quarta-feira, outubro 31, 2007

Corrosão


Estou-me mais é marimbando se «Corrupção» tem uma, duas ou mil e quinhentas versões, sejam elas do realizador ou do produtor. O que acho menos dignificante nisto tudo – e foi a razão pela qual rasguei o meu convite para a ante-estreia nesse sítio que não lembraria aos meus amigos carecas que é o Freeport de Alcochete – é a similitude entre este filme e o «Conversa da Treta».
Na altura, escrevi aqui que o filme da dupla de actores era o que era e assumia-o. Não uma obra de cinema mas stand-up comedy filmada, pelo que um visionamento crítico só poderia confirmar o óbvio e a acção de eliminá-lo era, por isso mesmo, compreensível.
No caso de «Corrupção», a coisa pia mais fino. Entramos no território comercial numa versão linha dura. Armam-se aos cucos dos campeões de bilheteira. Escamoteia-se o realizador e mais quem seja, convida-se a vipalhada costumeira para atravessar a ponte com a exclusiva intenção onanista de se verem reflectidos nos olhos dos outros e o filme que se fecunde.
É uma escola que se faz? Então bem merece estar no fundo do ranking mais miserabilista, culturalmente falando. Porque «Corrupção» começou por querer ser um filme. E depois, ao longo do percurso, transformou-se em iogurte. Mas com um prazo de validade tão curto como a nossa, ou pelo menos a minha, paciência.

Reciclagem


Bem sei, já foi há quatro dias, mas só hoje, ao vê-los na capa de uma revista, é que me apeteceu registar o evento.

Este ditador vem a Lisboa (2)


Omar al-Bashir.

Presidente do Sudão desde 1993 (tomou o poder por golpe de Estado quatro anos antes). Tem 63 anos.
Segundo as associações internacionais de defesa dos direitos humanos, é actualmente o pior ditador do planeta. Foi ele o maior responsável pela tragédia do Darfur, que se arrasta há quatro anos e já provocou a morte de 200 mil pessoas, além de 5,3 milhões de desalojados. O terror é tanto que, durante o mesmo período, pelo menos 700 mil sudaneses fugiram do país. Foram os que tiveram mais sorte: os restantes morreram ou vegetam em busca dos alimentos mais básicos.
O currículo do cavalheiro é ainda abrilhantado pelos seguintes factos: dissolução compulsiva do Parlamento, extinção dos partidos políticos, fecho da imprensa independente e imposição da mais estrita lei islâmica, que tem vitimado sobretudo a população cristã, do sul do país.
Bashir é um tirano. Portugal prepara-se para recebê-lo com todas as honras.

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Elites autofágicas


Antes de começar a ler o Rio das Flores não resisto a recordar um dos parágrafos mais brilhantes e demolidores que já li sobre alguém. É pena serem as nossas elites intelectuais a demolirem-se mutuamente.

"Fora a acusação de fraude (que me incomoda), Miguel Sousa Tavares trata com condescendência o meu putativo pessimismo e lamenta que o meu conhecimento do mundo não vá muito além de Oxford e do Gambrinus (para quem não saiba, um restaurante de Lisboa). Esta estupidez não é inocente, é profiláctica. Serve para me desqualificar, se por acaso eu disser o que penso (e não disser bem) sobre o Rio das Flores, um segundo romance que já saiu ou vai sair daqui a poucos dias. Mesmo vendendo como vende, Miguel Sousa Tavares não consegue suportar que diminuam o que ele julga ser o seu imenso brilho. A mim, não me aflige que ele se apresente como um génio literário. Desde que não ande por aí a espalhar mentiras".

Vasco Pulido Valente, Público 21 Out 2007

Há uns muito sentadinhos, lá isso há

«Alfredo Maia, presidente do SJ, pede aos jornalistas que vistam a camisola com a inscrição Levantem-se pelo Jornalismo». DN, Pág.62.

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Ainda a (des)compostura de Sarkozy

Na república, o lugar da mulher do Chefe de Estado, a chamada "1ª Dama", é um tão ilegítimo como inevitável devaneio patrocinado pelos media para gáudio da turba. Definitivamente o personagem colhe e garante um bom retorno no negócio do circo mediático. Não me parece viável que um candidato a chefe de estado oculte a sua realidade familiar e afectiva. O ideal será de facto que ela promova boa imprensa e simpatia popular à instituição e ao protagonista. Quer se queira quer não, a mulher dum candidato terá sempre o involuntário poder de promover ou estorvar a sua imagem pública. Um verdadeiro berbicacho.
Sendo por natureza o divórcio um penoso acontecimento do foro privado, sendo a figura do casamento alheia à instituição do cargo, indica o bom senso a um mediano jornalista que o assunto é impertinente e que extravasa claramente o interesse público.
Parece-me saudável a atitude de Nicolas Sarkozy perante a indiscreta jornalista americana. Parece-me inquietante o aparente descontrolo emocional que sobressai na tomada de posição do Presidente da República Francesa.

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Galinhas, precisam-se


Amândio Santos só pode estar a fazer mal as contas, como se pode ler nesta notícia assinada pela Cátia Almeida. Então o nosso «problema é a escassez de galinhas nacionais»?! É preciso ir a Espanha para encontrar galinhas? Eu cá farto-me de vê-as a pulular por aí cacarejando de contentamento, algumas do campo e outras de cidade mas, em comum, partilhando a mesma galinhidade. Mas se há quem ache, mesmo assim, o número insuficiente, apresento já outra solução. Um verdadeiro ovo de Colombo, diria mesmo: Importem-se mais galinhas, caramba! Espanholas, ucranianas, italianas, o que for. Assim como assim, pelo cacarejar ninguém as distingue.

Palavras que odeio (21)

Resiliência

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A verdade da guerra


Tenho acompanhado com atenção a série documental sobre a guerra colonial da autoria de Joaquim Furtado, que passa às terças-feiras na RTP. Ontem foi para o ar o terceiro episódio. Mais uma vez pude admirar a qualidade do trabalho daquele que para mim é um dos jornalistas que mais respeito me merecem nesta profissão. O retrato que se vai traçando, semana a semana, da nossa guerra, não poupa ninguém. Já se sabia das atrocidades que se tinham cometido de parte a parte. Mas confesso que ontem senti como nunca até que ponto somos hipócritas ou até cobardes quando nos convencemos de que a nossa ética é superior à dos nossos oponentes. Ontem aquela reportagem mostrou-me imagens de bizarras “árvores de Natal”, enfeitadas com cabeças de negros. Soube através de um depoimento que se espetavam pregos na cabeça dos prisioneiros até que eles morressem, que se matavam civis a propósito de nada, que os nossos militares se divertiam a fazer os turras atravessar pontes debaixo de fogo (nunca escapavam).
As nossas tropas também lançaram gente viva para o mar, como se fazia no Chile, no tempo de Pinochet, esquartejaram-se corpos, como nas guerras mais bárbaras dos povos mais primitivos; abriram-se valas comuns para fazer fuzilamentos em massa, como fizeram os nazis; torturaram-se presos sob assistência médica, como nos regimes mais tenebrosos.
Claro, já se sabe, guerra é guerra. Estarei a ser ingénua ou mesmo muito parva por revelar sem a mais leve ponta de cinismo toda esta minha indignação. Mas que querem? Há momentos em que me chateia ter que perceber e aceitar que em situações limite a raça humana é capaz de comportamentos inomináveis.

Escrevo isto confortavelmente sentada à minha secretária, no início de um dia que se adivinha calmo, regular. Já tomei o pequeno-almoço. O pior que me vai acontecer hoje é, provavelmente, ter que enfrentar as filas de trânsito na cidade.
A verdade é que, bem vistas as coisas, não me conheço.

O Paulo Gorjão está de volta

Como pode ser comprovado aqui.

terça-feira, outubro 30, 2007

Como é que se diz cromo em francês?

- Ceci, isto vai correr bem, vais ver que vais gostar!
- Não sei, Nicholas, não sei. É tudo tão maçador...
- Olha, só para te animar vou-te confiar uma tarefa muito importante. Mas tens que estar concentrada, há vidas humanas em jogo!
- Que giro!
- Vais amanhã à Líbia convencer o Kadhafi a libertar as enfermeiras búlgaras.
- Sei, esse homenzinho amoroso. E o que devo levar vestido?
Por acaso correu bem. Já o casamento correu mal. E depois de ter mostrado a mulher durante a campanha, ter enchido páginas de revistas com a entrada da família no Eliseu, ao estilo Kennedy, e de a ter posto a representar o estado francês nas negociações com a Líbia, Nicolas Sarkozy interrompeu a meio uma entrevista para o programa 60 Minutos, da CBS americana, porque lhe perguntaram pelo divórcio, com uma declaração do género: "Os franceses elegeram-me para resolver os problemas da França e não para falar do meu casamento". Desculpe?

Postais blogosféricos

1. O meu amigo João Severino tem um blogue novo. Já lá fui espreitar e recomendo-o. A começar no nome: Pau Para Toda a Obra.
2. Conheci hoje este blogue. E este. E este. Gostei de todos.

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De fonte próxima

Luís Filipe Vieira vai demitir-se da presidência do Benfica.

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Enquanto isso, no Brasil

«O programa cria relatórios de tudo que é digitado pelo teclado, sites visitados, conversas de chat, conversas de msn, skype, yahoo messenger, icq.
O software também fotografa a tela do computador em intervalos programados pelo cliente no painel de configuração do programa, tudo o que for registrado será armazenado em pastas ocultas do computador instalado.
O Spykey2000 é perfeito para você que está desconfiado das atividades do seu companheiro na internet, pois depois você pode acessar os sites visitados, conversas de chat, e-mails enviados pelo cônjuge sem despertar a menor suspeita.O programa é uma ferramenta que você poderá utilizar para descobrir senhas de e-mail, rever conversas de chat, conteúdo de e-mails enviados, recebidos. Prepare-se para descobrir tudo que você precisa saber sobre seus funcionários, seu companheiro(a), filhos».

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E o que é que o PGR pretende fazer com isso?


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Este ditador vem a Lisboa (1)


Robert Mugabe.

Presidente do Zimbábue desde 1986 (era primeiro-ministro desde 1980). Tem 83 anos.
Segundo o Observatório de Direitos Humanos, os casos de detenções arbitrárias e de tortura policial são ali frequentes. O regime persegue e encarcera opositores políticos, estudantes, sindicalistas, jornalistas e activistas de direitos humanos. Quase toda a imprensa livre está silenciada. A inflação é a mais elevada do continente africano - e porventura do planeta: já atinge 1300 por cento. Segundo a Unicef, um quarto das crianças do Zimbábue são órfãs: a esperança de vida é a menor à escala mundial - 37 anos para os homens, 34 anos para as mulheres. A fome generalizou-se em todo o país, levando ao exílio forçado de dezenas de milhares de pessoas.
Mugabe é um déspota. Portugal prepara-se para recebê-lo com todas as honras.

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Nas colunas


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Os tugas (37)


(Roubado ao Politicopata)

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Estão-se a passar



De acordo com uma notícia do Destak, o químico Albert Hofmann é o maior génio vivo. O inquérito foi feito pela empresa Synectics a «quatro mil pessoas conhecidas do Reino Unido». O que nem a empresa nem o artigo revelam é que essas 4 mil estavam todas na mesma rave, a tripar em cima das colunas por volta das 6 da matina e com os bolsos recheados de pastilhas não elásticas. Não percebe porquê? É simples: Hofmann - um suiço com cara de dono de restaurante - foi o homem que acidentalmente descobriu os efeitos alucinogénios do ácido lisérgico, vulgo LSD. Não satisfeito, ainda investigou a melhor forma de as substâncias presentes em cogumelos mexicanos colocarem o cérebro a fazer o pino. Ao LSD, a CIA chamou-lhe um figo. Mas isso já é outra história.

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Palavras que odeio (20)

Inexequibilidade

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Momento fofinho

Se bem ouvi, Berardo chamou ontem «querido» a Fernando Ulrich. E em português.

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(...)

O post anterior a este foi retirado por razões de Estado.

segunda-feira, outubro 29, 2007

Começou o Prós & Contras

Fernando Ulrich, João Rendeiro, José Berardo e não sei mais quem. A diferença entre a pauta desta operação e a da OPA lançada por Paulo Teixeira Pinto está bem patente aqui. No circo. Na tentativa estapafúrdia que é explicar uma operação financeira desta dimensão à audiência de Fátima Campos Ferreira, dentro e fora do auditório. Não é preciso ser oráculo para prever que das duas uma: Se os senhores se portarem bem, daqui a meia-hora não há ninguém acordado ou sintonizado na RTP1. Se os senhores se portarem mal, há peixeirada de envergonhar as veteranas da Ribeira e audiências superiores às do «Casamento de Sonho». Ganhar, só ganham juízo. E mesmo assim a ver vamos.

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Em resposta ao Adolfo, o Ernesto


A vida do Adolfo Ernesto dava um filme indiano em que todas as personagens fossem o Adolfo Ernesto. O Adolfo, o Ernesto, não tem dias sim, dias não, ou dias assim-assim. O Adolfo, o Ernesto, é bizarro. Ou, no mínimo, diferente. Mas se é para participar em correntes, alinho. Pelo-me por correntes. Quando me enviam aqueles mails a dizer que o céu me cai em cima da cabeça e todos os meus parentes morrerão de uma doença ainda sem nome, a não ser que envie logo o texto pejado de gralhas em brasileiro para 5, ou 7, ou 9 desgraçadas/os (um valor sempre numerologicamente ímpar), não sou de modas e encho a caixa de correio de 55, 77 ou 99 contactos da minha festiva listinha.
Confessado isto, aqui vai a frase que encontrei no livro mais à mão na minha periclitante estante (duas palavras que rimam de uma forma dolorosa e atroz). Intitula-se a obra: «A Revolução Portuguesa O Passado e o Futuro», de um autor cuja obra roçou o Nobel chamado Álvaro Cunhal. A página 187, linha 5 como impõe o desafio, reza assim: «As forças reaccionárias desenvolveram uma intensa actividade de conspiração, fazendo pairar na cena política a ameaça de um golpe de força».

Cadernos de filosofia política de Adolfo Ernesto (6)



Assunto corrente


Não sou menos do que o Pedro Correia e, como nunca fui convidado para uma corrente blogosférica, decidi fazer-me convidar.
Adoro correntes.
Já tive uma corrente e andava com ela ao pescoço, mas não dava bem com a minha tatuagem heavy metal e respectiva personalidade. A tatuagem foi na minha fase Gore, ou fase gótica, não confundir com a minha fase de Al Gore; é que também já fui ambientalista, mas era cansativo andar abraçado a árvores e uma vez fiquei colado a um pinheiro; aquilo deita uma resina que se agarra à pele; agora até acho muito bem que cortem as florestas, sobretudo as resinosas, que são um perigo público; nem de propósito, a tatuagem heavy metal ficou toda estragada, mesmo esfolada, e teve de ser raspada com uma lâmina de barbeiro, mas não vou entrar em pormenores, porque estávamos aqui a falar de correntes...
Uma vez entrei numa corrente para vender umas enciclopédias. Tinha de se pagar 500 euros para entrar. Paguei, mas nunca mais ouvi falar nos enciclopedistas...
É por isso que gosto mais das correntes blogosféricas. Não se paga jóia. Enfim, também é preciso ser convidado e nunca fui convidado, mas também acho isso dos convites uma cena-pequeno-burguesa-como-o-caraças.
Vai daí, o Pedro Correia entrou numa dessas correntes sobre o aspecto aleatório da literatura. Baril, também entro, não sou menos que o Pedro Correia.
Mas à partida não concordo com as regras instituídas. Isto da página 161 parece-me um bocadinho macabro, e tudo. 161 era o número da sala dos electrochoques e faz-me impressão. Como sabem, andei em tratamentos, porque a parte esquerda do meu cérebro não se distingue da direita. Tenho a tola fundida, sou anti-centrista e é por isso que me fascina o radicalismo político-cultural.
Assim, ainda pensei em inverter os termos das regras. Mas o inverso de 161 é 161. Foi então que me lembrei de colocar um zero. Ficou 1610. Quase cabalístico.
Fui à procura da página 1610, quinta frase, um livro ao calhas.
Que excitação! Parecia que estava numa cena à Código da Vinci. Talvez encontrasse um segredo ou uma frase que, vista de certo ângulo, desse para perceber um terrível mistério da humanidade, compreender as mulheres, uma coisa do camandro, sei lá, chekiraut.
Encontrei um livro ao calhas e as minhas mãos tremiam quando cheguei à página 1610. Abriam-se grandes perspectivas. Não conseguia esconder a minha perturbação. Li a primeira frase, li a segunda, engoli em seco, cheguei à quinta frase. Era um diálogo curto. E constava:
"Não".
Suspense. Pausa. Surpresa e perplexidade. Reli:
"Não".
Era isso. Era assim a quinta frase. Horror estupefacto. Comichão nociva. Constatação assombrosa. Apenas "não"?
Fechei o livro. Entreguei-o à estante, esquecendo até o título. Depois, peguei noutro. O mesmo método. A quinta frase dizia: "Silva, Luís, Ave. das Madressilvas, 44, 3º esq., tel. 54678922". Cruel decepção.
Mas tenho de levar o esforço às últimas consequências. De acordo com as regras, deixo aqui a corrente para os meus amigos Tó Zen, o poeta; Mike, o movie director; Vladimir, o espião; e João Villalobos, o ex-jogador de râguebi.

Adolfo Ernesto

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Ainda há espaço na gaveta do socialismo?

Ainda há poucos dias o Ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, se gabava - e bem - do segundo lugar de Portugal num estudo sobre a integração dos imigrantes na Europa e já levamos com um balde de água fria com a Lei da Imigração. Segundo o DN, a regulamentação da Lei levará a que as Autorizações de Residência sejam atribuídas de forma casuística e discricionária, prevendo-se que deixem na ilegalidade 200 mil imigrantes que já cá estão.
A manobra da regulamentação não é nova e está cheia de impressões digitais. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, tal como as outras forças de segurança, precisa de agitar inimigos perigosos para conseguir reforço de pessoas e meios. Por isso, sempre que se fala de regulamentar a Lei de Imigração, tira do armário o fantasma do "efeito de chamada", segundo o qual por cada período de legalização que se faça, há milhões de bárbaros que aproveitam para marchar sobre a Europa. E, nesta lógica, atrás deles vem "o desemprego, o conflito social, o terrorismo".
Se há coisa que hoje em dia se sabe sobre as migrações é que os Estados podem legalizar, mas dificilmente fazem a gestão dos fluxos migratórios. Estes dependem quase só do mercado. Se houver trabalho, os imigrantes vêm; se não houver, vão-se embora.
Os 200 mil que o Governo deixa de fora da lei vão ser os novos escravos da sociedade portuguesa. Sem direitos, e em risco de serem expulsos a toda a hora. Mas sempre com trabalho. É o socialismo que temos.
Foto de João Gomes Mota

Apelidos Apelativos

Não sei eleger os apelidos mais estranhos que ouvi até hoje. Mas lembro-me da colega Rita Sim-Sim e da Inês Ratão. Um amigo recorda também o Formosinho, rapaz muito apreciado pelas meninas da sua escola secundária, um “pintas” jogador da bola – “Ele era o Formosinho, eu o “enjeitadinho”. Ontem, durante o telejornal da SIC, voltei a ouvir outro curioso nome: Maria Mil-Homens. Será que há algum Manuel Mil-Mulheres por aí?

Era inútil dar café a Salazar

O André desafiou-me para entrar numa nova corrente blogosférica. Desta vez para sublinhar o papel do acaso na abordagem ao texto literário, se bem percebi a coisa. É uma proposta com cinco regras que passo a enumerar:

1. Pegue no livro mais próximo, com mais de 161 páginas – implica aleatoriedade, não tente escolher o livro;
2. Abra o livro na página 161;
3. Na referida página procurar a quinta frase completa;
4. Transcreva na íntegra para o seu blogue a frase encontrada;
5. Aumentar, de forma exponencial, a improdutividade, fazendo passar o desafio a mais cinco bloguistas à escolha.

Assim fiz. Peguei no primeiro livro que encontrei à mão: Quod Erat Demonstrandum, de José Pacheco Pereira. Mas nada feito: o livrinho tem apenas 142 páginas. O que me apareceu a seguir? O novíssimo Os meus 35 anos com Salazar, de Maria da Conceição de Melo Rita e Joaquim Vieira, com a chancela da Esfera dos Livros. Mais um título a juntar à já extensa bibliografia contemporânea sobre o fundador do Estado Novo.
Abro-o na página 161, eis a quinta frase completa: "Tanto na noite de Natal como em qualquer outro serão, era inútil dar a Salazar café para combater o sono ou o cansaço."
Fico ainda a saber, só pela leitura desta página, que Salazar "não gostava de possuir um guarda-roupa muito extenso". Apreciava receber pelo Natal o tónico capilar Nally e after-shave Floyd. Detestava tabaco mas era fã dos sabonetes Luxo Banho, da Ach Brito, e Feno de Portugal.
As coisas que a gente aprende com estas correntes blogosféricas...

Para cumprir totalmente as regras, resta-me passar a bola a outros cinco colegas, sugerindo-lhes que façam o mesmo que eu agora fiz: o Tomás, a Leonor, o Jorge, a Joana e a Ana Cláudia. Boas leituras!
..........................................................
ADENDA: Tropecei na página em que se falava do gosto de Salazar pelos sabonetes da Ach Brito na mesma altura em que o João Villalobos aqui aludia à mesma marca. Raio de coincidência esta. Como diria a Teresinha ou a Francisquinha do anúncio: há coisas fantásticas, não há?

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Lenha para me queimar


Linquei o blogue do Hélder hoje a propósito do post abaixo e eis que ele não só se diz maravilhado com o novo single de Jorge Palma, como o tem a tocar no seu Pensamentos.
Ao contrário do Hélder, que «pouco ou nada ouvia dele até agora», eu já ouvi muito. Muito mesmo. Pertenço ao grupo dos felizardos que participou da gravação ao vivo do Palma's Gang no extinto Johnny Guitar e, antes disso, já eu e os amigos partilhavámos as suas canções de extensos e estranhos versos desde, pelo menos, a edição de «Acto Contínuo» em 1982. Em suma, gosto do Jorge Palma e não é de hoje. Mais: A minha mulher é fã do Jorge Palma. A minha ex-mulher é fã do Jorge Palma. Tirando as que nasceram na estranja, as minhas ex-namoradas também são fãs do Jorge Palma.
Dito isto, já não suporto ouvir o raça do single. Se a música é mais repetitiva do que o Night Train de Philip Glass, já a letra consegue a proeza de rimar «contigo» com «contigo» e incluir versos do calibre deste:
«vizinha de mim, deixa ser meu o teu quintal
recebe esta pomba que não está armadilhada
foi comprada, foi roubada, seja como for».
ou este
«enrosca-te a mim,
vai desarmar a flor queimada
vai beijar o homem-bomba,
quero adormecer».
Adormecer? Mas há alguma mulher que se deixe levar por alguém que, depois de expressar esse cúmulo de contenção amorosa que é «Quero-te bem», ainda tenha a lata de dizer que o que lhe apetecia mesmo era dormir uma sesta enroscado no colinho?
Um conselho? Deixem-se de tretas e leiam aqui os poemas de «Maçã de Junho» ou «Eternamente Tu». Depois, digam-me qual é que fica a ganhar com a comparação.
P.S. Já agora, alguma das rádios se importa, nem que seja uma vez, de pôr a tocar outra música qualquer do disco só para variar?

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Palavras que odeio (19)

Idiossincrático

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Crónica alternativa do Corta-Fitas

O Pedro Correia, ao comparar o sucesso dos inquéritos ao Tratado de Lisboa com o das miúdas da TV, afirma a vocação tablóide do Corta-fitas. Não desfazendo, confesso que também tive dificuldades em dar uma opinião convicta ao questionário sobre o dito documento. Para mim é-me muito mais fácil despejar num clique o meu wishful thinking no inquérito para futuro campeão da bola. Mais aprazíveis que os questionários “da bola” só mesmo os passatempos que versam mulheres bonitas.
Não tenho a certeza dessa vocação tablóide para o Corta-Fitas. Mas parece-me evidente que os blogues, no seu formato enrolado de diário, posicionam-se como uma espécie escrita de irresistível reality show. Mesmo ao acompanharmos as mais inócuas preocupações políticas das mais ou menos consagradas figuras blogosféricas, envolvemo-nos sempre num atmosfera folhetinesca, com o seu quê de sedutora bisbilhotice. Como num romance, onde até às vezes se admite a intromissão do leitor, numa tentadora caixa de comentários.
Depois há o Corta-Fitas, que, com os seus decorosos escrevedores, mais ou menos empenhados em dizer (e mostrar) coisas interessantes. Figuras pouco públicas, imaginam-se com dificuldade os seus privados perfis. Será a cfa, uma tronchuda matriarca, portuguesa de Ranholas, com ambições secretas na concelhia do MRPP da Amadora? Ou o Duarte Calvão, figura esguia e calva, fumador de cachimbos d’ água, com as suas longas barbas tisnadas de trotskista? E o Luís Naves será na realidade o verdadeiro fidalgo contemporâneo, culturista de corpo e de espírito, um desprendido místico, amante de numismática e de tragédia antiga?
São estes enigmáticos escribas que debitam diariamente pérolas quase literárias para consumo imediato, e que alimentam a voracidade dum milhar de leitores diários. Pois no Corta-Fitas também há Sportinguistas e poetas. O João Villalobos, antigo jogador de rugby, é as duas coisas e consta que percebe de vinhos, ciência que não partilha com ninguém. Dizem as más línguas que após o ultimo congresso do PSD da Póvoa, desiludido com a política nacional, fez uma sesta sabática, que o inspirou a mudar de gravata.
Por seu lado, a Maria Inês de Almeida e a Isabel Teixeira da Mota têm assumido progressivamente estéticas antagónicas: Maria Inês burila os seus agradáveis textos de tonalidades sólidas e transparentes. E de facto, não dá ponto sem nó. A Isabel ao que se vê, nem uma coisa nem outra, nem dá ponto nem dá nó. Que saudades.
E depois há a Miss Pearls, elegante trintona oxigenada que por aqui abriu uma sucursal da sua joalharia de estilo – o negócio corre-lhe tão bem que há algumas semanas que não põe aqui os delicados pés.
Depois existem o Pedro Correia e o FAL, editores de política nacional por profissão, coisa que lhes confere uma natureza mais anacrónica que a um monárquico católico como eu. Alvíssaras aos dois rapazes que garantem publicidade ao blogue, principalmente quando a generosa agenda política se agita. É à boleia dessas oportunidades que todos ganhamos um ar de “gente séria” e de causas elevadas, mesmo sabendo todos nós que o país está perdido. Serviço público, enfim. Finalmente há quem prefira as crónicas da Teresa Ribeiro, a nossa garçonne de boina guerrilheira, extremosa frequentadora da cinemateca em Lisboa e estandarte das mais fracturantes causas.
Uns almoços e jantares bastante ficcionados vão alimentando o mito desta gente catita e galharda, que no Corta-Fitas esgrimem em diferentes direcções, diferentes sermões para freguesias distintas. Todos diferentes e em nada iguais. Como aquele grupo que se encontra demoradamente e por mero acaso numa paragem de autocarro, durante uma tempestade. E aprendem a tolerar-se, às tantas com desconcertante simpatia.
Ou se calhar afinal nem existimos: somos todos personagens de fantasia, mera ficção. Em todo o caso, caros leitores, voltem aqui amanhã, à cata de mais um pequeno texto, um imodesto vitupério ou apenas uma rocambolesca crónica. Para anuir, contraditar ou mesmo agredir com um anónimo e incisivo comentário. Voltem só na tentativa de completar um pouco mais este humano e desconforme puzzle, para que o show pareça cada vez mais real.

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Duas lições


É sempre bom ler notícias como esta, assinada pelo Hélder Robalo. Tenho em comum com a Catarina Portas um fascínio de infância pelas marcas que atravessaram gerações e a Ach Brito é, desde que tenho memória, uma delas. Hoje, as embalagens dos sabonetes permanecem iguais ao que sempre foram desde tempos avoengos e o processo de produção continua assente num cuidado que não descura a intervenção humana. Lendo a notícia sobre o sucesso de uma empresa/marca que chegou às páginas da Elle indiana e foi mencionada pela Oprah, não encontramos uma única linha sobre o Estado, nem as habituais lamúrias a ver com «os apoios», a falta dos mesmos ou a sua insuficiência. A marca reposicionou-se e colhe agora os frutos que ela mesma semeou.
Noutro campo, mais industrial mas similar como caso de sucesso, a Renova internacionaliza-se em Espanha e França, tendo conseguido o que parecia impossível: Que rolos de papel higiénico fosse vendidos em Nova Iorque como produto de luxo e tivessem direito a páginas de elogios na Wallpaper. Nem Paulo Pereira da Silva nem a Renova, ao longo dos anos em que consolidaram e expandiram a marca, beneficiaram do Estado ou lhe pediram batatinhas. Contaram, isso sim, com as parcerias que escolheram entre multinacionais como a Wieden & Kennedy (a agência de publicidade que lançou a Nike) ou a Hill & Knowlton. Como estes, outros casos existem. Não são muitos mas merecem ser estudados para que sejam mais. Eles demonstram como a sabedoria e criatividade da gestão são um factor muito mais relevante do que o hábito, bem mais recorrente, de estender a mão.

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domingo, outubro 28, 2007

Jangada de asneira

Absolutamente de acordo contigo, João. O homem é de uma soberba sem limites.

Elogio da crónica (I)

Tenho pena que as crónicas estejam a desaparecer das páginas dos jornais. Habituei-me desde muito novo a ler alguns dos melhores cronistas da imprensa portuguesa – numa época em que a crónica era um género imprescindível. Lia textos do Pedro Alvim, do Rodrigues Miguéis, do Baptista-Bastos, do Carlos Pinhão, do Abelaira, do O’Neill e da grande Alice Vieira sempre com uma ponta de deslumbramento. Era uma prosa diferente da escrita impessoal das notícias: paginada de modo especial e com um tom coloquial que não se vislumbrava noutros locais dos periódicos – estabelecendo um clima de convivência quase íntima com o leitor. Através dos anos, fui mantendo o meu interesse pela crónica, frequentando diversos autores – do Miguel Esteves Cardoso ao Pedro Mexia, passando pelo Manuel António Pina, pela Clara Ferreira Alves, pelo Ferreira Fernandes e pelo António Lobo Antunes. Vou também praticando o género, sempre que posso: é a disciplina jornalística que mais se aproxima da literatura. Tenho pena de vê-la à beira da extinção, substituída pelo comentário anódino e sensaborão ou pela fatigante “análise” política que muitas vezes não é mais do que um mero piscar de olho a “fontes” de circunstância.
Ao menos no Brasil o género está bem vivo e recomenda-se. Há mesmo quem reclame por lá a paternidade brasileira da crónica, que gerou verdadeiros autores de culto – de Rubem Braga a Luís Fernando Veríssimo, de Carlos Drummond de Andrade a Arnaldo Jabor, de Nelson Rodrigues a Millôr Fernandes, de Fernando Sabino a Roberto Pompeu de Toledo. É um prazer ler o português revigorado destas crónicas brasileiras, de ontem e de hoje.

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Elogio da crónica (II)

Nos anos 50 e 60, os cronistas no Brasil eram uma tribo calorosa e solidária, como relata Humberto Werneck, organizador da excelente colectânea Boa Companhia: Crónicas, editada em 2005 pela Companhia das Letras. A tal ponto que, quando chegava a crise de inspiração, a mesma ideia servia de mote a diferentes cronistas forçados à rotina diária. Fernando Sabino, que escrevia em O Jornal, do Rio de Janeiro, relata o episódio da queda de um edifício na cidade, que originou uma troca de impressões à mesa de um bar com Rubem Braga (cronista do Diário de Notícias, também do Rio) e Paulo Mendes Campos (que mantinha uma crónica no Diário Carioca). No dia seguinte, “por coincidência”, as três crónicas tinham estes títulos: “Mas não cai?”, “Vai cair” e “Caiu”.
Melhor ainda é outro episódio que dois deles protagonizaram. Rubem, com falta de ideias, solicitou sem cerimónia uma crónica “emprestada” a Fernando Sabino, que foi à gaveta e passou-lhe a história de um garoto que pedia esmola para comer uma sopa, por um cruzeiro, numa casa de pasto. Intitulava-se O preço da sopa. O outro publicou-a alterando três pormenores: o garoto foi a um restaurante, a sopa custou cinco cruzeiros e a crónica passou a chamar-se simplesmente A sopa. Uns tempos depois, chegou a vez de Sabino pedir idêntico favor a Rubem Braga, que entendeu devolver-lhe a história da sopa. Que lá voltou a ser impressa, com a assinatura de Fernando Sabino e dois novos ingredientes: a sopa já custava dez cruzeiros e o título era Esta sopa vai acabar. E acabou mesmo...
Fragmentos deliciosos de um tempo que parece tão irremediavelmente distante do nosso.

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Postais blogosféricos

1. Gosto de te ver novamente por cá, Fátima.
2. Três anos sempre a Comunicar a Direito. É obra.
3. Parabéns, Carla. Pelos quatro anos aí nesse palácio de Elsinore.
4. Passa a figurar na nossa barra lateral este blogue que já cá devia estar há muito.
5. André, já respondo ao teu desafio. É só o tempo de chegar à minha caótica biblioteca.

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Palavras que odeio (18)

Pró-activo

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Cinema Nostalgia (16)


Saí do velho cinema Berna contrafeita. Apesar de o filme ser longo e intenso, o que me apetecia verdadeiramente era dar meia volta e tornar a vê-lo. Se não estivesse acompanhada, era o que faria. Nos ouvidos ainda me ecoava aquele sinistro som do telefone a tocar, o telefone que vibrou naquele dia fatídico, num daqueles dias em que a vida parece que nos engole. Era uma Vez na América tem em comum com outros tantos filmes que me marcaram uma narrativa labiríntica, em que passado e presente se misturam. Estou agora a lembrar-me de dois filmes assim: "O Paciente Inglês" e "O Padrinho II", neste último caso também com Robert De Niro. Se formos a ver não há forma de narrar uma história de vida mais próxima da perfeição. Também a nossa se desenrola assim aos nossos olhos. Passado e presente sempre misturados, como um todo.
Sergio Leone, naquela que considero ser a sua obra-prima, conta-nos a história de Noodles (Robert De Niro), um rapazinho pobre que se faz nas ruas de Nova Iorque, com uma sensibilidade notável. Já vi muitos filmes sobre a América, nomeadamente filmes de gangsters (e é também disso que se trata aqui), mas este, mais do que um filme, é uma declaração de amor. Porque quando a realização é cuidada ao detalhe e os planos se sucedem sem pressas, não cedendo às conveniências comerciais, que aconselham uma certa agilidade na acção, quando as soluções encontradas para os avanços e recuos no tempo são sempre de uma elegância e originalidade suprpreendentes, percebemos que estamos a ver uma obra de arte.
Não fosse a sua magistral prestação em “Touro Enraivecido”, “Taxi Driver” e “O Padrinho”, eu diria que De Niro encontrou em Noodles o papel da sua vida. Mas este actor é de facto grande demais para caber todo num só desempenho. Felizmente para nós, amantes de cinema, depois de 1984, ano em que foi estreado "Era Uma Vez na América", reencontrámo-lo várias vezes em papéis inesquecíveis. Mas, confesso, é neste filme que gosto mais de o ver. Extraordinária a transposição que Leone faz no tempo através da mímica deste actor, nomeadamente na passagem para o presente, com Noodles já no limiar da velhice. É certo que a caracterização nos situa imediatamente. Mas o cabelo enbranquecido e as rugas só nos dizem em que fase da vida da personagem é que estamos, ao passo que os gestos lentos, o olhar desencantado nos falam de toda a amargura que acumulou, do percurso que fez até ali. Que contraste com o olhar ainda cheio de esperança de 30 anos antes...
James Woods, diga-se em abono da justiça, também assina aqui uma das suas mais impressionantes interpretações. Ele é Max, o amigo a quem Noodles se liga desde a infância e cuja ambição acaba por destruir tudo e todos à sua volta. A sua ânsia de subir na vida incorpora a sede de que é feito o sonho americano: poder ser tudo e chegar lá, no matter how... A América das expectativas, da violência e da ingenuidade passa por este par: o vencido e o vencedor (primeiro potencial, depois virtual vencedor). Daí que este filme seja muito mais do que a narrativa da passagem de um homem pela vida. A contextualização da história de Noodles, rica em detalhes, confere a "Era Uma Vez na América" a dimensão de um épico, sublinhado a traço grosso pela partitura do grande Ennio Morricone.
Porque saí eu tão contrariada daquela sala de cinema, sem paciência para voltar à minha realidade? Porque não há nada mais perturbador do que assistir numa cadeira às voltas que a vida pode dar a um homem. Afinal todos nós temos que fazer escolhas e ao fazê-las optamos irreversivelmente por um destino, deixando para trás outra vida possível, muito provavelmente outra identidade. Mas o que nos incomoda mais é saber que há escolhas que nos são impostas por acidentes de percurso pelos quais não somos responsáveis. Essa fibra de que é feita a sorte e o azar é que nos transtorna, porque nos traz à consciência a nossa vulnerabilidade.
A profunda tristeza, plasmada nos olhos perdidos de Noodles na cena final do filme, que é também a primeira a que assistimos, antes de ficar a saber tudo o que lhe aconteceu, deixou-me incapaz de encarar com um mínimo de interesse a estúpida perspectiva de em seguida ir lanchar à Versailles.

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Domingo

Evangelho segundo São Lucas Lc 18, 9-14

Naquele tempo, Jesus disse a seguinte parábola para alguns que se consideravam justos e desprezavam os outros: «Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».

Da Bíblia Sagrada

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sábado, outubro 27, 2007

À atenção do Adolfo Ernesto

Na última hora da sua visita, à saída do Oceanário e a caminho do aeroporto, Putin sorriu. Hoje de manhã os multibancos não funcionavam. Ninguém me convence de que as duas coisas não andam ligadas.

É disto que o povo gosta


Por uma vez, tentámos parecer um blogue de referência, publicando no Corta-Fitas um inquérito aos leitores sobre o tratado "reformador" europeu. O inquérito esteve quase um mês aqui na barra lateral: mesmo assim, só recolheu 75 votos. Decidimos exibir então sem rodeios a nossa vocação tablóide, com o inquérito agora em curso. Tiro e queda: logo no primeiro dia, havia mais votos do que o anterior recebera durante um mês. Três dias depois, já cá moram 300 votos, a competição está mais renhida que nunca, a minha opção destaca-se na frente (só podia...) e o tal de Castelo Branco começa a ser relegado para o lugar que merece.
Está visto: vamos continuar a ser tablóides. É disto mesmo que o bom povo gosta.

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Palavras que odeio (17)

Inverdade

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Aldrabice

Há uma semana, quando comprei o Expresso, deram-me um cartão que garantia a oferta de um DVD na compra da edição seguinte - a de hoje.
Esta manhã, na tabacaria do costume, preparo-me para comprar o Expresso, estendendo o cartão na expectativa de receber o DVD.
Diz-me o Sr. Fernando: "Já não há. Eles não mandam quase nada disso. É tudo uma aldrabice."
Olho em volta: há uma pilha enorme de exemplares do semanário do doutor Balsemão.
Agradeço e saio sem o jornal.
Passo por um quiosque, acontece o mesmo: imensos Expressos, nenhum DVD.
Decido já não comprar o jornal.
E nem é por causa do filme que prometeram e não dão - A Queda, que até já vi. É porque não gosto que me tomem por parvo com estratégias comerciais de "chico esperto".

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Tempos modernos

As modernas carripanas de castanhas assadas até são “cools”, muito higiénicas e tal. Agora aqueles cartuchos vêm ditar o final de uma época: acabar de vez com a utilidade das jurássicas listas telefónicas. Cá em casa, há muito que iam direitas para o papelão.

Foto: DN, não assinada

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sexta-feira, outubro 26, 2007

Cadernos de filosofia política de Adolfo Ernesto (5)



Uma visita ao oceanário

O Vladimir é um russo depressivo e estava encostado, com ar lastimável, a uma das paredes do Oceanário. Gabardina cor de creme, óculos escuros. Viu-me, saudou-me sem spleen. De repente, muito pálido, desatou a vomitar na branca calçada portuguesa.
“Adolfo Ernesto, não suporto o cheiro a peixe”, disse o Vladimir.
“Pensei que tivesses estômago forte”, afirmei, numa alusão a uma carreira brilhante na espionagem internacional. Depois, perguntei-lhe o que estava ali a fazer e que era aquele ajuntamento.
(Ainda não expliquei que deambulava pela zona quando me deparei com forte aparato policial, algo que desperta sempre a minha curiosidade).
“O presidente sovié.. quero dizer, russo... está de visita e quis ver Eusébio e Amália”, explicou o Vladimir, num tom conspirativo. “Mas não te posso dizer mais do que isto”.
Passámos muita coisa juntos, eu e o Vladimir, quando estivemos uma temporada no sector da construção civil. Foi o suficiente para perceber que com aquele tom de voz não se brinca. Entretanto transformado num agente com anos de tarimba, ele é o novo chefe das operações do ex-KGB na zona oriental de Lisboa, com especial atenção aos bairros de Chelas e Madragoa, em cujos bas-fond circulam numerosos segredos internacionais vendidos a peso de ouro.
(Outro esquecimento da minha parte: Vladimir é nome de guerra; ele chama-se, de facto, José, como o grande José Estaline; após uma conturbada juventude, marcada por sexo, loucura e droga, e a tal passagem pela construção civil, teve uma meteórica ascensão na espionagem, com destaque para a descoberta de todos os segredos nucleares portugueses).
“Mas porquê o oceanário, Zé?”, perguntei, ingenuamente.
Vladimir teve um esgar de alarme, talvez escandalizado com a minha pergunta.
“Já expliquei, Adolfo Ernesto. O líder pediu para ver Eusébio e Amália e ouvi dizer que estavam os dois aqui”.
Nisto, o presidente saiu do oceanário, visivelmente irritado. Desceu a rampa, direito ao bravo espião e passou-lhe logo ali um raspanete.
“Aquilo, lá dentro, só tem tubarões, um tipo de peixe que conheço bem. Quero ver Eusébio e Amália! Investigue! Entretanto, vou ali praticar karaté com aqueles transeuntes portugueses”.
O Vladimir manteve enorme frieza e presença de espírito. Só mais tarde começou a chorar no meu ombro:
“Vão pôr Polónio 210 no meu chá! É muito amargo”
“O Polónio 210 é amargo?”
“Não. Amargo é o meu destino. Nisso, somos muito parecidos, os portugueses e os russos, o destino amargo, a fatalidade”.
Foi então que me ocorreu que talvez houvesse ali um equívoco simples: o presidente quisera ver Eusébio, o jogador de futebol, e Amália, a cantora de fado. Não quisera ver as duas lontras do oceanário com aquele nome.
“É uma mania que têm aqui, baptizar os animais com nomes famosos. As barracudas, por exemplo, têm nomes de ministros”, expliquei.
De súbito, o Vladimir caíra em si. Tratava-se de um gigantesco erro de análise.
“Horror, horror”, gritou o agente secreto, enquanto desatava a correr atrás do seu líder. “Serei chamado a Moscovo. E, depois, enviam-me para a Sibéria!”
Ao vê-lo partir para sempre, pensei, sem alarme: há pessoas que não mudam.

Adolfo Ernesto

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Enquanto não chega a meia-noite

Maria Grazia Cucinotta (e nem um tigre à vista)

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Pois é

Não quero influenciar os leitores, mas estou inteiramente em sintonia com o Pedro Mexia e com a Carlota. Sobre a Adelaide de Sousa, claro. E mais não digo.

... falavas disto, Maria Inês?

A sério que nos pediram...

Alguém tem medo de tigres?

... a sério que nos pediram

Rupert Everett

Nas colunas

Com um beijo agradecido para aqui.

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Detector de perdigotos

Parece que um tal de Miguel Abrantes volta a tentar entrar em diálogo comigo. Uma dica: não costumo responder a spindoctors governamentais de meia-tigela, ainda por cima disfarçados com nome de gente. Deixe cair o pseudónimo e talvez possamos trocar uns posts cheios de argumentos, ao seu gosto. De um blogue livre, como o nosso, para um blogue situacionista, como o seu. Como vê, também sei cair na maldade, coisa que caracteriza quase todas as suas investidas contra este blogue e a minha pessoa (odeio a expressão).

Também à sexta...


Será na Casa Fernando Pessoa, a 9 de Novembro e a partir das 21.30H, que será lançado o meu poemático opúsculo. Apresentação curta, descontraída e sincera pelo José Mário Silva, vinho a cargo da Quinta do Couquinho, queijadas e empaduças criadas pelos génios e gémeos Malato das Queijadas de Oeiras. Música a cargo de um convidado especial ainda no segredo dos deuses. Apoio da Casa Fernando Pessoa, Francisco e Ricardo (ça va sans dire) e da Revista Blitz. Está convidado o mundo inteiro. Exceptuando o livro, é tudo à borla. Sou um mãos largas, é o que é.
Adenda: Ia cometendo aqui um lapso imperdoável. Esquecer-me de agradecer ao Eduardo pelo tempo e paciência na revisão da obra. Um abraço.

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Sítio bem frequentado

João Pereira Coutinho reactivou o seu blogue. Ora aí está uma boa notícia "blogosférica". Chama-se O Sítio e por lá encontramos os artigos que JPC escreve para o Expresso e para a Folha de S. Paulo - que nem sempre temos oportunidade de ler na hora da sua publicação. Vale a pena.

Nãâooooo!!!!


E ontem, que vejo eu enquanto caminhava inocentemente pela rua? Uma montra de Natal! A 25 de Outubro, em plena baixa lisboeta!
Com o tempo, lá me fui habituando a ver o Natal invadir Novembro. Solidária com o choradinho dos comerciantes acostumei-me a ver sininhos e estrelinhas primeiro a meio, depois logo a partir do dia 1. Mas a tolerância tem limites.
Se o Natal é quando um homem quiser, então é favor pô-lo no sítio, ok? Ou seja, lá mais para o Natal, a ver se o famoso espírito da quadra não se dilui de todo na espuma dos dias. É que já nem falo por mim, mas pelas pobres criancinhas que se arriscam a levar todos os anos com um final de festa distendido, sem a excitação que antigamente era propiciada por uma longa espera. A espera pelo dia 1 de Dezembro, o último do ano, o mais longínquo e recheado de surpresas. Assim, não dá, nem há magia que aguente!

Camartelo

É por estas e por outras que o Pedro Mexia não tem caixa de comentários: "Hoje, temos apenas o «metrossexual», que é basicamente um gay que ainda não aceitou a sodomia".

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Um epíteto equivocado

Nas caixas de comentários do Corta-fitas são recorrentes provocações maliciosas que me atribuem um carácter puritano ou moralista. Por achar o epíteto francamente estranho e até um tanto engraçado, tomo-o aqui como desafio a algumas considerações que julgo pertinentes.
O puritanismo como putativo reflexo de uma vivência religiosa é um cliché vazio, posso garanti-lo. Tomo, na verdade, o puritanismo como um modo de autocastração com origem numa deficiente auto-estima, e muito aquém, aliás, de uma inspiração religiosa, qualquer que seja. Nessa perspectiva, o epíteto é ingénuo ou imanado de má-fé, pois o cristianismo não significa uma conduta moral. Ao contrário, essa ética resulta do contínuo aprofundamento da vivência espiritual apontando, por natural consequência, para uma maior exigência estética e, logo, ... moral.
Esse longo e intrincado percurso de aprendizagem e aperfeiçoamento é construído com as contingências subjectivas de cada indivíduo e sua história pessoal, não sujeitável a tribunais mundanos ou a juízos superficiais.
Assumem-se porventura os cristãos como os mais imperfeitos dos homens, tendo sido a estes que Jesus desejou acolher, “incluir”, como agora se diz. (Não deveríamos antes recear os integralíssimos virtuosos que por aí pululam, alienados de si próprios e da realidade, utopicamente empenhados em mudar o impassível “mundo” à sua volta?)
Voltando aos meus presumidos pudores e puritanismos, tenho a sorte de ter crescido numa família tradicional e sem “complexos” de maior. Se me foram transmitidos com veemência valores morais básicos, também me foi transmitida uma tranquila vivência dos assuntos do sexo e da sexualidade. Por outro lado, o meu desenvolvimento nesse campo não me trouxe qualquer trauma digno desse nome, o que me confere uma vida afectiva gratificante.
Considero-me uma pessoa inteiramente normal: vivo, cresci e actuo neste agitado contraditório e apaixonante mundo, sem fugas, em estrita relação com a realidade, como a maioria dos católicos que conheço. E foi de pequeno que aprendi a apreciar a vida, a beleza, em toda a sua acepção, até como reflexo da divina criação. Sem desnecessárias complicações moralistas. Não, não foi na rua que apreciei as primeiras imagens eróticas. Nunca a mais inquietante beleza feminina me foi apresentada como transgressiva. É que, por detrás da mais espampanante ou provocadora modelo fotográfica, por detrás da mais curvilínea actriz de cinema, há sempre uma pessoa inteira.
Finalmente, apetece-me dizer que antes do advento dos neo-moralistas de inspiração freudiana e da da prosélita “inteligentzia” regimental, havia já uma tradição de boa-educação e de bom-senso.
Mesmo para além (ou aquém) da religião. Não misturemos, pois, as coisas.

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Palavras que odeio (16)

Descontextualizar

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Apre!

Percebo muito bem a real politik e tudo isso, mas não é preciso tanta excitação. Há crianças a ver, e ainda vão pensar que o Putin é dos bons da fita.
Além do mais, o "banquete de gala" não foi de gala, chega de parolada a falar na opulência dos nossos palácios e digam ao senhor para se sentar como deve ser.


Não consegui resistir à foto do Manuel de Almeida da Lusa

Friday


Daria Werbowy.

Fa, fe, fi, fo, FU

Falava-se já no início da semana das fortes probabilidades de ser hoje lançada uma OPA, após o fecho de Bolsa. Ao anunciar a operação com o formato de «oferta amigável», o BPI antecipou-se e colocou 15 de Novembro como data limite para a coisa ir a bem. Caso contrário, será o mercado a decidir. Há outras instituições de olhos postos no Millenniumbcp e não só espanholas, mas Fernando Ulrich tem todos os trunfos a seu favor: A luz verde mais do que evidente das autoridades reguladoras (que aprovaram a OPA anterior com um racional semelhante), a chancela do Governo e do Banco de Portugal e aquilo a que se chama goodwill no que respeita à instituição e à marca BPI junto dos seus stakeholders. Quanto aos trabalhadores, o anúncio de não encerramento de balcões (salvo disposição contrária da AdC) tem efeitos adicionais apaziguadores.
A carta fora do baralho na conjugação de interesses seria o La Caixa e o seu peso no novo banco a criar. Mas, aos responsáveis do La Caixa, também não convém ir longe demais. Aumentar a sua participação levantaria problemas políticos internos e externos. Ao banco mutualista catalão, dá jeito ter um braço comercial forte em Portugal através de um parceiro. E poderá tê-lo sem necessidade de ultrapassar o ponto de equilíbrio.
Posição a seguir será a de Joe Berardo, accionista de ambos os bancos e particularmente crítico da gestão de FU durante o processo da OPA lançada por Teixeira Pinto. Vamos ver, desta vez, que soundbytes sairão da boca do polémico comendador

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Última hora

No rescaldo do congresso do PSD e em sequência de uma depressão pós-stress, Marques Mendes falhou o suicídio por enforcamento num... Bonsai.

Piada adaptada de um e mail anónimo.

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«Vão estrágá-lo! Vão fázer di ele um hómem»


Quem comprar agora o DVD com cópia restaurada de «O Livro da Selva», terá ocasião de relembrar esta canção. Uma das, senão mesmo «A» melhor, de todo o universo Disney. «O Segredo», afinal, é muito mais antigo do que se pensa.

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Porque hoje, caríssimos, é sexta-feira


"Herzog escreveu - Nunca compreenderei o que querem as mulheres. Que querem elas? Comem salada verde e bebem sangue humano."
Saul Bellow in Herzog

quinta-feira, outubro 25, 2007

Isto é Arte?

Reencaminho este e-mail que acabo de abrir e de ler:

“Um artista da Costa Rica, Guillermo Habacuc Vargas, expôs um cão vadio faminto numa galeria de arte. Ninguém o alimentou ou lhe deu água e morreu durante a exposição. Guillermo Habacuc Vargas foi o artista escolhido para representar o seu país na "Bienal Centroamericana Honduras 2008".
Existe uma petição onde é pedido que ele não receba este prémio. Assinem a petição aqui preenchendo o seu nome, e-mail, localidade e país. Pode ser que a direcção da Bienal mude de ideias…”
Um dos sítios onde esta história pode ser lida é aqui.

A pedido de várias famílias...

...foi adicionada a opção “Ana Lourenço” ao questionário aí na barra lateral sobre "mulher mais atraente da TV nacional". Como (salutar) consequência, a contagem voltou à estaca zero. Relembro que os nossos estimados leitores têm a possibilidade de votar de novo a cada 24.00hs, e assim tentarem levar a “água ao seu moinho”.

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De purga em purga

A direcção do PCP acentua a intolerância contra os militantes que pensam de maneira diferente, transformando cada divergência numa "dissidência" sem retorno. O afastamento de autarcas prestigiados, como Carlos Sousa, que deu a vitória ao partido nas últimas autárquicas em Setúbal, e Barros Duarte, a quem o PCP deve a reconquista da câmara da Marinha Grande, demonstra que a cúpula comunista não esqueceu nada nem aprendeu nada: continua com os tiques autoritários de sempre. Que o diga Luísa Mesquita, uma das mais dinâmicas e combativas deputadas das últimas legislaturas, agora posta à margem pela direcção parlamentar como se tivesse lepra. Nada disto me surpreende: toda a história do movimento comunista é atravessada por brutais purgas "purificadoras". Nos seus tempos áureos, o camarada Estaline, que a última Festa do Avante! evocou com tanta nostalgia, chegou a decapitar mais de 80 por cento do comité central do partido soviético, condenando os seus melhores quadros ao degredo ou à morte. As execuções passaram à história, mas a semente estalinista perdura nos partidos comunistas que sobraram. Incluindo o português. De purga em purga até ao silêncio definitivo.

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America, the beautiful

Não sei porque é que Cormac McCarthy deu a única entrevista televisiva da sua carreira à Oprah, mas depois do soco no estômago que é "A Estrada" decidi que não podia perder uma das 37 reposições na Sic Mulher.
A entrevista foi no rancho texano do homem, na biblioteca. Apesar da experiência, Oprah estava nervosa. Cormac McCarthy esteve sempre à defesa, mesmo quando parecia estar ao ataque. Falou com voz pausada, um pouco sonsa, quanto a mim e - terror dos entrevistadores - deu respostas curtas, que terminavam abruptamente.
Ao contrário do que é costume, Oprah preencheu os silêncios e pareceu um pouco estouvada, sempre com gritinhos de admiração. E que nos disse o homem que provocou insónias a milhões de pessoas em todo o mundo com a desolação dos seus enredos e com a falta de esperança no futuro - tão pouco americana - dos seus livros?
Disse que é um homem de sorte (sorte?!?), que nas piores situações acontece sempre algo que o salva, tal como uma bolsa (perdão?). Atenção ao episódio ilustrativo: numa altura em que era tão miserável que vivia numa barraca, quando se acabou a pasta de dentes e viu que não tinha dinheiro para comprar outra foi ao correio e estava lá uma amostra de pasta de dentes!
Ó Cormac, you have a dog? Give him a bath.

Surpresa total

À hora a que escrevo, um tal de Castelo-Branco lidera destacado o nosso inquérito sobre a mulher mais atraente da televisão portuguesa. Confesso que tinha uma ideia muito diferente dos nossos leitores. Depois disto, nem sei o que diga.

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Última hora

Como é evidente, a guerra no BCP podia sempre acabar nisto.

Juízes eleitos?

O Carlos Abreu Amorim, blogger do Blasfémias e professor da Escola de Direito da Universidade do Minho (a ordem devia ser a inversa, é certo), vai ser o orador numa sessão-debate na Universidade Lusófona do Porto, amanhã às onze da manhã. O tema é Devem Os Juízes Ser Eleitos? e promete ser polémico q.b., até a avaliar por esta frase de Nicolau Maquiavel que consta do convite que amavelmente nos fizeram chegar: "É preciso que os juízes sejam muitos porque poucos fazem sempre tudo ao jeito de poucos"...

Para que são esses olhos tão grandes?

A limpeza étnica que Pedro Santana Lopes fez na direcção da bancada mostra que ele é tudo menos ingénuo. A indignação que o novo chefe dos deputados social-democratas adoptou na resposta às acusações de caça às bruxas e as estatísticas que avança para contrariar estas acusações são desmentidas no blogue do próprio. Vencida a barreira da língua, lá estão explicadas as novas opções e a indignação surge ao contrário: ai pensavam que ia ficar tudo na mesma?!?
Já sobre Luis Filipe Menezes falta provar se a escolha de PSL é ingénua ou se há um pacto eficaz entre ambos. Para já achei graça que o novo líder do PSD, à saída da audiência com o PR, tenha respondido a uma pergunta sobre a bancada com uma tirada do género: "Não está à espera que, aqui em Belém, eu vá comentar esses assuntos de política partidária?!...".
Os assuntos de política partidária são exactamente os que possibilitam que Menezes vá a Belém. E ou Menezes começa a aproveitar estas oportunidades ou não vai ser a inaugurar estradas em Vila Nova de Gaia que terá tempo de antena.

Novo inquérito

Sempre sábio e magnânimo, decidiu o Conselho de Curadores do Corta-Fitas (ao qual, devo ressalvar, não tenho a honra de pertencer) incluir um novo inquérito na barra lateral. Serve ele, de alguma forma, para ajudar a resolver alguma das questões essenciais para o desenvolvimento da Nação? Nem por isso. Foi ele formatado tendo em conta aquilo que vulgarmente se chama «a agenda» e faz as primeiras páginas dos jornais? Diria que não. Acrescentaria até que, do ponto de vista da diplomacia interna, o Conselho de Curadores parece ter tomado uma fracturante decisão política, para mais a uma quinta-feira. Amanhã se verão os seus efeitos. Seja como for, espera-se a colaboração de todos e também obviamente de todas, participando nas respostas. Obrigado.
Assinado: O bode expiatório, sempre servil e de espinha curva perante a autoridade inquestionável do mencionado Conselho.

Palavras que odeio (15)

Ósculo

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quarta-feira, outubro 24, 2007

Momentos Kodak (63)

Caro Pedro, aqui tens a republicação da foto vencedora do concurso. Obrigado Villalobos, pela gentileza do teu post. E obrigado a todos os que comentaram o post do João. Now, life goes on...
Fotografia: Rodrigo Cabrita

Contra a Turquia na União Europeia

A Turquia ameaça resolver o conflito com os curdos recorrendo a incursões militares no vizinho Iraque. Os generais turcos sabem que contrariam a Carta das Nações Unidas, mas insistem numa operação militar, a pretexto dos mais recentes actos terroristas, para porem fim ao “perigo” curdo – agora até legitimados pelo parlamento de Ancara. Paralelamente, a Turquia mantém um protectorado na metade norte da ilha de Chipre – Estado soberano – fazendo orelhas moucas aos apelos que lhe chegam de todos os quadrantes, em flagrante violação do direito internacional. Pior que tudo isto é a permanente tutela do generalato turco sobre as instituições políticas – um facto sem paralelo na Europa comunitária.
Perante este quadro, espanto-me com a proliferação dos defensores da adesão da Turquia à União Europeia. Pensava eu que, mais do que uma comunidade económica, a UE seria hoje uma comunidade política que partilha os valores do direito, da justiça, da democracia e da liberdade. Valores que Ancara não respeita nem defende. Pelo menos em Chipre e no Curdistão.
São motivos de sobra para me opor à integração turca na UE. E não me falem em questões religiosas: tudo isto é política. Apenas política.

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Eu tenho um sonho


Alguém chega ao pé de mim e diz: «Tenho um poder que te permite viajar até um momento da História, um só apenas. Escolhe a data e o local». Seria esta: Abril de 1957, Romanoff de Beverly Hills. Meia-hora apenas naquela mesa bastaria e viesse a morte, depois de tal sorte. E incluído nessa meia-hora aquele minuto, aquele exacto minuto em que Sophia lança um olhar avaliador, entre o ciumento e o despeitado por o jantar em sua homenagem ter ficado ofuscado e os olhares de todos - incluindo o meu também ali sentado – estarem concentrados naquele par de mamas esquecendo as suas, maravilhosas também mas pudicamente contidas no vestido apertado. E os olhos de Jayne fixos no flash do fotógrafo. Dentro deles o vazio. Mas nisso, já preferia não reparar.

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Os nossos leitores percebem mesmo disto

Quem disse que a malta não entende de questões europeias? Os estimados leitores do Corta-Fitas aí estão para desmentir esta tese que afasta o referendo do nosso horizonte. No questionário que ocupou durante algumas semanas a barra lateral cá do blogue, a opção mais votada foi confirmada pelos factos. "Sim, em Outubro" recebeu 21 votos (24%). Seguiram-se (com 18 votos, 24%) "talvez, se a Polónia deixar" (e a Polónia, como sabemos, deixou mesmo), o pessimista "nunca" (18 votos, 21%), "sim, em Dezembro" (afinal não foi preciso esperar tanto) e "não, por causa das opting-outs" (seja lá o que isto for...). Estas últimas opções com nove votos cada, correspondentes a 12%.
Recebemos 75 votos. Porreiro, pá.

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Cadernos de Filosofia Política de Adolfo Ernesto (IV)



O meu amigo Mike


Fui ver a ante-estreia do último filme do meu amigo Mike, Sicko, sobre o estado deplorável a que chegou o sistema de saúde americano. O meu lado guevarista exultava e, claro, a minha metade hitleriana estava feliz, por a América entrar em crise.
As luzes ainda estavam acesas, lá estava o meu amigo, a ocupar duas cadeiras e a dizer a toda a gente:
Hello, I’m Michael Moore, the pain-in-the-ass movie director”.
Aproximei-me. Ele fez uma grande festa:
How are you, Adolphe Ernest?”, perguntou, naquele vozeirão.
I’m in the biggest”, disse eu, no meu beautiful english.
And your lovely girlfriend?”
“Still good as the corn”.
Give me a hug”.
O Mike avançou, agarrou-se a mim, mas como é uma bisarma esmagou-me duas costelas, num abraço fraterno que também me torceu uma vértebra.
Fiquei dorido, sem fôlego. Tive de ser retirado da sala, com dores horríveis, acompanhado pelo Mike, que não parecia preocupado. Ele disse que não havia problema, pois Portugal tem um sistema de saúde universal e gratuito e, por isso, uma lesão destas não seria caso para tanta preocupação da minha parte:
In the states you would pay 600 thousand bucks for that, man”.
Ainda fiquei mais aflito. Coitados dos americanos.
Chamámos uma ambulância dos bombeiros e o Mike ficou muito excitado com aquilo de serem bombeiros e quis que eles se alinhassem numa formatura, para ver como eram os bombeiros portugueses, esses heróis. A cerimónia durou bastante tempo. O Mike distribuiu medalhas, houve lágrimas por causa do 11 de Setembro. As minhas dores aumentavam. Gemi, para ver se alguém me levava ao hospital.
Lembrei-me de um truque que vira em Casablanca, o filme:
What watch?”, perguntei, para ver se eles percebiam que se fazia tarde.
Ten watch”, informou um bombeiro.
Such much?”, três gargalhadas depois estava prestes a entrar em coma. Finalmente, recebi a atenção que merecia.
Fomos até ao centro de saúde do meu bairro. O elevador estava avariado e tivemos de subir quatro andares a pé. As dores aumentavam. Lá em cima, quando perguntei pelo médico de família, a funcionária desatou a rir-se.
“Não vejo o doutor há dois meses”.
O Mike só dizia:
You guys have a great system. Mr. Bush should see this. You don’t pay”.
Tentei explicar-lhe que não havia médico, mas ele tinha resposta para tudo:
You must bring some cubans”.
Afinal, estávamos também no sítio errado. De acordo com os dados do meu cartão de utente, eu estava no sítio errado. Para aquele problema, teria de atravessar a cidade.
“Mas, os bombeiros já se foram embora...”
Those heroes...”
“Que quer que lhe faça”, disse a funcionária, “apanhe um táxi”.
Estávamos ali num impasse, quando o Mike começou a vestir uma luvas cirúrgicas, enquanto me dizia que, durante as rodagens do seu novo filme, tinha aprendido muito sobre medicina. Os tipos fartam-se de fazer dinheiro, com isso, explicou ainda.
Não posso dizer que o tratamento de emergência tenha sido suave, ou algo assim. Foi duro, mas salvou-me a vida. O Mike é um amigo catita. Um compincha. Depois, apanhámos um táxi e fomos ao tal hospital, para os pensos. Recebi umas aspirinas, fui mandado para casa e, como não tinha dinheiro para as taxas moderadoras, o Mike teve de pagar. Ele estava furibundo. Um escândalo, gritava.
And this is a socialist country! Outrageous!”


Adolfo Ernesto

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