Colecção de crónicas (II)
Serve esta crónica para louvar o cinema europeu. Não se trata da visão do historiador de arte, ou algo do género. Será visão ingénua, de quem se deixou maravilhar tantas vezes por filmes inesquecíveis. Será resistência, também, pois o cinema europeu tem momentos que rivalizam com os melhores de Hollywood. E nós, europeus, esquecemos isso facilmente.
Escrevi em cima que os filmes eram inesquecíveis, mas não é bem assim. Acho que um dos encantos do cinema é que pode tocar-nos a alma e, mesmo assim, sendo fracção de um todo, acaba por nos iludir. Escapa sempre parte do drama, pedaço da alegria que nos contagiou. Sim, é isso. O esquecimento faz parte do encanto, até quase imaginarmos o filme que verdadeiramente vimos.
Queria aqui referir alguns dos que me comoveram ou tocaram e dos quais posso ter esquecido, sem querer, alguns dos farrapos.
Baisers Volés, de François Truffaut, ou Disparem sobre o Pianista; I Vitelloni, de Fellini, ou Amarcord, ou ainda Roma. Cinzas e Diamantes, de Andrzej Wajda. Korhinta, de Zóltan Fábri (a que se refere a imagem); lembro Jean Renoir (A Regra do Jogo); Ingmar Bergman (Morangos Silvestres). E há tantos outros!
E o que me marcou em cada um destes filmes foi um momento, a ligação efémera ao mais essencial do humano. O instante da levitação, em que nos transformamos em algo de alheio, que habita outro universo. Enfim, não será isso mesmo a arte?
Niente d’Amore, Noites Brancas, um leopardo, a polonaise, um velho a recordar o passado. De Kohrinta: A cena da dança, alucinada e obsessiva, rodando, rodando. E a cara que se transforma; um homem que tem um machado na mão; primeiro assassino; depois cedendo à sua humanidade, submetendo-se à melancólica desistência. E o machado a tombar no solo lamacento...
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