terça-feira, fevereiro 19, 2008

O "tabu" de Sócrates

1. Lá volta ela, a malfadada palavra tabu. Na entrevista de ontem à SIC, bastou uma não-resposta de José Sócrates para o primeiro-ministro conseguir um efeito "dramático" já com vista às legislativas do próximo ano. Sem confirmar se encabeça a lista socialista a essa eleição, o chefe do Governo produz a custo zero a tal "tensão" (sempre necessária em política, sobretudo em períodos pré-eleitorais) a que o seu amigo Zapatero fez recente alusão, ao falar descontraidamente no final de uma entrevista televisiva, quando supunha que os microfones já estavam desligados.
2. A não-resposta de Sócrates nesta entrevista sem riscos, que lhe correu globalmente bem, tem um significado evidente: o actual primeiro-ministro só admite voltar a governar num cenário de maioria absoluta. É esse o único que se coaduna com a sua personalidade. Não é, de resto, inédito na democracia portuguesa: Francisco Sá Carneiro fez o mesmo em 1980. E Sócrates, não esqueçamos, entrou na política como militante da JSD. Quando Sá Carneiro liderava os sociais-democratas.
3. Foi, de facto, uma entrevista sem riscos. Cinquenta minutos que quase equivaleram a tempo de antena, em que foi evitada a questão política que neste momento mais preocupa Sócrates: uma possível cisão à esquerda no PS, induzida por Manuel Alegre. Foi uma omissão imperdoável, até porque nas últimas semanas quase não se tem falado noutra coisa.
4. Apenas quatro minutos reservados a "política geral" não permitiram abordar igualmente outro tema muito polémico da governação socialista: a questão do referendo europeu, que Sócrates jamais convocará, quebrando uma das suas mais emblemáticas promessas eleitorais.
5. Outra promessa quebrada relacionou-se com os impostos. Antes de os portugueses votarem, Sócrates prometeu que não os aumentava; mal venceu a eleição, tratou logo de subir o IVA. Hoje garante que ainda não pode falar em baixar impostos, pois isso "seria absolutamente irresponsável". E terá sido responsável assegurar aos eleitores que não os subiria?
6. Sócrates, ao contrário de todos nós, vive no país das maravilhas. Num país que cresce apenas 1,9% ao ano (o primeiro-ministro prometeu deixar Portugal, no fim da legislatura, com um crescimento de 3%), com o desemprego a atingir 8% da população activa (a maior taxa das últimas duas décadas), crises nos decisivos sectores da saúde (que já fez cair o ministro Correia de Campos) e da educação, o optimismo só sobrevive no discurso oficial. O que nos reconduz à questão do tabu. Se Sócrates acreditasse mesmo em tudo quanto diz, não seria lógico que poupasse os seus fiéis ao angustiante cenário de uma orfandade política?

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