Fora de série (8)
Justificar o meu deslumbramento por uma música, por uma tela ou por qualquer performance artística afigura-se quase sempre pena maior do que arrancar um dente. Daquilo que eu gosto muito, gosto como um autêntico basbaque, com arrepios no corpo e pele de galinha na alma. E a relação que desenvolvo com o objecto da minha percepção é sempre muito condicionada pelas circunstâncias emocionais. Os estímulos e impressões daí resultantes são assunto terrivelmente solitário e de difícil expressão. Antes assim não fosse.
Vem isto a propósito de Os Vingadores (Grã Bretanha 1961-69), a minha saudosa série de TV que eu devorava fascinado cada episódio, através da velha televisão a válvulas da casa dos meus pais. No início, quando ainda mal sabia ler as legendas, assistia aos episódios numa semi-clandestinidade. É que numa família pouco liberal como a minha, a criançada tinha impreteríveis horas para se deitar. Mas havia truques e manhas para me fazer passar despercebido: no chão, de pernas cruzadas a respirar baixinho, num discreto recanto. Até que o meu pai dava conta que eu ali estava, tenso, mas flagrantemente feliz. Às vezes ele, adorável como sabia ser, suspirava e lá condescendia; outras, corria-me dali para a cama, cortante e autoritário, mesmo na altura do emocionante desenlace. Construí a relação com o meu pai com cumplicidades e desavenças. Ele era enorme, irascível e... meigo. Quantas vezes ficávamos os dois noite fora a ver Os Vingadores ou o Comissário Maigret... Os anos que passaram, progressivamente, acentuaram a nossa crónica incomunicabilidade. Mas como eu o admirava, mesmo quando na adolescência lhe ganhei os primeiros jogos de xadrez...
Num rebanho de cinco irmãos, cada um tinha que sobreviver e afirmar-se como podia, e nós lá arranjávamos os nossos "fetiches" ou "causas". Eu, além do Sporting – um factor não diferenciador -, era simplesmente pela Inglaterra, nas marcas de carros, no futebol, no rugby ou na Fórmula I. Até me dava um secreto prazer saber que a criadora do Noddy era britânica.
Os Vingadores possuía arrebatadores atributos para me seduzir: mistério, um herói com estilo, carros, perseguições de automóveis e mulheres deslumbrantes. Sabiam que Catherine Gale, a miúda (Honor Blackman) da terceira série veio a ser a Bond Girl de 007 contra "Goldfinger"?
John Steed (Patrick McNee) era um gentleman, imperturbável herói, com o seu charmoso meio sorriso, um inseparável chapéu de coco anti-balas e o conveniente guarda-chuva, não só por causa do britânico clima, mas por ser uma arma secreta, ao bom estilo de 007.
O resto eram lustrosos e potentes automóveis sport, em perseguições pelas ruas de Londres, nas estradas e nos campos da minha mistificada Inglaterra dos Beatles. John Steed conduzia um espectacular Rolls Royce Silver Ghost de 1927. Gostava do jeito afidalgado do herói e daquela pronúncia ao estilo BBC. Gostava dos cenários rocambolescos, dos palácios, bibliotecas e frondosos jardins. Também me deixei seduzir por Emma Peel, (Diana Rigg) mulher resoluta e ágil no seu macacão de couro, quase tão feminina como a idílica fada do Pinóquio. Mais tarde foi substituída por Tara King (Linda Thorson), na quinta série, também sexy mas mais irreverente, a acompanhar o decurso das modas da revolucionaria década de sessenta. Por fim lembro-me da “Mãe”, o fleumático e misterioso chefe da organização ao serviço de Sua Majestade. Só no início da penúltima série nos é revelado o seu aspecto físico: um homem imensamente obeso sempre sentado na sua cadeira de rodas e rodeado de telefones.
Mas nem sempre devemos voltar aos locais onde um dia fomos felizes. Há uns anos revi um episódio da série e confesso que sofri uma certa desilusão: os efeitos especiais não eram nada do outro mundo, e o guião menos sofisticado do que me parecia então. Essa simpática ilusão fora criada à conta da minha ingenuidade, e dos afectos vividos nesse tempo. É talvez por isso que a série Os Vingadores me trará para sempre boas memórias.
Vem isto a propósito de Os Vingadores (Grã Bretanha 1961-69), a minha saudosa série de TV que eu devorava fascinado cada episódio, através da velha televisão a válvulas da casa dos meus pais. No início, quando ainda mal sabia ler as legendas, assistia aos episódios numa semi-clandestinidade. É que numa família pouco liberal como a minha, a criançada tinha impreteríveis horas para se deitar. Mas havia truques e manhas para me fazer passar despercebido: no chão, de pernas cruzadas a respirar baixinho, num discreto recanto. Até que o meu pai dava conta que eu ali estava, tenso, mas flagrantemente feliz. Às vezes ele, adorável como sabia ser, suspirava e lá condescendia; outras, corria-me dali para a cama, cortante e autoritário, mesmo na altura do emocionante desenlace. Construí a relação com o meu pai com cumplicidades e desavenças. Ele era enorme, irascível e... meigo. Quantas vezes ficávamos os dois noite fora a ver Os Vingadores ou o Comissário Maigret... Os anos que passaram, progressivamente, acentuaram a nossa crónica incomunicabilidade. Mas como eu o admirava, mesmo quando na adolescência lhe ganhei os primeiros jogos de xadrez...
Num rebanho de cinco irmãos, cada um tinha que sobreviver e afirmar-se como podia, e nós lá arranjávamos os nossos "fetiches" ou "causas". Eu, além do Sporting – um factor não diferenciador -, era simplesmente pela Inglaterra, nas marcas de carros, no futebol, no rugby ou na Fórmula I. Até me dava um secreto prazer saber que a criadora do Noddy era britânica.
Os Vingadores possuía arrebatadores atributos para me seduzir: mistério, um herói com estilo, carros, perseguições de automóveis e mulheres deslumbrantes. Sabiam que Catherine Gale, a miúda (Honor Blackman) da terceira série veio a ser a Bond Girl de 007 contra "Goldfinger"?
John Steed (Patrick McNee) era um gentleman, imperturbável herói, com o seu charmoso meio sorriso, um inseparável chapéu de coco anti-balas e o conveniente guarda-chuva, não só por causa do britânico clima, mas por ser uma arma secreta, ao bom estilo de 007.
O resto eram lustrosos e potentes automóveis sport, em perseguições pelas ruas de Londres, nas estradas e nos campos da minha mistificada Inglaterra dos Beatles. John Steed conduzia um espectacular Rolls Royce Silver Ghost de 1927. Gostava do jeito afidalgado do herói e daquela pronúncia ao estilo BBC. Gostava dos cenários rocambolescos, dos palácios, bibliotecas e frondosos jardins. Também me deixei seduzir por Emma Peel, (Diana Rigg) mulher resoluta e ágil no seu macacão de couro, quase tão feminina como a idílica fada do Pinóquio. Mais tarde foi substituída por Tara King (Linda Thorson), na quinta série, também sexy mas mais irreverente, a acompanhar o decurso das modas da revolucionaria década de sessenta. Por fim lembro-me da “Mãe”, o fleumático e misterioso chefe da organização ao serviço de Sua Majestade. Só no início da penúltima série nos é revelado o seu aspecto físico: um homem imensamente obeso sempre sentado na sua cadeira de rodas e rodeado de telefones.
Mas nem sempre devemos voltar aos locais onde um dia fomos felizes. Há uns anos revi um episódio da série e confesso que sofri uma certa desilusão: os efeitos especiais não eram nada do outro mundo, e o guião menos sofisticado do que me parecia então. Essa simpática ilusão fora criada à conta da minha ingenuidade, e dos afectos vividos nesse tempo. É talvez por isso que a série Os Vingadores me trará para sempre boas memórias.
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