terça-feira, dezembro 26, 2006

Colecção de crónicas (I)

Quando comecei a ler jornais, o que me atraiu primeiro foi a arte da crónica. Sempre gostei de reportagens, aprecio um bom texto de opinião, mas é na crónica que o jornalismo mais se aproxima da literatura. Fascina-me o talento que alguns têm para colocarem dentro de poucas frases a imensa humanidade que nos rodeia. Para mais, tive a sorte de me cruzar com jornalistas que escreviam com habilidade de malabarista, e quase podia imaginá-los enquanto flutuavam a grande altura, tão distantes e frágeis como as palavras que eles procuravam na fronteira incerta que nos separa da sabedoria. Admirava a volúpia da síntese, mas também a transcendência poética, a partir de observações de onde pareciam retirar todo um universo.
A crónica tem outro elemento crucial, o da verdade. Mas, quanto mais literários eram os textos, menos isso importava. Ao ler recentemente as crónicas do meu saudoso amigo Eduardo Guerra Carneiro, coligidas num volume intitulado “O Revólver do Repórter”, percebi que a fidelidade ao real vai perdendo importância, à medida que o texto sobrevive ao tempo. O que Eduardo contava era autêntico, mas as crónicas transfiguraram-se, são agora pequenos contos escritos com o estilo delicado e preciso de um poeta.
Sei que é injusto não mencionar aqui outros artistas da crónica, como Viale Moutinho, Baptista-Bastos ou Ferreira Fernandes, entre outros. Entretanto, os jornais estão a tornar-se sérios e técnicos. Há muita opinião, obsessão noticiosa. Os espaços para a reportagem e, sobretudo, para a crónica, parecem cada vez mais reduzidos. Isso não é bom nem é mau, mas a blogosfera vai conquistando esse vazio e tornou-se herdeira do gozo pela escrita. Nos blogues, há centenas de bons cronistas e, por vezes, podemos ler textos feitos da extravagante poesia que nos envolve e que certas penas felizes conseguem ordenar, em prosas que namoram perigosamente com a perfeição.

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