domingo, setembro 30, 2007

Pequeno Comércio

Vejo nas escutas telefónicas publicadas no Sol relativas a Março e Abril de 2005 que o actual ministro da administração interna, Rui Pereira, beneficiou da confluência de uma rede de interesses que inclui Paulo Portas (com acesso directo a Jorge Sampaio por via do pai, o arquitecto Nuno Portas), Abel Pinheiro (de quem será colega de loja), José Sócrates e Fernando Marques da Costa (outro "avental") no sentido de influenciar Jorge Sampaio a demitir Souto Moura e a escolhê-lo como PGR. Pelo meio, há indicações de contrapartidas: informar o PP da existência de inquéritos do Ministério Público que envolvam o partido.
Não é que eu esteja escandalizada. Só não consigo deixar de ficar surpreendida com a rede de interesses subterrâneos que mina as regras da democracia e de achar, mais uma vez, que Souto Moura foi muito sub-estimado.
Espero que José Sócrates também esteja surpreendido. Espero que o Ministro da Administração Interna se explique. Mas desconfio que não o vai fazer.

Fora de série (9)

Que saudades da série The Fugitive que a RTP2 em tempos passava religiosamente às oito horas da noite e a que eu, também religiosamente, assistia dia sim dia sim. Lembro-me da ansiedade que antecedia o início de cada episódio, que eu via a preto e branco numa enorme Nordmende. Ansiedade é, aliás, a melhor palavra que encontro para definir o que se passava em todos e em cada um dos episódios. O bom do dr. Richard Kimble sempre em perseguição do One-Armed Man que ele sabe ter assassinado a sua belíssima mulher. Incansável, Kimble (interpretado por David Janssen) percorre os EUA de lés a lés, movido por um sentimento de raiva e de vingança pelo que perdeu, o amor da sua vida.
No meio da sua saga, Kimble, com uma moral cristã acima de toda a prova, encontra sempre tempo, forças e disponibilidade para ajudar o próximo - mesmo foragido à Justiça e sempre com o tenente Philip Gerard à perna. Seja uma dona de casa em apuros, um negro injustiçado pelo racismo ou um gato em cima do telhado (estou a exagerar). A série de Roy Huggins e Quinn Martin foi um estrondoso sucesso nos EUA, sendo emitida de 1963 a 1967 na ABC. Quando a série deu em filme, nos anos 90, e com Harrison Ford no papel de Kimble, não fiquei desiludido. Pelo contrário. A angústia de episódios sem um fim à vista resolveu-se ali em duas horas e tal. Mas resolveu-se bem e a fuga do One-Armed Man, que escapava sempre por um triz na televisão, ali não dura muito. Sempre é menos angustiante.

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Notas duma viagem no fim de Setembro

Cheguei já de noite ao hotel em Belfast depois de ter percorrido Londres e Dublin em três dias. Trata-se da última etapa duma maratona de trabalho. Cheguei lá de comboio, atravessando as verdejantes planícies irlandesas na companhia de Eça. O tempo está cinzento e frio, à maneira do Inverno português. Chove. Quando, oriundos de Lisboa descíamos para Dublin e atravessávamos as nuvens negras, um casal irlandês de regresso a casa lamentava a sua negra e húmida fatalidade. Fontes Pereira de Melo gabava o clima em Portugal, como uma divina compensação do nosso crónico atraso cultural, industrial, infraestrutural. Na Irlanda até há pouco tempo tinham as duas coisas: o atraso e o mau tempo. Valeu-lhes sempre uma alma enorme.
Em Belfast a chuva não é um acontecimento. Ela cai num choro contínuo, de mágoas ancestrais. Um casal jovem passeia o bebé em Donegall Square num carrinho de coberto por uma capota transparente. As bicicletas rolam indiferentes sob os oleados dos seus ciclistas. O povo ávido de se esquecer, escapa pelo meio da chuva para os seus pubs e bares, para bem regar o fim da tarde.
Em Londres, um gigantesco formigueiro humano, multirracial - o sonho realizado de qualquer verdadeiro internacionalista - labora numa impressionante eficiência e harmonia. Do aeroporto, ao trânsito na cidade, ou numa loja de pronto a comer, tudo funciona "sobre rodas". Nota-se prosperidade, e as pessoas são simpáticas e cooperantes. A mim, até um tardio jantar de Fish and chips me soube pela vida no Langan’s em Mayfair (o local indicado para encontrar genuínos indígenas na tradicional e entusiástica copofonia).
Cai sempre bem um sorriso ou uma piada de ocasião ao viajante solitário, em ambiente estranho e natural tensão. Aconteceu de madrugada, no hall do hotel em Belfast à espera de um táxi para mais uma jornada de viagem e aeroportos, quando comentei com o recepcionista um curioso pássaro de cauda comprida que observava a saltitar no jardim. O simpático irlandês, disse-me o nome do bicho (perdi a nota); e com um sorriso irónico tratou de me informar que, segundo o saber popular, eu teria que ver outro igual antes de partir, ou a visão significava um sinal de azar. Não vi, e cheguei esta tarde a Lisboa, à Portela, sentado na fila treze, de boa saúde e disposição.

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Memória

José Pacheco Pereira sempre se achou dono da verdade. Mesmo que às vezes não saiba muito bem de que verdade fala. Para ele, só havia o jornalismo que ele autorizasse e reconhecesse. Ou não havia jornalismo nenhum. Apesar da roupagem de social-democrata, os tiques comunistas estão lá todos. Já agora, diga quais são os erros factuais? E de que "escândalos" fala dos tempos dos governos de Aníbal Cavaco Silva? Pacheco Pereira tinha a obrigação de falar neles, até porque, se bem me lembro (e eu tenho memória), foi vice-presidente do grupo parlamentar e depois sucedeu até, em circunstâncias ainda por apurar, a Domingos Duarte Lima. Foi isso tudo durante os governos de Cavaco Silva, na mesma altura em que Luís Filipe Menezes era secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Presume-se que a direcção da bancada falasse e trocasse informação com o secretário de Estado e, já agora, com o ministro da tutela, que, se a minha memória não me falha, se chamava à época Luís Marques Mendes. Se sabe de tantos "casos", então por que razão os omitiu do povo português durante tanto tempo?
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P. S. - O único vislumbre de "erro factual" a que JPP poderá estar a referir-se deve ter a ver com a sua fugaz passagem pela distrital de Lisboa do PSD e o facto do seu adversário na altura (Pedro Passos Coelho, que ele derrotou em 1996) lhe ter toldado o espaço na estrutura. Daí a expressão "roubou a distrital". Nunca se disse que PPC foi líder do PSD/Lisboa. Não, por amor de Deus. Esse papel foi de JPP e só dele. É com este tipo de minudências que, infelizmente, JPP se preocupa. Ainda por cima com leituras na diagonal.

As emoções básicas (crónica) XIV



1.
No filme de Milos Forman, Amadeus, o aspecto mais fascinante era a questão da inveja artística de Salieri por Mozart. Naquela história, o compositor italiano era o único a compreender a imensidão do génio do austríaco. Mas o pior era o facto do artista menor não ter ilusões sobre a sua falta de talento. E Salieri compreendia que Mozart sabia disso. Sempre me fascinou esta trama simples.
Trata-se evidentemente de uma história. Mas o ponto é que a maior parte das obras de arte estão à partida condenadas ao esquecimento. E muitos autores vivem na doce ilusão de que podem eventualmente criar obras que lhes sobrevivam. A estatística é, no entanto, muito desfavorável. Talvez um trabalho em cada mil consiga ser lembrado dez anos depois de ter sido feito; talvez um em cada cinco mil sobreviva 50 anos. E um em dez mil, um século.
Pensei nisto enquanto lia um livro em que paguei quase por acaso. Chama-se Atlântida, escrito por um francês, Pierre Benoit. O livro foi famoso no seu tempo (1919) e teve duas versões em cinema, uma das quais devo ter visto parcialmente, há muitos anos, certamente a sonora, de Pabst, em 1932.
Nesta fantasia, dois exploradores percorrem no deserto zonas inexploradas e encontram o reino de Atlântida, dominado por uma rainha, Antinea, que manipula e mata os seus amantes, formando uma verdadeira colecção. Para o efeito pouco importa. A história é cruel e mexe com o imaginário erótico masculino. O enredo é algo ultrapassado, com um fantástico pouco interessante e menos credível.
E, no entanto, dei por mim a devorar o livro. Se as últimas páginas foram mais penosas, o início pareceu-me fulgurante.
2.
Os livros que nos parecem hoje menos bons têm, por vezes, momentos fantásticos. Segundo li na Wikipedia, Benoit foi soldado e conhecia o deserto. A sua descrição da expedição militar é intensa e vivida, a paisagem torna-se quase perceptível e os perigos parecem autênticos.
De súbito, estava a revisitar as aventuras de Beau Geste (lembrei-me do filme); e também recordei O Deserto dos Tártaros, de Buzzati; parecia por instantes que poderíamos viajar dali, directamente para O Céu que nos Protege, de Paul Bowles; existia o mesmo fascínio pelos abismos de um conto de Camus que me impressionou. Sobretudo, detectavam-se pedaços de um autor que marcou a minha juventude, Jules Verne.
Atlântida não ficará na história da literatura, mas há farrapos seus que contaminam outras paragens.
Cada obra de arte é como um código genético pessoal. E assim é com os livros, cujas histórias atravessam as gerações, em diferentes variações de emoções básicas.

3.
Um escritor de ficção científica, Clifford Simak, escreveu uma pequena novela, Time and Again, traduzida em português por Guerra no Tempo, número 34 da famosa colecção Argonauta. Foi um livrinho que me impressionou muito, quando o li, talvez aos 14 ou 15 anos. A história é complexa, com vários patamares de tempo e personagens que viajam do futuro para tentarem alterar o seu presente e personagens do presente que vão para o passado para se refugiarem do futuro, deixando mensagens do passado para o presente. Lembram-se dos filmes Terminator? Era a mesma ideia.
Recentemente, passou nos cinemas um filme europeu feito com meios sofisticados, O Som do Trovão, que não recolheu os aplausos da crítica. A meu ver, mal. Uma empresa faz viagens aos passado, mas num desses saltos, o passado é alterado. Essa mudança temporal chega em ondas que vão alterando o presente, em camadas sucessivas, apagando tudo o que passou. No final, percebemos que a única alteração foi a morte de uma borboleta, 65 milhões de anos atrás. A história é de Ray Bradbury, outro autor cujas ideias têm contaminado muitas obras alheias.

4.
Acho que o que me interessa em todas estas fantasias não é tanto o elemento exótico, mas sobretudo o desconhecido. Quando os dois militares avançam pelo deserto e nós não sabemos o que se encontra no seu caminho, este é o momento que mais me interessa.
Vivemos na era do explícito, sexo explícito, action replay em câmara lenta, mensagens sem subtileza, morte em directo, repetida, repetida. Parece não haver lugar para metáforas ou exercícios de estilo. Mas trata-se sobretudo de uma ilusão. A alma humana, atrás dos gestos, esconde os mesmos mistérios de sempre.
Parece que já descobrimos tudo, mas a nossa fantasia sabe que não é assim.
O maior desconhecido não tem a ver com desertos inexplorados, mas com o que não sabemos sobre nós próprios. Os nossos medos (da morte, do sexo), as alegrias e tristezas, as aversões e fúrias.
A inveja de Salieri pelo génio de Mozart, por exemplo, que pode ser medo, mas que tem uma componente de angústia e outra de surpresa pelas maravilhas que o rival compõe. O conflito é semelhante ao de Atlântida: sabemos à partida que um dos exploradores matou o outro e, quando o sobrevivente conta a história, percebemos de imediato que a rivalidade entre os dois era inevitável. Mas de que paixão nasceu? Da ira, da inveja, do desprezo?
Tal como o capitão Saint-Avit dessa história, na posse de um terrível segredo, rejeitado pelos seus camaradas, também o compositor Salieri vive consumido pelo que não pode confessar: o seu ódio silencioso a um rival que o parece derrotar além da vida, o genial Mozart, a quem os deuses permitiram a imortalidade.
E, claro, é uma injustiça quando os deuses preferem os outros...

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Da vida na cidade







No passado dia 21 deste mês, a sala da Cinemateca encheu-se de sons saídos do piano que acompanhavam John Gilbert e Mae Murray no filme mudo "A Viúva Alegre" de Eric von Stroheim, cheio de galãs românticos com bigodes de luxo e obsessões com sandálias de fazer inveja a modernos fetichistas.
Foi com este filme que o Odéon abriu as portas ao público em 1927. Foi nesse dia que lisboetas aprimorados puderem ver "A Viúva Alegre" num écran mudo acompanhado de orquestra. Quem passar ali na Rua do Condes , oitenta anos depois, pode constatar a estado de abandono em que se encontra esta antiga sala de cinema, encerrada há alguns anos.
Como escreveu E.B. no DN: "É impressionante. Em poucos anos, mudou tudo. Vetustos, velhos ou não tão antigos como isso, os cinemas tradicionais da capital desapareceram quase todos, e foram substituídos pelos multiplexes dos centros comerciais. (...) A experiência de ir ao cinema alterou-se por completo. Ir ao Monumental não era o mesmo que ir ao Odeon, como ir ao Star não era igual a ir ao Lys. (...)"
Isto significa que desapareceram os cinemas de rua. Em dias de maior indignação chego a pensar que tanto as árvores como a vivência das ruas é algo a que esta cidade virou as costas. E chegamos encantados com o movimento de Madrid de dia e de noite e onde uma baronesa se manifesta nas ruas em defesa das árvores junto ao Paseo del Prado. Porque as filas que vemos nas ruas e nas principais avenidas em tardes de fins de semana tanto em Madrid como em Paris são para a compra de bilhetes de cinema, com gente em cafés circundantes e habitando (também) assim a cidade.
Entristece-me ver como Lisboa vai abandonando lugares da sua história como uma inevitabilidade, só isso.

Primeira chuva

(...)


Eis o outono: cresce a prumo.

Anoitecidas águas

em febre em fúria em fogo

arrastam-me para o fundo.

(...)

Eugénio de Andrade

Domingo

Evangelho segundo São Lucas 16, 19-31

Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus: «Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino e se banqueteava esplendidamente todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, jazia junto do seu portão, coberto de chagas. Bem desejava saciar-se do que caía da mesa do rico, mas até os cães vinham lamber-lhe as chagas.
Ora sucedeu que o pobre morreu e foi colocado pelos Anjos ao lado de Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado. Na mansão dos mortos, estando em tormentos, levantou os olhos e viu Abraão com Lázaro a seu lado. Então ergueu a voz e disse: ‘Pai Abraão, tem compaixão de mim. Envia Lázaro, para que molhe em água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nestas chamas’. Abraão respondeu-lhe: ‘Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em vida e Lázaro apenas os males. Por isso, agora ele encontra-se aqui consolado, enquanto tu és atormentado. Além disso, há entre nós e vós um grande abismo, de modo que se alguém quisesse passar daqui para junto de vós, ou daí para junto de nós, não poderia fazê-lo’. O rico insistiu: ‘Então peço-te, ó pai, que mandes Lázaro à minha casa paterna – pois tenho cinco irmãos – para que os previna, a fim de que não venham também para este lugar de tormento’. Disse-lhe Abraão: ‘Eles têm Moisés e os Profetas. Que os oiçam’. Mas ele insistiu: ‘Não, pai Abraão. Se algum dos mortos for ter com eles, arrepender-se-ão’. Abraão respondeu-lhe: ‘Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas, mesmo que alguém ressuscite dos mortos, não se convencerão’.

Da Bíblia Sagrada

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sábado, setembro 29, 2007

Mais vinte cidades que jamais esquecerei (XX)


HANGZHOU.
"Uma viagem de mil léguas começa sempre com um pequeno passo." (Lao Tsu)

Postais blogosféricos

1. Ligação inaugurada, aqui no Corta-Fitas, à Palavra Aberta, o novo blogue do Carlos Manuel Castro.
2. Há deputados na blogosfera. Pedro Quartin Graça é um deles. Faz muito bem.
3. Boa viagem, Miguel.
4. Este blogue parece mesmo ter acabado. Tenho pena: gostava muito dele.

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"A grande lição"

Pela segunda vez em poucos dias, Pedro Santana Lopes acerta em cheio.

Os barões assinalados


Catastrofista, eu? Apocalíptico, eu? Leiam o que vai por essa blogosfera fora, escassas horas após a vitória de Luís Filipe Menezes no PSD. Reparem bem na manchete do Expresso, que mesmo tendo fechado ontem a edição à hora em que abriram as urnas já proclama: "Notáveis do PSD contra as directas." Lá vem o inevitável desfile dos barões assinalados. Morais Sarmento, no intervalo entre dois mergulhos em águas tépidas, garante com enfastiamento que "o seu nome voltará para a guerra da sucessão". Arnaut promete empenhar-se "com mais fulgor" na vida do partido para fazer eleger Rui Rio, "o homem que este ex-secretário-geral do partido sonha ver ao leme" do PSD. Aguiar Branco, que no Verão avançou meio passo para logo recuar em toda a linha, "não afasta a hipótese de repensar o assunto se uma nova disputa surgir no horizonte".
Ou seja: não aprenderam nada nem esqueceram nada. O partido a que julgam pertencer já não é o deles. Nem de ninguém, pois desfez-se em cacos.
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Entretanto, vale a pena ler:
- Nada será igual, do Carlos Abreu Amorim. No Blasfémias.
- Menezes, do Francisco José Viegas. N' A Origem das Espécies.
- Menezes, do João Gonçalves. No Portugal dos Pequeninos.
- A culpa é dos ausentes, do Adolfo Mesquita Nunes, n' A Arte da Fuga.
- PSD (7), de Vital Moreira. Na Causa Nossa.

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A minha reacção primeira e última

É a seguinte: «O País está doido». Ou, mais exactamente e ainda com piores consequências para o dito país que é o nosso, «o PSD ensandeceu». Está no seu direito.
Post Scriptum: Devo deixar aqui uma vénia mal-encarada aos jornalistas políticos desta casa, que sempre anteviram este resultado. A um deles apenas (graças à piedade de outro que prescindiu de esfolar-me) devo agora um almoço. Espero que a casca dos bivalves lhe custe tanto a engolir como a mim estas eleições.

Primeiras reacções

"E pronto. Acabaram com o PSD. (...) O PSD já era. Agora é tempo de crescerem partidos novos."
JCS, Lóbi
"O PSD estava à beira de um precipício. Acabou de dar um passo em frente. Entre o intervalo e o abismo escolheu o abismo."
Daniel Oliveira, 31 da Armada
"Bem podem continuar no remanso das sinecuras. Os bárbaros vêm aí. E é bem feito."
Eduardo Pitta, Da Literatura
"É difícil fazer a lista dos sinistrados: Marcelo Rebelo de Sousa, Pacheco Pereira, Cavaco Silva, Alberto João Jardim, Rui Rio, Manuela Ferreira Leite, Paula Teixeira da Cruz, Guilherme Silva, Macário Correia, Carlos Coelho, etc."
Rui Albuquerque, Portugal Contemporâneo
"Pobre País."
José Pacheco Pereira, Abrupto

Eis a questão…

O relógio marca 01:47. A SIC acompanha, em directo, da sede de candidatura de Filipe Menezes, o seu discurso de vitória. E se Mourinho tivesse acabado de aterrar agora na Portela?

Em cheio

Antes de ganhar no partido, Luís Filipe Menezes ganhou no inquérito do Corta-Fitas. Com 67 votos (62%), contra 41 (38%) de Marques Mendes. Quem sabe, sabe...

Preparem-se

Vai começar a debandada das "elites" sociais-democratas. Paula Teixeira da Cruz bem avisou.

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Mais derrotados

Todos os barões sociais-democratas que se resguardavam na sombra, à espera da queda de Mendes só em 2009. Esqueceram-se de que a política, tal como a natureza, tem horror ao vácuo. Agora vão ter de esperar bastante mais.

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Derrotado

Marques Mendes perdeu a eleição para a liderança do PSD. Mas não a perdeu hoje: já a tinha perdido no dia em que foram conhecidos os resultados para a Câmara Municipal de Lisboa. Como dizia o outro, estava escrito nas estrelas.

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sexta-feira, setembro 28, 2007

Portugal

“País de homens importantes, que não atendem ao telefone porque pode fazer mal aos ouvidos, país de homens dilatados que estão sempre a despacho e não têm horas para descanso; heróis de uma pátria que só compreendem nos jornais.”
Ruben A., O Mundo à Minha Procura

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Pretéritas Sextas (VI)

Greta Garbo

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O mundo está perdido, é o que é


Esta versão «bloco descentrada» do arco ideológico é muito divertida. Mas o que gostava mesmo de saber era: Daniel Oliveira também vai logo à noite ao Snob, comemorar na palheta com a direita Darth Vader? Ou, pelo contrário e numa rara manifestação de bom senso, vão todos para o Agito, onde se come e bebe melhor e mais barato? É só para saber. Quanto mais descompreendo o mundo, mais estrebucho por entendê-lo.
Legenda da fotografia: «Daniel, traidor, voltas a pedir uma bejeca ao Artur Beja ou à Madalena e estás feito ao bife do Snob».

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No fim

"Adorei esta campanha", disse Marques Mendes. José Sócrates também.

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They are the world


Vamos lá elevar o nível desta coisa a que chamamos blogue. Há temas sérios e que os portugueses querem ver discutidos, antes de perderem tempo com mordidelas na bunda de brasileiras despudoradas. E não me refiro às directas no PSD. Em Sintra, decorre o segundo Conselho para a Globalização: A nata dos nossos empresários encontra-se com outros de países como o Paquistão, o Quénia ou Angola. Todos juntos debaterão três temas, entre eles este: «Private Equity, amigo ou inimigo?». A mim, preocupa-me que a excelência do nosso mundo empresarial e dos outros não saiba ainda responder a uma pergunta como esta, à qual qualquer corretor tem a obrigação de responder. Adicionalmente, também me deixa um bocadinho perplexo que outro dos temas a discutir sejam as «Estratégias de Entrada para o Séc. XXI», quando já entrámos no dito século há sete anos. No entanto, a globalização é um tema premente do debate civilizacional hodierno e criadora de novos paradigmas no relacionamento entre países ricos e os ricos dos países pobres. Um acontecimento destes é para levar a sério (Embora a ausência dos manifestantes do costume à porta seja um sinal de indiferença contraditório).

Sexta


MARIA SHARAPOVA, again
(Qual râguebi, qual quê...)

Mais vinte cidades que jamais esquecerei (XIX)


CRACÓVIA.
"Cracóvia desempenha um papel excepcional na cultura polaca."
(Boguslaw Krasnowolski)

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Porque hoje é sexta-feira


- Você alguma vez amou na sua vida? - F.A. perguntou.
- Ha, ha - respondi.
- Você é... uma pedra. Vai morrer sem amar. Como o Super-Homem.
- Eu amo seis mulheres. Sete, incluindo a crioula. Sete, conta de mentiroso. Amo sete mulheres. Uma delas é preta e outra é japonesa.
- Não acredito.
- Amo mesmo. Amo qualquer mulher que vá para a cama comigo. Enquanto dura o amor, amo como um doido.
- Você muda de mulher toda semana - disse F.A.
- Toda a semana porra nenhuma. Mariazinha eu conheci no baile do Municipal, ela estava sambando em cima de uma mesa e eu dei uma dentada na bunda dela, vai fazer um ano que isso aconteceu.
- Porque você fez isso? - perguntou F.A.
- O quê?
- Deu a dentada na, na moça.
- Sei lá. Tinha quinhentas mulheres trepadas na mesa, toda mesa tinha uma mulher em cima se exibindo, acho que aquilo me irritou. E a Mariazinha estava com a bunda quase de fora.
- E ela? O que foi que ela fez?
- Ela deu um grito. Então os caras da turma dela engrossaram e partiram pra cima de mim, e você sabe como é que é, tem sempre alguém levando as sobras e entrando na briga também, foi um sururu espectacular, durou só uns cinco minutos, mas acho que até o governador gostou de ver. Quando saí da enfermaria ela estava na porta e disse “bem feito”. Respondi “eu te amo”, e amava mesmo, e amo até hoje.


Rubem Fonseca in O Caso de F.A.

Fora de série (8)

Justificar o meu deslumbramento por uma música, por uma tela ou por qualquer performance artística afigura-se quase sempre pena maior do que arrancar um dente. Daquilo que eu gosto muito, gosto como um autêntico basbaque, com arrepios no corpo e pele de galinha na alma. E a relação que desenvolvo com o objecto da minha percepção é sempre muito condicionada pelas circunstâncias emocionais. Os estímulos e impressões daí resultantes são assunto terrivelmente solitário e de difícil expressão. Antes assim não fosse.
Vem isto a propósito de Os Vingadores (Grã Bretanha 1961-69), a minha saudosa série de TV que eu devorava fascinado cada episódio, através da velha televisão a válvulas da casa dos meus pais. No início, quando ainda mal sabia ler as legendas, assistia aos episódios numa semi-clandestinidade. É que numa família pouco liberal como a minha, a criançada tinha impreteríveis horas para se deitar. Mas havia truques e manhas para me fazer passar despercebido: no chão, de pernas cruzadas a respirar baixinho, num discreto recanto. Até que o meu pai dava conta que eu ali estava, tenso, mas flagrantemente feliz. Às vezes ele, adorável como sabia ser, suspirava e lá condescendia; outras, corria-me dali para a cama, cortante e autoritário, mesmo na altura do emocionante desenlace. Construí a relação com o meu pai com cumplicidades e desavenças. Ele era enorme, irascível e... meigo. Quantas vezes ficávamos os dois noite fora a ver Os Vingadores ou o Comissário Maigret... Os anos que passaram, progressivamente, acentuaram a nossa crónica incomunicabilidade. Mas como eu o admirava, mesmo quando na adolescência lhe ganhei os primeiros jogos de xadrez...
Num rebanho de cinco irmãos, cada um tinha que sobreviver e afirmar-se como podia, e nós lá arranjávamos os nossos "fetiches" ou "causas". Eu, além do Sporting – um factor não diferenciador -, era simplesmente pela Inglaterra, nas marcas de carros, no futebol, no rugby ou na Fórmula I. Até me dava um secreto prazer saber que a criadora do Noddy era britânica.
Os Vingadores possuía arrebatadores atributos para me seduzir: mistério, um herói com estilo, carros, perseguições de automóveis e mulheres deslumbrantes. Sabiam que Catherine Gale, a miúda (Honor Blackman) da terceira série veio a ser a Bond Girl de 007 contra "Goldfinger"?
John Steed (Patrick McNee) era um gentleman, imperturbável herói, com o seu charmoso meio sorriso, um inseparável chapéu de coco anti-balas e o conveniente guarda-chuva, não só por causa do britânico clima, mas por ser uma arma secreta, ao bom estilo de 007.
O resto eram lustrosos e potentes automóveis sport, em perseguições pelas ruas de Londres, nas estradas e nos campos da minha mistificada Inglaterra dos Beatles. John Steed conduzia um espectacular Rolls Royce Silver Ghost de 1927. Gostava do jeito afidalgado do herói e daquela pronúncia ao estilo BBC. Gostava dos cenários rocambolescos, dos palácios, bibliotecas e frondosos jardins. Também me deixei seduzir por Emma Peel, (Diana Rigg) mulher resoluta e ágil no seu macacão de couro, quase tão feminina como a idílica fada do Pinóquio. Mais tarde foi substituída por Tara King (Linda Thorson), na quinta série, também sexy mas mais irreverente, a acompanhar o decurso das modas da revolucionaria década de sessenta. Por fim lembro-me da “Mãe”, o fleumático e misterioso chefe da organização ao serviço de Sua Majestade. Só no início da penúltima série nos é revelado o seu aspecto físico: um homem imensamente obeso sempre sentado na sua cadeira de rodas e rodeado de telefones.
Mas nem sempre devemos voltar aos locais onde um dia fomos felizes. Há uns anos revi um episódio da série e confesso que sofri uma certa desilusão: os efeitos especiais não eram nada do outro mundo, e o guião menos sofisticado do que me parecia então. Essa simpática ilusão fora criada à conta da minha ingenuidade, e dos afectos vividos nesse tempo. É talvez por isso que a série Os Vingadores me trará para sempre boas memórias.

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quinta-feira, setembro 27, 2007

Muito barulho para nada

O ódio dos intelectuais à televisão é antigo e não se vai resolver nesta geração. Só assim se explica que Pedro Santana Lopes reúna, de repente, à sua volta um coro de loas por se ter recusado a continuar uma entrevista em directo.
Visto de fora, como fazem as agências de notícias estrangeiras, o episódio só vale por se tratar de um ex primeiro-ministro. Mas em que é que este incidente difere dos que acontecem diariamente com a imprensa escrita? Quantos entrevistados já se recusaram a continuar por não gostarem da pergunta, quantos jornalistas pararam os gravadores porque o entrevistado está a ser mal educado, ou não está a responder às perguntas? Quantas cartas de desmentidos, telefonemas de desagrado e ameaças de "nunca mais" se seguem à publicação de notícias e de entrevistas? Nunca em directo, claro, porque imprensa não pisa nessa corda bamba.
PSL enfrentou um jornal televisivo sem a atitude reverencial e sacralizada do costume. O resultado final é bom para a informação televisiva, porque permite que se discutam critérios editoriais (que, obviamente, são sempre discutíveis). Acontece a toda a hora, em todo o mundo, com todos os orgãos de comunicação social. Não justifica, a meu ver, a nomeação de PSL para o cargo "até que enfim há alguém que põe esses bandalhos no lugar".
Guardem as bazucas. É só televisão, feita por pessoas.

A direita em convulsão

A ver se nos entendemos, Paulo. Quando digo que este PSD acabou refiro-me ao partido híbrido existente desde 1974 - um partido que (con)funde populistas, liberais, conservadores e sociais-democratas. A partir de agora é impossível manter em funcionamento esta espécie de albergue espanhol. Se Luís Filipe Menezes ganhar, a reduzida ala social-democrata do partido e boa parte da falange liberal não tardarão a debandar: era isto que Paula Teixeira da Cruz queria dizer ao alertar contra o provável êxodo das "elites". Se Marques Mendes for confirmado líder, a facção saudosa do velho PPD sentirá mais que nunca a tentação de fundar um novo partido, que sirva de efectivo eco à "voz do povo". Desaparecerá o ténue traço de união entre o PPD e o PSD, que o cimento do poder manteve inalterado mais tempo do que mandava a lógica. Lisboa, onde o tradicional eleitorado laranja ficou recentemente dividido entre Fernando Negrão e Carmona Rodrigues, constitui um sério teste à recomposição da direita política. Foi também um teste à recomposição da esquerda, como a seu tempo se perceberá melhor. Mas para já é sobre o PSD que se abate a tempestade. Depois de sexta-feira nada ficará na mesma.

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E lá fora... (2)

"Retorno de Mourinho pára Portugal e irrita ex-premiê na TV". É o título da Reuters Brasil, que de sensacionalista não tem nada. Desculpem, mas "ex-premiê" é do melhor...

Portela + 1

Marques Mendes em directo na SIC Notícias, às 17.30H. Entretanto, na sala VIP do aeroporto, um jogador retardatário da equipa dos Lobos prepara-se para enfrentar as câmaras.

E lá fora...

A notícia já está no El Pais. O qual, diga-se de passagem, também não escapou ao título tablóide. «Santana Lopes se ofende con José Mourinho»? Joder!!!

É notícia

Por uma vez, Pacheco elogia Santana. É notícia.

É obra

No youtube hoje às 15:55, o video : Santana Lopes versus José Mourinho versus SIC Notícias era referido no indicador "Honors for This Video como:

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Maringá

O Corta-Fitas sofreu hoje uma explosão de visitas made in Brasil. Será que os militantes do PSD de Maringá nos estão a honrar com a sua entrada neste humilde blogue?
Já agora, estas militantes de outras causas (mais nobres) são dedicadas ao Pedro Dória - uma prova que a fama das nossas sextas-feiras já chegou ao Brasil...

Fotografia: Fernanda Motta e Ana Beatriz Barros, numa produção para a Sports Illustrated.

Nota falsa

A Direcção da SIC Notícias considera que «a chegada de José Mourinho não era um elemento perturbador de uma entrevista para a qual tínhamos previsto cerca de 30 minutos». Acontece que o tempo verbal aqui empregue está completamente errado. A estação estaria no direito de afirmar que «não foi um elemento perturbador» (eu acharia o contrário, mas enfim). O que não pode é dar a entender que já sabia que o directo não «perturbaria», porque não teria nem duração nem conteúdo. Assim, ainda se enterra mais.

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Mais vinte cidades que jamais esquecerei (XVIII)


CATMANDU.
" Catmandu, vou ver-te em breve." (Cat Stevens)

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A entrevista

Secção do PSD/Amazónia ou PSD/Paraná...

Na imagem, um grupo de militantes do PSD, já com as quotas devidamente pagas. São, portanto, militantes social-democratas com capacidade eleitoral activa para amanhã. Mas atenção: o Jorge explica que Maringá fica no Paraná, não na Amazónia.

Fora de série (7)

O Pai Ingalls


No princípio dos anos 80 La Familia Ingalls – assim foi traduzida para castelhano a série norte-americana Little House on the Prairie – foi uma das séries mais amadas na Argentina. Vivia eu em Buenos Aires com os meus pais e irmãos e por isso recordar a saga de Michael Landon é lembrar-me desses tempos em Olivos. Creio até que foi a primeira série que vi. Com seis e sete anos não reparava que cada episódio encarnava os postulados arreigados da moral protestante da América. Nem me apercebia que o melodrama de uma família rural norte-americana à procura do seu lugar no velho Oeste do século XIX continuava a ser a expressão, mais de um século depois, do sonho americano. O que eu sim reparava, de maneira irreflectida claro, era na intensidade da figura do Pai – Charles Ingalls, interpretado por Michael Landon. Cada episódio explorava a tensão entre a presença e a ausência do Pai. Se Charles não estava, tudo parecia correr mal à boa família de Plum Creek - a mãe, Carolyne, e as três filhas – Mary, Laura e Carrie. Charles era a protecção, a sabedoria, a força física daquelas mulheres. Laura era de facto a protagonista – a doce rebelde e desassombrada Laura Ingalls (Melissa Gilbert). Mas era à sombra do Pai, o seu ídolo, que ela respirava liberdade. Mesmo os pícaros irmãos Nellie e Willie, filhos do ridículo e snob casal Oleson - Nels e Harriett - donos do armazém, se rendiam perante a estatura moral do Pai Ingalls. Aliás, a família Oleson era precisamente o contraponto dos Ingalls. Com os Ingalls ríamo-nos dos perversos, mas também desastrados Oleson. Com os Ingalls moralizávamos tudo e todos.
Michael Landon nunca escondeu a agenda moralista da série. Ele próprio decidiu fazer dos escritos de Laura Ingalls Wilder (Little House, 1938) um exemplo. E o que é certo é que durante nove anos consecutivos (de 1974 a 1983) a NBC fez sucesso ao defender os valores da família unida que superava sempre todo o tipo de contrariedades e até as discriminações de cara alegre. À parte o irrealismo moral, foi uma série que me prendeu à televisão e que hoje me leva a questionar o que fez desaparecer tão repentinamente a figura do Pai da cultura familiar ocidental.

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quarta-feira, setembro 26, 2007

10 elevado a 23

Foi mais ou menos quanto subiu a minha consideração por Pedro Santana Lopes neste preciso momento. Como resposta à decisão da SIC de interromper a entrevista para umas imagens fugazes do carro de Mourinho e umas inanidades do jornalista para encher o vácuo, PSL teve uma postura de rara elevação e dignidade e deixou a estação televisiva a falar sózinha. Bravo!
Actualização: Alguém habituado a «raciocínicos» diz-me que foi «apenas uma brilhante jogada decidida just in time e destinada a provocar comentários como o meu». Duvido que o tenha sido. Mas não deixaria, mesmo assim, de ser uma «jogada» capaz de aliar o sexto-sentido inato de um político a uma postura de Estado. A SIC, essa, é que fica sempre a perder em qualquer das leituras. Francamente...
Outra actualização: A SIC apresenta aqui o sucedido como se tudo não tivesse passado de uma simples birra de PSL. Não vale a pena, rapaziada. Nem excluir o vídeo do site tão pouco (aliás, não é lógico para as audiências).
E mais: Como sempre, o Rodrigo tem piada. Mas quem sintonizou a SIC Notícias não o fez para ouvir a persona de PSL como comentador de futebol. O que a SIC Notícias deverá entender para não repetir a proeza (e já agora os outros também) é que há alturas em que faz sentido o pot-pourri de uma «lógica noticiosa de 24 Horas». E outras como esta, em que claramente não. O que precisa de avaliar é a capacidade de decidir com base na efectiva informação prestada com os directos, para além do mero facto vazio de conteúdo. O que o canal fez foi menosprezar os seus espectadores, não apenas PSL. Se entenderem isto, só terão a ganhar.

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Pensamento positivo

A terceira via do PSD, a de Morais Sarmento, já se adivinhava. Julgo, no entanto, que como bom estratega que é, Morais Sarmento vai querer uma vaga de fundo. E julgo que não a vai ter.
O lado positivo da onda que varre o PSD é que o Duarte Calvão deu à costa. Viva!

A pedido de alguns anónimos salivantes de expectativa


Uma «balzaquiana estupendaça». Património nosso e da Humanidade. Teresa Salgueiro.

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Então é assim...


O PSD acabou porque já não é o que era, muito menos o que pode vir a ser.
O PS acabou porque agora é de direita e se afastou dos militantes de esquerda.
O CDS-PP acabou porque não tem quadros dirigentes nem descola nas sondagens e nos votos.
O PCP acabou porque se tornou um anacronismo e até o BE tem mais votos do que os comunistas.
O BE acabou porque não cresce para além dos centros urbanos e só consegue levantar a cabeça colando-se a «independentes» como Sá Fernandes.
O PND, o PPM e os Verdes, ah, ah, ah! Nem nos façam rir.
Em suma, os partidos políticos estão todos a dar o seu último suspiro. A democracia foi chão que deu uvas (olhem para a abstenção a crescer) e o que vem aí sabe-se lá, que a malta não está cá para clarividências. Está bem. Então prontos. Venha daí o dilúvio. Os partidos não sabem nadar, Iô!

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Mudar de caras ou transfigurar

Muito mais que um mero post, isto é uma excelente análise política. Pedro, concordo, no essencial, contigo. Aliás, ainda hoje de manhã falava com um amigo que conhece tão bem o PSD como nós, e que já foi jornalista em tempos, que me dizia que o melhor era fazer o que o José Miguel Júdice sugeriu quando bateu com a porta: fechar aquilo e depois abrir de novo, com novas ideias, outras gentes e um programa mais ambicioso. Começo a ver vantagens nessa solução. Foi o que fez o velho RPR, partido neo-gaullista francês, que se reconverteu e transfigurou na UMP. Nicolas Sarkozy ganhou as presidenciais e a França está outra vez a dar cartas no cenário mundial. Aquela que parecia uma direita velha e caduca sob o signo de Chirac, de repente revelou alma sob os auspícios de "Sarko".
Não deixa de ser curioso o que fez ontem Nuno Morais Sarmento. Veio dizer que "estes dois senhores" não servem e que é necessário respeitar o "património do PSD". Não é inocente esta posição, que para mim representa um autêntico tiro de partida para o que se irá passar a partir de segunda-feira, seja qual for o resultado das eleições desta sexta-feira. Sarmento, acompanhado de um grupo mais ou menos extenso irão começar a fazer o seu caminho para o pós-2009. Se Mendes vencer, Menezes junta-se a eles. Se for ele o vencedor terá que fazer muito e bem, inovar e transformar o partido. Caso contrário, Sarmento, Rui Rio, José Pedro-Aguiar-Branco, António Borges e até Alexandre Relvas estarão ali ao virar da esquina, prontos para o que der e vier. E virá muita coisa, depois de 2009.

O PSD acabou


Marques Mendes, na sequência do monumental desaire em Lisboa, tinha duas opções: ou demitia-se de imediato ou prosseguia o mandato nos prazos estatutários. Escolheu uma terceira via - a do suicídio político: antecipou a eleição directa do líder do partido, recandidatando-se. Quando o PSD mais precisava de se virar para a sociedade, quando mais precisava de se reconciliar com o País real, ficou ainda mais fechado sobre si próprio, mergulhado em sucessivas convulsões internas. Ao antecipar a eleição directa, em que é parte interessada, Mendes antecipou a morte do partido: o PSD vale hoje 15 por cento, como o escrutínio em Lisboa demonstrou - pouco mais do que o Bloco de Esquerda. Em boa verdade, ninguém pretende "liderar" algo que está prestes a deixar de existir. Por isso os "barões" ausentaram-se para parte incerta, Menezes procura mil e um pretextos para abandonar a corrida, o profeta Morais Sarmento proclama ao Expresso o seu imenso nojo por tudo isto e desta vez nem António Borges se vislumbra a imitar D. Sebastião numa manhã de nevoeiro.
O PSD - este PSD - acabou. E ainda bem.

Tertúlia literária (221)

- E O Malhadinhas?
- Lá continua como seleccionador nacional.

Às vezes, é preciso dizer o evidente

«...o cansaço do poder pode ser provocado, desde que exista uma clara alternativa, constituída com tempo e teimosia, baseada num projecto político que seja compreendido e aceite pelos eleitores. O pior que “a oposição do centro-direita” pode fazer é acreditar em alguns comentadores e deitar-se à sombra da bananeira, sem fazer os trabalhos de casa, à espera que o poder caia de maduro no seu regaço». Paulo Pinto Mascarenhas, no Atlântico.

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Vamos a eles!


Agora é que é, malta! Começaram a chegar os Pandur II e, até ao final do ano, as NT vão ter 260 brinquedos destes, 20 deles anfíbios. Em Olivença, os ecos da notícia já levantaram os ânimos entre os membros da resistência. Soube, de fonte segura, que o 31 da Armada entretanto transformado numa colectividade ali para os lados dos Columbófilos de Cascais prepara um brinde, naquele bar escuro e caríssimo de que tanto gostam para celebrar a invasão. Isto vai aquecer!

Carlos Charmeur

Não era apenas o cantor que encaixava que nem uma luva na categoria de «improvável», a qual dá o mote aos concertos intimistas no bar do Maria Matos. A assistência também. Havia balzaquianas estupendaças e Tavares Moreira, Rui Veloso e Nicolau Santos, eu e a Inês Serra Lopes no mesmo espaço, coisa que não acontecia há muitos anos graças a Deus. O cantor? Carlos Tavares. Nortenho, benfiquista, presidente da CMVM e um crooner à maneira mesmo quando a voz não acompanhava as emoções reveladas na expressão da face e o gesticular da mão livre do microfone. Estavam lá televisões que registaram o momento e não me deixam mentir: Para além das qualidades como entertainer, intercalando o reportório com pequenos apontamentos da sua vida (o conjunto paterno que ensaiava em casa, a sua passagem pelo Zip Zip) Carlos Tavares é um baladeiro nato. Safou-se muito bem em músicas como «Manhã» de Pedro Abrunhosa ou a interpretar Roberto Carlos no nosso português. Claudicou em músicas de Vitorino e João Gil (que também lá estava) porque o registo pedia um tom que não era o dele, por mais que se esforçasse. Mas ao vê-lo convicto a entoar o refrão «Matei, matei corações» ou a proferir tiradas como «nem à força da lei a rádio passa música portuguesa» senti que já tinha valido a noite. Ou pelo menos metade dela, dado que saí no intervalo. A minha cadeira estava por demais cobiçada e havia senhoras em pé. Cavalheiros como eu não permitem que isso aconteça e muito menos a balzaquianas estupendaças. Posso não ser tão charmoso como o intérprete e desafinar muito muito mais, mas ainda tenho maneiras.

12 moedas

Fui de férias há três semanas, para fora do país, e a grande discussão entre as duas candidaturas à liderança do meu partido era sobre quotas. Voltei, e a discussão, cada vez mais acesa e atentamente acompanhada pela Imprensa, é sobre quotas. Para quem ainda não saiba o valor desta magna questão, que motiva visitas a caixas Multibanco às duas da manhã para pagamentos colectivos, falsificações de moradas, ameaças de queixas à polícia e ao Tribunal Constitucional, debates na televisão, etc, etc, estamos a falar de uma quota de 12 euros. Por ano. Ou de uma moeda de um euro por mês.

terça-feira, setembro 25, 2007

O sumo acabou




É claro, cada vez mais claro, que na sexta-feira não vou votar em ninguém. Tal como eu temia, o PSD no qual me filiei já não existe. Gostava que alguém me convencesse do contrário, mas parece-me impossível.

PSD

Avisem-me quando acabar o campeonato de matraquilhos sff.

When the child was a child
It walked with its arms swinging,
wanted the brook to be a river,
the river to be a torrent,
and this puddle to be the sea.

(...)When the child was a child,
It was the time for these questions:
Why am I me, and why not you?
Why am I here, and why not there?
When did time begin, and where does space end?
Is life under the sun not just a dream?
Is what I see and hear and smell
not just an illusion of a world before the world?
Given the facts of evil and people.
does evil really exist?
How can it be that I, who I am,
didn’t exist before I came to be,
and that, someday, I, who I am,
will no longer be who I am?

Déjà vu

Quando eles começam a falar de implosão e de renovação é porque está na altura de fazer prova de vida.

Nas colunas

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Ainda o Aquilino e a festança dos jacobinos

Os monárquicos não querem Aquilino em Santa Engrácia por causa da sua eventual participação no regicídio, os órfãos do Dr. Afonso Costa querem-no em Santa Engrácia precisamente por isso.
Sobre os dislates da jornalista Fernanda Câncio, a respeito da monarquia constitucional e o regicídio, ler na integra o brilhante texto de Pedro Picoito no Cachimbo de Magritte.

P.S.: Ó Pedro, tem paciência, mas confessa lá onde gamaste esta preciosa ilustração, e eu prometo não te chamar monárquico!

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Novos, Velhos Brinquedos

Um dos meus primos mostra-me com orgulho novos, velhos brinquedos. Logo diz: “São do meu pai”, o que equivale a avisar: “Não estragues”. Isto num tom de responsabilidade e respeito por o pai lhe ter confiado os seus brinquedos. Num saco, também ele já antigo, vou descobrir pela sua mão um cubo mágico. Lembram-se? Não sei se ainda guardam o vosso, mas o meu cubo mágico, de tanto ser manuseado sem muito sucesso, não teve um final feliz.
Isto fez-me pensar. Agora que sei que vou ser mamã de um rapaz, fico a reflectir naquilo que ainda terei guardado e poderei passar ao meu filho. Vale-me ter sido uma verdadeira Maria-rapaz. O meu irmão herdou uma colecção de berlindes e uns carrinhos que faziam intermináveis filas à volta da cama - como se eu já adivinhasse o futuro - e uns Playmobiles que já viveram um grande número de histórias inventadas por abundantes mãos. Tenho uma colecção de borrachas, de diferentes formas e feitios, que de vez em quando vou espreitar para ver se ainda cheiram a novas. Aquele perfume faz-me andar alguns anos para trás, onde me vejo de vestidinho e cabelo bem mais curto.
Espero que o pequeno bebé que aí vem também um dia possa dizer com o mesmo orgulho: “São da minha mãe” e que isso não lhe cause muita estranheza. Pelo sim, pelo não, o pai já está encarregue de ir ao sótão procurar também os seus brinquedos.

Prognósticos só no fim

Marcelo Rebelo de Sousa, perante o desafio que lhe lançou Maria Flor Pedroso na emissão de 16 de Setembro do seu programa na RTP, recusou fazer vaticínios sobre o desfecho da corrida para a liderança do PSD. Manuela Ferreira Leite, que o Expresso do último sábado antecipava como apoiante de Marques Mendes, prefere afinal manter-se equidistante. Alexandre Relvas, mandatário nacional de Mendes, encontra-se ausente em parte incerta: só a nossa fé no mesmo Expresso nos leva a fazer crer que "estará ao lado do candidato nos derradeiros dias de campanha". Sucedem-se as acusações entre as duas candidaturas, com o estado-maior de Luís Filipe Menezes a ameaçar recorrer ao Tribunal Constitucional e queixar-se à polícia por alegadas fraudes na elaboração dos cadernos eleitorais. A questão do direito de voto dos militantes açorianos, na sequência da controversa decisão assumida pelo Conselho de Jurisdição Nacional, poderá arrastar-se sem ter fim. Perante tudo isto, Paulo Gorjão espanta-se apenas por eu ter escrito no DN que os resultados das eleições directas no partido são "cada vez mais imprevisíveis". Nada diferente, no fundo, do que o veredicto que Marcelo - apoiante de Mendes - recusou fazer.
Tanta candura do mais fino analista político da blogosfera portuguesa é sempre admirável. Hei-de ir almoçar um dia destes com um vice-presidente do PSD para ver se consigo ficar tão cândido assim...

Retalhos da vida de um médico*

- Então, sr. dr., hoje está de serviço?

O dono do restaurante, sempre muito zeloso, cumprimentava assim um dos seus clientes habituais, que se havia sentado próximo da minha mesa na companhia de um colega.
- É verdade, é verdade. Hoje estou de banco até à meia-noite.
Olhei à volta, baralhada, à procura de batas brancas, macas e estetoscópios, mas apenas consegui enxergar as travessas que acabavam de aterrar na mesa daquele dedicado funcionário do Serviço Nacional de Saúde. O meu relógio marcava 22h. Ainda tinha duas horas de banco pela frente, coitado!

*título de Fernando Namora

Desculpem qualquer coisinha

Mas, a avaliar por posts como este do Afonso Reis Cabral, parece que houve quem não entendesse que o meu «extracto do discurso» do PM publicado ontem era uma brincadeira. Confesso que não me passou pela cabeça que o texto, de tão descabelado que era, fosse tomado a sério. As minhas desculpas ao Afonso, a todos os outros que possam ter sido induzidos no mesmo erro e, obviamente, a José Sócrates. Não pela brincadeira em si, mas pelo seu efeito perverso.

Diz-me o que lês...

Sim Cristina, lá estão os dois príncipes da III república em animada "cavaqueira", sentados nos presidenciais cadeirões. Uma lição prática do perdão e da caridade cristãs à desapiedada sociedade civil. Mas a mim, o que me salta à vista na fotografia de capa do DN, é aquele grande e fabuloso livro na mesa logo à frente de Mário Soares: Legenda Áurea de Tiago de Voragine, editado pela Civilização em 2004
Originariamente intitulado Legenda Sanctorum, esta brilhante obra sobre “o que deve ser lido dos santos” publicado em meados do Século XIII, terá sido um dos primeiros bestsellers da nossa civilização cristã, com cerca de dez mil cópias manuscritas. De resto pergunto-me se o livro (sublimemente ilustrado com obras de Giotto, Duccio, Fra Angelico, Simone Martini, Piero della Francesca, Masaccio, Masolino, Pietro Lorenzetti, Ambroggio etc.) será um mero adereço decorativo, ou se algum dos recentes inquilinos daquele palácio, se dignou a folhear o aquele histórico tesouro literário e artístico.

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Estações fora de horas

As vidas foras de horas têm que se lhes diga. Isto a propósito de um post antigo que transcrevo para o Corta-Fitas. Uma destas noites, nos arredores de Lisboa, a fila no exterior do guichet da estação de serviço era imensa e a clientela a mais variada para as compras do costume: cigarros, cervejas, embalagens de leite e claro, combustível, quase sempre muito pouco. Junto ao vidro chegavam-nos vozes azedas para com o funcionário que afanosamente ia e vinha até junto do cliente. (Imaginem agora as deixas para a plateia sempre que o rapaz se afastava...). Entretanto, a malta cá fora dividia-se entre sentimentos de indignação para com a incompetência do empregado e a falta de educação daquele comprador intolerante. Nós estavamos obviamente do lado do rapaz que zelosamente procurava despachar aquele exigente pedido fora de horas. O pedido? Ah, sim! Comida para gato.

*
Um outro mundo, as estações de serviço fora de horas. Falo daqueles estabelecimentos com pré-pagamento, onde se vende gasolina, bebidas, pão, congelados, jornais, revistas e até comida para animais. Certamente saberão do que estou a falar. Em Lisboa há algumas deste género, que dão um grande jeito de dia para um litro de leite ocasional ou uma embalagem de queijo. À noite, pertencem a outro tipo de pessoas. Principalmente frequentadas por noctívagos sem gasolina, mas sobretudo procuradas para compra de cervejas ou cigarros, sem acesso ao interior, todas estas transacções se fazem através de um vido, sem qualquer contacto com o paciente funcionário.
Acredito que estejam todas vigiadas por câmaras, o que, apesar de dar uma certa segurança não nos impede de sentir algum receio. Muitas vezes são miúdos ou maduros em estado alcoolizado ou com vontade de ficar, a avaliar pela quantidade de álcool que levam nos sacos. Outras vezes são solitários, com noites longas, a quem se acaba a companhia da cerveja e dos cigarros. São também locais para taxistas, funcionários com turnos nocturnos, local de passagem entre um bar e outro, viajantes que chegam com frigoríficos vazios, uma última paragem, uma necessidade.

Sejam quais forem as circunstâncias (creio nunca ter lido nada sobre isto) e do pouco que conheço, se terão ou não alguma clientela fixa, lá estão eles, sempre abertos a produtos de última hora, ou melhor, fora de horas.
Quando os vejo partir ao volante, de voz entaramelada e com passo incerto, fica por ali um amargo sentimento de impotência e comigo um aperto no coração. À nossa frente, um jovem casal de namorados leva uma noite cheia de precauções, funcionários de uniforme recolhem a casa com cigarros e chocolates e um cavalheiro pede uma revista com capa de corpo inteiro.
A todos, uma boa noite.

segunda-feira, setembro 24, 2007

Momentos Kodak (61)

Mestre Nadir Afonso. Podem ver a sua exposição na Galeria do Diário de Notícias, em Lisboa.
Fotografia: Rodrigo Cabrita

Concessão

- Mãe, eu pertenço à Lusoponte?
- Que disparate!

- Lá na escola dizem que todos os meninos que nasceram depois de 1997 pertencem à Lusoponte. E amanhã tenho que levar a mesada à Lusoponte. É verdade que eu pertenço à Lusoponte?
- Julgo que não, mas deixa-me telefonar.

Payote

Foram uns cogumelos que comi ao almoço.

Ia jurar que vi Cavaco Silva e Mário Soares sentados nuns cadeirões em Belém à conversa e depois o Mário Soares a dizer que é assim em democracia, que as pessoas têm discordâncias mas isso nada tem a ver com as relações pessoais, e blá blá blá que é democrata há muito tempo. Ia jurar.
Onde está a ASAE quando precisamos dela?

Fora de série (6)


A América de Archie Bunker

Bastavam os primeiros acordes do genérico para me porem colado ao ecrã. Um genérico fabuloso, com um casal de meia-idade entoando uma cançoneta ao piano no recato doméstico. Os versos da cançoneta diziam tudo sobre a intenção satírica desta série da CBS. Nunca os esqueci.
Boy the way Glenn Miller played
Songs that made the hit parade.
Guys like us we had it made,
Those were the days.

E logo um zoom nos introduzia na residência de Archie Bunker. O irascível, antipático, furibundo Archie Bunker – uma das mais perenes personagens da ficção televisiva de todos os tempos. O típico americano médio, cheio de preconceitos sociais, culturais e raciais. Reaccionário até à medula, apoiante cego de Richard Nixon e da guerra do Vietname, inimigo figadal dos ventos da História que nesses idos de setenta prometiam uma revolução cultural no país mais poderoso do planeta.
And you knew who you were then,
Girls were girls and men were men,
Mister we could use a man
Like Herbert Hoover again.
Um dos mais deliciosos ingredientes da série era o modo como subvertia o dogma então vigente sobre a classe operária como vanguarda social. Archie era operário – “explorado pelo capital”, um remediado sem horizontes –, o que não o impedia de destilar ódio contra os imigrantes que vinham “roubar-nos os postos de trabalho”. Contra os negros, “delinquentes por natureza”. Ou contra os judeus, que “assassinaram Cristo”. Conservador empedernido, rogava pragas ao desconserto de um mundo onde todas as peças lhe pareciam subitamente fora do lugar. Daí nasciam as homéricas discussões que mantinha com o genro, Mike, um intelectual de esquerda que lhe servia de contraponto ao exibir uma fé inquebrantável no progresso.
Didn’t need no welfare state,
Everybody pulled his weight.
Gee our old LaSalle ran great.
Those were the days.

All in the Family (que uma feliz tradução portuguesa baptizou de Uma Família às Direitas ao ser exibida na RTP) tinha diálogos de cinco estrelas, que nos faziam rir até às lágrimas, tornando Archie num ícone popular, malgré lui e as ideias que propagava. Algumas das suas expressões incorporaram-se no vocabulário comum, como “fecha a matraca” (a ordem da praxe para mandar calar a incomparável Edith, a mulher que lhe aturava todos os caprichos) ou “cabeça de abóbora” (o feroz qualificativo que reservava ao genro). Era uma série de texto, mas também de actores, servida por um quarteto de intérpretes de luxo. Carroll O’Connor (Archie), Jane Stapleton (Edith), Sally Struthers (a filha, Gloria) e Rob Reiner (o genro, que na vida real se tornaria realizador de filmes inesquecíveis, como Misery ou When Harry Met Sally). Era um tempo em que nos podíamos rir de todos os tiques e de todos os dogmas. Antes da televisão padronizada, liofilizada, industrial e politicamente correcta.
“A ‘seriedade’ não costuma ser um sinal inequívoco de sabedoria, como julgam os pasmados: a inteligência deve saber rir”, como nos ensinou Fernando Savater. É nisso que penso ao rever hoje cada episódio desta extraordinária série que psicanalizava a classe média americana e se mantém actual, superando as barreiras da moda, do gosto e do tempo. Porque a América de Archie Bunker não morreu: apenas se alterou o suficiente à superfície para continuar tão tacanha como dantes.

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