segunda-feira, outubro 29, 2007

Cadernos de filosofia política de Adolfo Ernesto (6)



Assunto corrente


Não sou menos do que o Pedro Correia e, como nunca fui convidado para uma corrente blogosférica, decidi fazer-me convidar.
Adoro correntes.
Já tive uma corrente e andava com ela ao pescoço, mas não dava bem com a minha tatuagem heavy metal e respectiva personalidade. A tatuagem foi na minha fase Gore, ou fase gótica, não confundir com a minha fase de Al Gore; é que também já fui ambientalista, mas era cansativo andar abraçado a árvores e uma vez fiquei colado a um pinheiro; aquilo deita uma resina que se agarra à pele; agora até acho muito bem que cortem as florestas, sobretudo as resinosas, que são um perigo público; nem de propósito, a tatuagem heavy metal ficou toda estragada, mesmo esfolada, e teve de ser raspada com uma lâmina de barbeiro, mas não vou entrar em pormenores, porque estávamos aqui a falar de correntes...
Uma vez entrei numa corrente para vender umas enciclopédias. Tinha de se pagar 500 euros para entrar. Paguei, mas nunca mais ouvi falar nos enciclopedistas...
É por isso que gosto mais das correntes blogosféricas. Não se paga jóia. Enfim, também é preciso ser convidado e nunca fui convidado, mas também acho isso dos convites uma cena-pequeno-burguesa-como-o-caraças.
Vai daí, o Pedro Correia entrou numa dessas correntes sobre o aspecto aleatório da literatura. Baril, também entro, não sou menos que o Pedro Correia.
Mas à partida não concordo com as regras instituídas. Isto da página 161 parece-me um bocadinho macabro, e tudo. 161 era o número da sala dos electrochoques e faz-me impressão. Como sabem, andei em tratamentos, porque a parte esquerda do meu cérebro não se distingue da direita. Tenho a tola fundida, sou anti-centrista e é por isso que me fascina o radicalismo político-cultural.
Assim, ainda pensei em inverter os termos das regras. Mas o inverso de 161 é 161. Foi então que me lembrei de colocar um zero. Ficou 1610. Quase cabalístico.
Fui à procura da página 1610, quinta frase, um livro ao calhas.
Que excitação! Parecia que estava numa cena à Código da Vinci. Talvez encontrasse um segredo ou uma frase que, vista de certo ângulo, desse para perceber um terrível mistério da humanidade, compreender as mulheres, uma coisa do camandro, sei lá, chekiraut.
Encontrei um livro ao calhas e as minhas mãos tremiam quando cheguei à página 1610. Abriam-se grandes perspectivas. Não conseguia esconder a minha perturbação. Li a primeira frase, li a segunda, engoli em seco, cheguei à quinta frase. Era um diálogo curto. E constava:
"Não".
Suspense. Pausa. Surpresa e perplexidade. Reli:
"Não".
Era isso. Era assim a quinta frase. Horror estupefacto. Comichão nociva. Constatação assombrosa. Apenas "não"?
Fechei o livro. Entreguei-o à estante, esquecendo até o título. Depois, peguei noutro. O mesmo método. A quinta frase dizia: "Silva, Luís, Ave. das Madressilvas, 44, 3º esq., tel. 54678922". Cruel decepção.
Mas tenho de levar o esforço às últimas consequências. De acordo com as regras, deixo aqui a corrente para os meus amigos Tó Zen, o poeta; Mike, o movie director; Vladimir, o espião; e João Villalobos, o ex-jogador de râguebi.

Adolfo Ernesto

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