007: o vício é uma virtude
Confesso-me rendido ao desempenho de Daniel Craig no último filme da série 007: ao contrário do xaroposo Pierce Brosnan, que abusava dos tiques de salão, Craig retoma a personagem dura, cínica e profundamente amoral que Sean Connery em boa hora criou no princípio da saga. Os primeiros filmes foram de longe os melhores - nada a ver com a pirotecnia acéfala, boa para consumir pipocas, em que o agente de Sua Majestade se foi transformando, sobretudo nas duas últimas décadas. Agora dá-se o regresso às origens com excelentes cenas de pancadaria (dignas dos Keystone Cops, ou seja, dos primórdios do cinema) e de perseguição, polvilhadas com um humor próprio de quem não se leva demasiado a sério. James Bond, apesar de ter ordem para matar, não deve, de facto, ser levado demasiado a sério. Só isto nos permite desfrutar da melhor maneira Casino Royale, um filme com uma produção irrepreensível que me fez ter uma súbita vontade de conhecer Montenegro, de regressar com urgência a Veneza e de adquirir residência nas margens do Lago Cuomo um dia destes, quando me sair o euromilhões. Brinde suplementar: a película tem excelentes diálogos. O meu preferido é este, entre Bond e a deliciosa Vesper Lynd (interpretada pela actriz Eva Green):
- Você não faz o meu género (diz ele).
- Por ser inteligente? (pergunta ela).
- Por ser solteira (remata ele).
Como nos ensinou Vasco Pulido Valente, o mundo está perigoso. Não admira que M, a superior hierárquica de Bond, confesse ter "saudades da Guerra Fria". Num planeta ameaçado pela praga terrorista, o mais famoso agente secreto britânico deixou-se de punhos de renda e ganhou uma destreza a lidar com o crime que mal o distingue afinal de um verdadeiro criminoso. Claro que há quem deite olhares de outro género ao filme, mas de momento o que me interessa é este: nos dias que correm, são cada vez mais ténues as fronteiras entre bons e maus. Bond está no meio, mas personifica muito mais o vício do que a virtude.
Se virmos bem, como poderia ser de outra forma? Quem lhe paga o ordenado é Tony Blair, um dos grandes jogadores de póquer político à escala mundial, que se tem mantido como fiel parceiro de George W. Bush em todas as jogadas. Bom rapaz, este Blair. Capaz, tal como Bond, de transformar qualquer vício em virtude - e de nos fazer pagar bilhete para o aplaudirmos. Comparado com ele, Daniel Craig é um menino de coro.
- Você não faz o meu género (diz ele).
- Por ser inteligente? (pergunta ela).
- Por ser solteira (remata ele).
Como nos ensinou Vasco Pulido Valente, o mundo está perigoso. Não admira que M, a superior hierárquica de Bond, confesse ter "saudades da Guerra Fria". Num planeta ameaçado pela praga terrorista, o mais famoso agente secreto britânico deixou-se de punhos de renda e ganhou uma destreza a lidar com o crime que mal o distingue afinal de um verdadeiro criminoso. Claro que há quem deite olhares de outro género ao filme, mas de momento o que me interessa é este: nos dias que correm, são cada vez mais ténues as fronteiras entre bons e maus. Bond está no meio, mas personifica muito mais o vício do que a virtude.
Se virmos bem, como poderia ser de outra forma? Quem lhe paga o ordenado é Tony Blair, um dos grandes jogadores de póquer político à escala mundial, que se tem mantido como fiel parceiro de George W. Bush em todas as jogadas. Bom rapaz, este Blair. Capaz, tal como Bond, de transformar qualquer vício em virtude - e de nos fazer pagar bilhete para o aplaudirmos. Comparado com ele, Daniel Craig é um menino de coro.