Recuo civilizacional
Não abri uma garrafa de champanhe há poucos dias, quando faleceu Augusto Pinochet: nenhuma morte de um ser humano me alegra, mesmo que se trate de um torcionário. Qualquer manifestação de regozijo pelo desaparecimento de alguém torna-nos moralmente equivalentes ao pior que existe na nossa espécie. Por este motivo, também não sinto nenhuma satisfação pela execução de Saddam Hussein, ocorrida esta noite: sem sequer discutir os aspectos processuais do caso, que aliás me parecem muito duvidosos, começo desde logo por contestar a chocante falta de justiça por detrás de cada execução "judicial". E lembrar honrosos precedentes históricos que deviam ter deixado rasto: a pena de morte decretada a Pétain no pós-guerra, de imediato comutada por De Gaulle; a execução a que foi poupado Ezra Pound, como colaboracionista do fascismo, na sequência dos apelos de várias dezenas de intelectuais, com Hemingway à cabeça. Tantas décadas depois, recuámos em termos civilizacionais. Que satisfação podemos sentir com isto?