganham nos grandes jogos."
"Toda a gente gosta de ganhar."
"Não há campeões de Inverno mas o Porto merece ser campeão de Inverno."
"Os jogadores é que fazem as equipas."
"Ou há treinadores competentes ou treinadores menos competentes."
"O mais importante é a competência. E a competência não tem estudos, não tem universidade."
"A relva faz-me falta."

Regresso aos clássicos

Uma boa notícia: a reabertura do Galeto.

Conjurados e com muito gosto

Continuam os prémios referentes a 2006. E continuam as referências ao Corta-Fitas. Desta vez fomos contemplados com o prémio Conjurado de Prata, atribuído pelo blogue O Restaurador da Independência, sediado na bela Vila Viçosa. Estamos em boa companhia, como se pode avaliar pela lista dos premiados que aqui se reproduz. Os nossos agradecimentos, com um abraço especial a todos os norte-alentejanos, independentemente de filiações políticas, clubísticas e bloguíticas.

Pai Natal ou menino Jesus?

Imbuído do mais angelical espírito natalício, aproveito para entrar na discussão sobre o alegado excessivo consumismo destes dias e a perda de referências cristãs da nossa sociedade.

Esta sexta é assim

Fartos do velhote de barbas brancas inventado pela Coca-Cola? Também eu. Cansados de renas e veados e restante fauna característica da quadra? Bem-vindos ao clube. Enjoados do ar de querubim natalício do ministro Pedro Silva Pereira? Estou com vocês. Vamos lá então trocar as voltas aos clichés, até para assinalar condignamente o solstício de Inverno. Um postal dedicado em especial ao João Morgado Fernandes, para que em 2007 mantenha o bom humor e o fervoroso culto da Scarlett Johansson, que não aparece aqui em corpo mas está connosco em espírito. E agora com licença, que vou ali comer uma rabanada.

Tertúlia literária (118)

- O amigo conhece a obra do Lobo Antunes?
- Não conheço nem gosto.
- Mas como é que não gosta se nunca leu nada dele?
- Fiquei a embirrar com o gajo quando o vi na televisão.

Opel

A fábrica Opel Portugal, na Azambuja, acabou de fechar. Mais 1100 trabalhadores vão para o desemprego. Felizmente o ministro da Economia já anunciou ao País que a crise acabou...
(Dezembro 2006)
Foto: Leonardo Negrão

Ter ou não ser

Flight into Egypt, Ethiopic, late 17th century. (BL Or. 510, f.10)

Escrevi isto há algum tempo e recordei-me do texto agora a despropósito do Natal.
Aproveito para desejar a todos os que passam por aqui e às respectivas famílias, um Feliz Natal. Em particular para quem não o celebra por motivos de perda, doença ou problemas pessoais, umas saudações muito especiais.
Eram oito da manhã e já me estava a sentir miserável. Leio no “Metro” as respostas de cidadãos entrevistados sobre o que iriam fazer caso ganhassem o Euromilhões. À excepção de um rapaz de 33 anos, desempregado, que iria viajar bastante, “até à Austrália, por exemplo”, as outras senhoras, uma doméstica de 41, uma empregada de limpeza de 48 e a Natércia de 36, empregada de escritório, todas elas afirmaram que “primeiro ajudavam as pessoas que estão mais perto e que precisavam”.
Se algum dia encontrar algum repórter do Metro, fujo para bem longe. Uma coisa é certa: se me saísse o Euromilhões não andaria nem mais um dia de metro às oito da manhã.
A Sra. D. Adelaide chega ao ponto de dizer “Não comprava assim grande coisa, não sou gananciosa”. Não precisei de reflectir muito para concluir que devo ser particularmente gananciosa.
Dobrei o sentimento de culpa em quatro e deitei-o no lixo.

História de algibeira (10)

Sobre a infância do Rei D. Carlos:

Um dos companheiros de D. Carlos e D. Afonso lembrava-se sobretudo, quase sessenta anos depois, de “um barco com rodas, patins e uma caixa cheia de ferramentas com as quais escangalhávamos tudo quanto apanhávamos a jeito”. D. Carlos e o irmão usavam quase todo o Palácio (da Ajuda). Os corredores e as grandes salas do “andar nobre” serviam para deslizar em patins com rodas. No jardim botânico, entretinham-se a arreliar os macacos da enorme colecção de animais do rei.

In “D. Carlos”, por Rui Ramos, da colecção Reis de Portugal (Círculo de Leitores, 2006)

Etiquetas:

Momentos Kodak (31)

Um telhado assim faz inveja a muito boa gente, não acham?
Bairro Fim do Mundo, em Cascais.
(Dezembro 2006)
Foto: Rodrigo Cabrita

quinta-feira, dezembro 21, 2006

A lei da vida

Há muitos anos que não vejo telenovelas brasileiras. Mas de vez em quando, ao fazer zapping, deparo na SIC com actores que conheci outrora, quando acompanhava os episódios diários destas produções da Globo. E reparo nas diferenças: cabelos brancos, gorduras acumuladas, rugas em profusão. Eles e elas foram envelhecendo. Como todos nós. E então penso: quantos actores conhecemos ainda bem jovens e que foram entretanto “amadurecendo”, em paralelo connosco? Lembro-me de um Robert de Niro novíssimo, em filmes como Taxi Driver, New York New York e O Touro Enraivecido – o actor então em início de carreira tornou-se um respeitável ancião. O mesmo aconteceu com Jane Fonda, deslumbrante em O Regresso dos Heróis ou A Síndroma da China. E Diane Keaton, “estrela” de Annie Hall e Manhattan. E Robert Redford, que brilhou em Os Três Dias do Condor e Os Homens do Presidente. E Richard Gere, cabeça de cartaz em Dias do Paraíso, Oficial e Cavalheiro e Cotton Club. E Vanessa Redgrave em Julia e Yanks – para mencionar apenas longas-metragens que vi em estreia já distante...
É inevitável. Por maiores que sejam os truques do cinema, os efeitos da lei inexorável da vida reflectem-se em todas estas vedetas da televisão ou do celulóide. Como em cada um de nós.

Na imagem: Liza Minnelli e Robert de Niro em New York, New York (1977)

Para ler devagarinho

Este belíssimo texto, memória partilhada pelo meu amigo Ricardo, recordando as suas conversas com Fernando Lopes-Graça.

Receita para o desastre

"Cuba tornou-se hoje uma nação pária no mundo, com uma população faminta, despreparada para os rigores da economia globalizada e, mesmo que alfabetizada no jargão marxista, iletrada nas questões que determinam a riqueza das nações. Aparentemente, ninguém vai impedir Chávez de continuar sua tarefa de construção do socialismo na Venezuela. Tanto em Cuba como na Venezuela - e de resto em todos os outros lugares onde a experiência foi testada - a construção do socialismo coincide sempre com a destruição dos países nos quais o sistema é implantado."
Diogo Schelp e Denise Dweck (Veja)

Previsões 2007 (Europa)



Não resisto à tentação de fazer previsões para 2007, que serão devidamente confrontadas com a realidade, no final do próximo ano. E a minha bola de cristal focou em primeiro lugar a Europa.
Em 2007, a União Europeia deverá conhecer mais um ano de impasse. Tenho escrito no Corta-Fitas sobre a UE e, agora, penso que fui sempre algo optimista em relação à crise que a organização atravessa. Nas últimas semanas, houve novos sinais de que a actual liderança não será capaz de resolver os bloqueios, nomeadamente a questão central da reforma das instituições. A actual situação confirma, por exemplo, o pessimismo de Jacques Delors, há uns anos atrás, numa entrevista que, na altura, não compreendi bem. Dizia-me o antigo presidente da Comissão que o alargamento que então se preparava era um erro sem primeiro serem alteradas as instituições da UE.
Pelo que se passou nas últimas semanas, penso que 2007 será outro péssimo ano para a Europa. Durante o semestre alemão, haverá uma decisão para realizar uma Conferência Intergovernamental que possa introduzir alterações limitadas no tratado. Mas essa CIG só ocorrerá em 2008, sob presidência francesa.
Em resumo, impasse em todos os outros assuntos. Alterações orçamentais, só em 2010; e negociações significativas com a Turquia, só depois do novo tratado ser aprovado.
A presidência portuguesa será irrelevante e, entretanto, os líderes terão quase dois anos para decidirem um novo nome para o documento. Tudo menos Tratado Constitucional, claro.

Gostei de ler

1. Israel e a desestabilização. De Tiago Barbosa Ribeiro, no Kontratempos.
2. A agonia do CDS. De Bernardo Lobo Xavier, no Nortadas.
3. Sócrates e o TC. De João Luís Pinto, no Small Brother.
4. O caldo de cultura da ERC. De Eduardo Pitta, no Da Literatura.
5. A (des)governação de Lisboa. De Carlos Manuel Castro, no Tugir.
6. Natal. Do El Ranys, na Revisão da Matéria.
7. De meter nojo! De Carlos Abreu Amorim, no Blasfémias.
8. A minha pátria. De Henrique Raposo, na Atlântico.
9. Abrir as portas. Da Maria Isabel, na Miss Pearls.
10. Da exclusiva responsabilidade dos intervenientes. De João Vacas, no 31 da Armada.
11. A alternadeira. De Leonor Barros, na Geração Rasca.
12. Eu tenho dois contratos. De Paulo Cunha Porto, no Misantropo Enjaulado.
13. O fascínio do anel. De José Gomes André, no Bem Pelo Contrário.
14. A visão monocular. De André Moura e Cunha, no In Absentia.