sexta-feira, agosto 31, 2007
New age
O moderníssimo aparelho do meu carro lê os CDs em MP3. Neste “formato” cabem quase vinte álbuns num simples CD de 700 megas. A fartura é tanta que o pobre desconfia. Com o ouvido atento, apercebo-me como o processo de compactação digital nos defrauda, prescindindo de tantos “bites e baites”, aparentemente redundantes. Ou eliminando os sons considerados inaudíveis ao ouvido "comum". Confesso que aquele som, redondo e de plástico, ao princípio até soa agradável. Mas ficamos com a ausência da alma, dos sombreados, dos degradés e das texturas mais subtis da peça. Desvanece-se a profundidade e o relevo, a coloração sonora impressa pelo espaço, pela sala ou pelo estúdio e os seus materiais.
Chegado a casa, cedo à urgência: ligo o amplificador, ponho a rodar o gira-discos, fecho a porta, ajusto o volume, ponho cuidadosamente o vinil a reproduzir o órgão de Tom Koopman, tocando a Tocata e Fuga BWV 565 de Bach. Respiro profundamente e deixo-me ir.
Infelizes os satisfeitos com o que os seus humanos e precários sentidos alcançam. Vendo pouco e crendo pouco. Conformados. Tantas vezes cínicos.
Etiquetas: Coisas da vida, Quotidiano
Paulo Teixeira Pinto
Porque hoje é sexta-feira
Confissões*
quinta-feira, agosto 30, 2007
Cinema Nostalgia (8)
Noite mansa no amplo bairro do Farol – o oceano, pacífico, alongava-se em frente. Barcos artesanais de pescadores rumavam ao largo, na sua faina diária. Havia vagas luzes de petromax em Ataúro, várias milhas náuticas adiante. Mas na varanda que circundava a moradia os olhos infantis só estavam concentrados na tela onde desfilavam as imagens. Filmes em super 8: pequenas bobinas extraídas de caixas quadrangulares e que se fixavam na parte mais recuada do projector. Começavam a girar e o cinema acendia-se na varanda, sob a ritmada vigilância das ventoinhas de tecto que mal disfarçavam o calor repassado de humidade. No chão, pivetes de incenso procuravam pôr os insectos à distância, empurrando-os na direcção das osgas e do tranquilo toqué que parecia petrificado, as ventosas das patas bem fixadas nas paredes.
O stock era limitado: mas revíamos sempre cada filmezinho ou cada documentário como se fosse a primeira vez. Uma versão condensada d' O Homem Invisível, de James Whalen: ainda hoje sinto um ligeiro arrepio quando recordo Claude Rains a tirar as insólitas ligaduras que lhe cobriam o rosto. Rio Grande, em formato pequeno. Lá surgia John Wayne de bigode e farda confederada despedindo-se da inconsolável Maureen O’Hara. Os Harlem Globettroters fazendo acrobacias nunca vistas em recintos de basquetebol. Os golos de Pelé e Jairzinho no inesquecível Campeonato do Mundo de 1970.
E havia os desenhos animados. O imparável Woody Woodpecker, esse endiabrado picapau que fez as delícias da minha infância. Speedy Gonzalez, o rato que corria mais rápido do que a própria sombra. Dick Tracy, o detective que solucionava todos os casos enquanto falava ao telefone com o relógio de pulso.
E havia as velhas comédias mudas, do tempo em que se usava pêra e cartola, que uma vez e outra e outra nos faziam irromper em gargalhadas. A luz projectava-se no ecrã branco, a bobina começava a girar e aparecia o rosto familiar de Charlot comendo sempre a mesma bota que já comera em tantas outras noites. Ou os inconfundíveis Bucha e Estica, que levavam o caos à mais pacífica das ruas, pondo impávidos cidadãos à batatada. E pondo-nos a rir até às lágrimas, apesar de sabermos cada cena de cor. Absurdamente felizes sem sabermos que o éramos – putos europeus longe do conforto europeu, nessas horas longínquas em que o Super 8 substituía os canais televisivos que não chegavam a Timor. E em que o popular projector fazia parte da mobília – e da família.
Por vezes sinto uma nostalgia imensa dessas improvisadas noites cinéfilas. E do toqué lá de casa. E daquelas ventoinhas que rodavam no tecto enquanto o Dick Tracy, o John Wayne e Laurel&Hardy alimentavam sem cessar os nossos sonhos.
A força está com ele
Ao vetar aquele diploma, Cavaco Silva quis deixar expresso que não permitia que o Governo socialista, por sua auto-recriação e contra todos os outros partidos políticos do arco constitucional, decidisse lançar uma espécie de quarto ramo das Forças Armadas. Fazendo-o, ainda por cima, à revelia do seu Comandante Supremo, o Presidente da República.
Para já, o "saldo" é de quatro vetos políticos (Lei da Paridade, Estatuto do Jornalista, Responsabilidade Extracontratual do Estado e Orgânica da GNR).
Depois deste último veto, o PS pode insistir na sua e fazer aprovar com a sua maioria no Parlamento o mesmo texto. Acredito, por seu interesse, que não o fará. Neste último caso, e perante os reparos do Presidente, iria abrir brechas graves no relacionamento com Belém. Acredito que o Governo não quer entrar por caminhos mais bélicos. Basta perceber que errou e emendar a mão.
João, este é para ti
Na morte de Umbral (1)
Na morte de Umbral (2)
quarta-feira, agosto 29, 2007
Gostei de ler
O último analista absoluto. Do João Gonçalves, no Portugal dos Pequeninos.
A "orquestra negra". De Miguel Cardina, no Passado/Presente.
Filiações. De Ana Vidal, na Porta do Vento.
A ERC deve estar de férias
Eduardo
Escreveu: Para a Inês, esperando que escreva todos, mas todos os dias.
Este é para si Eduardo. Também esperando que continue a escrever todos, mas todos os dias.
Um grande beijinho
Basta de paprika
Antes de partir, alguém me avisara que levava «areia para a praia». Outro – repleto de sabedoria arcana – lembrou o ditado «para a Hungria não leves companhia». Quando atravessámos um pequeno jardim onde dezenas de estónias despiam antes da festa os seus collants, numa apressada mudança de roupa para qualquer traje típico do seu país, parecia sexta-feira. Quando, sentados nas esplanadas, virávamos o pescoço para a esquerda e a direita e, na maior parte das vezes, para cima, num movimento espiralado capaz de dar um torcicolo duplo ao mais flexível instrutor de yoga, era sexta-feira outra vez. E no entanto…
Ao regressar, ao ver as nossas portuguesas, ao conseguir de novo vislumbrar sorrisos nas inocentes trocas de olhar que são o alimento da alma para qualquer praticante compulsivo do flirt como eu, ao vê-las descontraídas, bronzeadas, suspirei de alívio. Não sou por natureza contemplativo e muito menos adepto de refeições rápidas. Em todos os desportos que pratiquei, sempre detestei a fase de aquecimento. Pode ser que na Hungria seja sempre sexta-feira. Mas, se lá voltar, irei de novo acompanhado. Aquela não é a minha praia.
Etiquetas: A Mulher esse princípio activo do Universo
A ameaça
Etiquetas: Quotidiano
terça-feira, agosto 28, 2007
O Sporting em 1º
Tudo isto são razões suficientes para que o estimado leitor diariamente, depois do café da manhã, volte ao Corta-fitas, nem que seja só para deixar um votozinho no clube da sua preferência.
A ver quem ganha.
Etiquetas: Corta-Fitas
segunda-feira, agosto 27, 2007
As palavras dos leitores
Betty
"Como te compreendo. Acabei de tirar um gafanhoto da piscina e deixei um pouco de bolo de mel para as formigas no canteiro junto ao tanque. Imagina tu que ontem até vi o Porco do Proença fazer um favor ao Pinto. Abraço e continuação de boa evasão.
Francis C. Afonso
"Banho de campo: sabe bem e importa para não esquecer o animal que insistimos vestir de marcas."
Lis
"CRÓNICA DA FORMIGA que FOI SALVA: Senhor Correia muito lhe agradeço a possibilidade de viver mais meia dúzia de diazinhos. As minhas duas irmãs e a prima Graciete, também lhe agradecem. O resto da turma até podia ter deixado entrar na piscina, são exímios nadadores, alguns medalhados em Olimpíadas. O Tio Zé Mocho tem uma casa de meninas lá para os lados da herdade da Chaminé, fez bem em não deixar as pobrezinhas órfãs. O Paxá é um canito com muito sentido de humor, tipo CÃO FEDORENTO, os dois gatos da vizinha que saiu nas últimas páginas do seu jornal estão fartos da solidão e entre uma e outra visita ao psicólogo, vão até aí. O raio das melancias andam a fugir à fileira branquinha dos dentes e as azeitonas que não se armem em sofisticadas, porque já estão boas para a mordidela. O Xico Ranço e o Victor Bigodaça, são os dois galos das noitadas, acabadinhos de chegar do Freedom 2007, ainda estão em transe. O Ganso Zeca lidera a Capoeira, enquanto for à manicura e o Peru está adoentado, pudera, porque só pensa no Natal e já vê a vidinha dele a andar para trás.
Bem vindo ao campo, tio Correia
(não escrevo mais porque vou pôr esta carta no correio, a 17 km daqui)"
(Tiradas, com a devida vénia, da caixa de comentários do meu postal alentejano. Dedico a imagem da piscina à leitora Sofia neste dia tão quente.)
Notícias do Alentejo profundo
domingo, agosto 26, 2007
O Sporting
(De PÚBLICO, crónica A Pré-História da Minha Ida ao Futebol, 10 de Agosto de 2005)
Tomando sempre novas qualidades...
Apercebo-me hoje que o meu pai ainda esboçou uns tímidos esforços, desajeitadas tentativas de intimidade, inspiradas nos inevitáveis sinais de mudança. Mas a rigidez dos "papéis" estava-lhe demasiado impregnada. Assim como aquela solidão.
A maior "revolução" dos tempos modernos é a revelação da plena paternidade. Hoje, conhecemo-nos cedo, com a ajuda da pele e de uma orgânica cumplicidade. Com muitas canções, lenga-lengas, banhos de banheira, de mar e de mundo. Depois de tudo isto, que venha a vida toda, com os seus anunciados terrores e tempestades. Seremos mais fortes, por certo, o que já não é pouco.
Etiquetas: Fracturas expostas, Post intimista
O criador e a criatura
A ler
1. "Eduardo Prado Coelho, 1944-2007", do Francisco José Viegas.
2. "Comentar não comentando", do Paulo Gorjão.
3. "Postal de Chipre", do Vítor Matos.
4. "O icebergue", de Pedro Norton.
5. "Cocktail explosivo", do Rui Costa Pinto.
6. "Postais de férias I", de Pinho Cardão.
Domingo
Naquele tempo, Jesus dirigia-Se para Jerusalém e ensinava nas cidades e aldeias por onde passava. Alguém Lhe perguntou: «Senhor, são poucos os que se salvam?». Ele respondeu: «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir. Uma vez que o dono da casa se levante e feche a porta, vós ficareis fora e batereis à porta, dizendo: ‘Abre-nos, senhor’; mas ele responder-vos-á: ‘Não sei donde sois’. Então começareis a dizer: ‘Comemos e bebemos contigo e tu ensinaste nas nossas praças’. Mas ele responderá: ‘Repito que não sei donde sois. Afastai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade’. Aí haverá choro e ranger de dentes, quando virdes no reino de Deus Abraão, Isaac e Jacob e todos os Profetas, e vós a serdes postos fora. Hão-de vir do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e sentar-se-ão à mesa no reino de Deus. Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos».
Da Bíblia Sagrada
Etiquetas: Cristianismo, Religião
sábado, agosto 25, 2007
Descartáveis
Lembrei-me do Esquimó a propósito de um outro exemplar da mesma raça que vi aqui há dias, atarantado, a ziguezaguear pelo meio da estrada, indiferente aos carros que iam passando. Não precisava falar para se perceber o que lhe tinha acontecido. Tenho a certeza que me foi dado assistir aos primeiros momentos de aflição de um canito quando percebe que foi abandonado. Desorientado, assustado e triste, o que mais comovia na atitude do infeliz era perceber a sua incapacidade para compreender o que lhe tinham feito.
Aquela minha antiga vizinha, felizmente, nunca mais quis ter um cão. Mãe de uma única filha, agora já casada, queixa-se frequentemente do abandono a que ela a votou. Não admira. Agora, que já está velha e doente, tem sorte se não for despachada para um daqueles lares onde os velhos não duram mais de dois meses...
EPC
Ao momento
sexta-feira, agosto 24, 2007
Mendes strikes back
P. S. - João, os seus desejos são ordens.<>
Na barra lateral...
Agora, o novo questionário refere-se ao outro mediático circo, desta feita o lúdico campeonato de futebol que tanta paixão irradia, que com tanta discussão nos anima a cada época. Para o bem e para o mal, "a bola" marca inevitavelmente o nosso calendário, quer se goste quer não. Eu sou dos que alinham, dos que o consomem, sem complexos. Já a politica, é diferente, consome-me a mim.
Etiquetas: Corta-Fitas
Porque hoje é sexta-feira
When a man loves a woman
Can't keep his mind on nothing else
He'll trade the world
For the good thing he's found
If she's bad he can't see it
She can do no wrong
Turn his back on his best friend
If he put her down
When a man loves a woman
Spend his very last dime
Tryin' to hold on to what he needs
He'd give up all his comfort
Sleep out in the rain
If she said that's the way it ought to be
Well, this man loves a woman
I gave you everything I had
Tryin' to hold on to your precious love
Baby, please don't treat me bad
When a man loves a woman
Down deep in his soul
She can bring him such misery
If she plays him for a fool
He's the last one to know
Lovin' eyes can't ever see
When a man loves a woman
He can do no wrong
He can never own some other girl
Yes when a man loves a woman
I know exactly how he feels
'Cause baby, baby, baby, you're my world
When a man loves a woman...
(Percy Sledge)
High in the sky
quinta-feira, agosto 23, 2007
História de algibeira (27)
Música de todos os tempos (17)
Eagles - "Hotel California"
Os Eagles estão de volta. 28 anos depois regressam ao estúdio e à estrada.
quarta-feira, agosto 22, 2007
Da Hungria, com amor (2)
De uma cultura vivida assombrosa, os húngaros. Perto do crepúsculo, deslumbrados, ouvimos um violinista prodígio com nove anos de idade e que o mundo descobrirá certamente dentro em breve. Ouvimo-lo numa sala de estar de uma casa em Buda. A criança toca lendo uma pauta que praticamente desconhece, com a segurança só possível aos dotados com a aura do puro génio. O resultado emociona-nos. Muito mesmo. Noutra cidade, a 5 quilómetros da fronteira com a Sérvia, um museu expõe gravuras de Goya e de William Blake. Em cada esquina, livrarias e alfarrabistas. O primeiro livro que compro, por acidente ou não, é de um dos melhores poetas húngaros contemporâneos, János Pilinszky. Com poemas como este:
PATHOGRAPHY AND SWANSONG
A white arm from a snow-white mirror,
Da Hungria, com amor (1)
Na Hungria - ó minha chocada e agora para sempre definitivamente perdida horda de leitores - sempre que libertamos aquilo que as entranhas rejeitam, esse mesmo aquilo tomba e permanece num planalto de louça, imóvel, expectante, em diálogo com os nossos piores receios e maiores incertezas, passível de ser removido pela enxurrada do autoclismo, é certo, mas não sem que antes tenhamos sido confrontados com a inevitabilidade do nosso mais secreto e indesejável interior.
É certo que nenhum húngaro sai de casa sem antes ficar informado, até à exaustão, sobre o seu estado de saúde e tudo o que não conseguiu digerir na refeição anterior, apesar desse milagre vegetal que é a paprika. Mas, ao mesmo tempo, é também confrontado com a maior cacetada ontológica que alguém pode receber. Nós somos o que comemos, como alguém disse. Mas também o que, daquilo que comemos, libertamos. Na Hungria, a retrete é o nosso espelho mais profundo. A porta indesejável que se abre para a saída final.
Tesourinho?
Há coisas que devem ser partilhadas e os blogues servem para isso mesmo. Por isso, para quem também tenha andado fora deste universo, aqui fica uma pérola, um tesourinho (deprimente?) ou aquilo que lhe queiram chamar.
Nel Monteiro - "Puta vida merda cagalhões”, aqui.
Na mesma, como a lesma
Antes do relato das minhas peripécias húngaras, confesso que não esperava que a grande causa de agitação - durante o período em que estive ausente - fosse a invasão de um campo de milho por uma organização com nome de cooperativa vinícola e debaixo das barbas de uma GNR complacente. Quanto ao resto, o Benfica trocou de treinador para continuar na mesma, Paulo Teixeira Pinto deixou a Opus Dei e o granel em torno da AG do BCP continua na mesma, o relatório que vinha de Inglaterra ainda não veio e o caso Maddie continua na mesma, a ERC faz mais um relatório a dizer que não passa nada como todos os outros e na mesma continua. Entretanto, Menezes e Mendes cortejam Manuela Ferreira Leite, figura chave para garantir que, no PSD, nada fique diferente. Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes, dizia-se durante a invasão de Junot. Nos dias que correm, parece que a única coisa que nos invade é o tédio.
Wikipédia mexe e é mexida pelos nossos políticos
Depois de José Sócrates, agora é Luís Filipe Menezes que se vê a braços com uma polémica relacionada com o uso da Wikipédia, a maior enciclopédia online do mundo. O "lapso" que o Público revela hoje não é nada bonito. Nada.
A ler:
1. "Menezes", por Paulo Tunhas.
2. "O plagiador de Gaia", por Miguel.
Branco mais branco não há
terça-feira, agosto 21, 2007
Um Governo sem ninguém ao leme
O imperador da música pimba (no mínimo)
Agosto
Que vento! No areal vai estar desagradável, detesto levar com areia na cara. Melhor apanhar sol na esplanada, naquela que tem uma protecção ideal para estes dias. (...) Oh!! Está cheia!
Marcelo sobre o seu ex-amigo Portas
Marcelo Rebelo de Sousa, em entrevista ao Diário Económico
Let's fly
O Corta-Fitas aplaude o regresso da aeromoça, como dizem os brasucas, que faz o blogue A Passarinha.
A barbearia
O que me lembro do meu barbeiro ali na Rua Almeida e Sousa em Campo d’Ourique, era das suas mãos lavadas e relógio dourado no pulso. Sempre de impecável bata branca e de conversa fácil, com os seus dedos duros e frios a endireitarem firmemente a minha cabeça fugidia. Lembro-me das pinceladas de sabão morno, e do raspar da navalha afiada na nuca e nas patilhas inexistentes. Era parte dos procedimentos. Lembro-me do fatal calendário de “garagem” com uma loira bem curvada, do horário e dos diplomas emoldurados. Também sobressaiam, ao lado dos grandes espelhos, umas fotografias a preto-e-branco de garbosas e antiquadas cabeleiras, bem penteadas com Bel Hair ou Restaurador Olex. Fascinavam-me também os pesados cadeirões em ferro pintado, onde me sentava soerguido num caixote “adaptador” para as crianças pequenas. E do estofo de cabedal redondo, que com duas espanadelas, se virava do avesso para assento do cliente seguinte. Naquele pequeno espaço, os homens comentavam as banalidades da política e do futebol, ao som do Rádio Clube, com as tesouras sempre a cortar, a cortar, em golpes ritmados, tchic, tchic, tchic, tchic. Depois, vinha aquela pergunta redentora: “o cabelinho é para molhar?” Finalmente o sacrifício acabava, era tempo de voltar para as brincadeiras, para casa ou para a praceta, com os cabelos caídos a picar nas costas.
Um dia destes, aburguesado e imprudente com as pressas, descobri perto do escritório um moderníssimo Cabeleireiro de Homens, cheio de paninhos quentes e inauditas mordomias. Surpreendi-me logo com o pretensioso recepcionista, de modos efeminados, casaco fantasia e gravata Disney que confirmava a marcação. Sentado na sala de espera, procurei em vão literatura apropriada, o Record ou o Correio da Manhã para me entreter. Só descobri as brochuras dos milagrosos produtos capilares. Logo uma menina, de rabo bamboleante, se abeirou de mim perguntando-me se eu queria arranjar as unhas... Eu, arranjar as unhas?!? Notei também as conversas dum cliente com a manicura, talvez um bem sucedido gestor de Import - Export, que me soou excessivamente íntima. O homem emitia confiantes e bombásticas opiniões, sobre a política e as finanças “de cordel”. Quando, de cabelos lavados, cheguei às mãos da decotada cabeleireira, balbuciei que não queria modernices, o que a deixou visivelmente contrafeita. Depois, veio uma jovem estagiária oferecer uma massagem capilar... e um café. No final paguei 25.00€. Nunca me saiu tão cara uma bica...
Duas semanas depois, quando o cabelo mal cortado definitivamente não assentava mais, decidi-me a visitar o velho e fiel barbeiro aqui de S. João do Estoril. Decidi-me a perder uma manhã de Sábado a ler o Record e o Correio da Manhã, e cortar o cabelo como deve ser. Ouvindo o Jogo da Mala e o Bola Branca em ondas médias, sem paninhos quentes ou embaraçosas mordomias. Afinal um conservador é um conservador.
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segunda-feira, agosto 20, 2007
Cavaquês
Aníbal Cavaco Silva sobre a necessidade de correcção do défice.
"A violação de propriedade privada é uma violação da lei e espero bem que as autoridades competentes não deixem de fazer as investigações necessárias"; "não pode restar quaisquer dúvidas de que lei em Portugal é para ser cumprida e quem tem o poder para a fazer cumprir não pode deixar de utilizá-lo".
O Presidente da República, sobre a invasão da Herdade da Lameira.
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Ao ter dito o que disse sobre a infeliz invasão da Herdade das Lameiras, Cavaco Silva quis deixar claros dois pressupostos. Primeiro, é preciso que se investigue como foi possível aquela invasão, acompanhada de câmaras de televisão, acrescento. Se lá estavam, é porque foram avisadas e porque a invasão estava a ser programada há muito. Ou seja, se as televisões sabem, a GNR também já deveria saber. Logo deveria ter actuado antes do acontecimento, de forma a evitá-lo.
Ponto dois: quando o PR diz que quem é detentor do poder deve saber "utilizá-lo", está subjacente, para mim, um mais que óbvio puxão de orelhas. A autoridade é para ser exercida, com responsabilidade.
Assim, de repente, apetece-me lembrar a quem anda distraído que o Presidente da República, só nos últimos tempos, vetou o novo Estatuto do Jornalista, a lei das incompatibilidades da Madeira voltou para trás e ainda teve dúvidas sobre o acesso do fisco às contas dos particulares. Quem disse que Cavaco Silva está quieto e calado?
O assalto e o papel da GNR
Parece que o ministro Jaime Silva, responsável pela pasta da Agricultura, vai hoje visitar a Herdade da Lameira, onde atacaram os "activistas". É pouco, digo eu. Porque o caso não tem só a ver com a contestação aos organismos geneticamente modificados, a legalidade ou a ilegalidade da plantação. Para mim, tratou-se de uma invasão de propriedade privada, que ainda por cima foi filmada em directo e a cores pelas televisões, pela certa devidamente avisadas pelos "activistas". Nessas filmagens o que eu vi foi uma GNR passiva, nada actuante perante um bando de encapuçados e com uma única preocupação: aparecer bem nas televisões. Ora, este é um caso que mina a autoridade do Estado, deixa-nos a todos nós preocupados com o que será a actuação de uma força de segurança num caso que se passe connosco. Com as nossas terras, os nossos bens, as nossas vidas. Em mais uma coisa estou de acordo com Mendes: tem que haver consequências. Uma força que actua com aquela passividade e bonomia numa invasão só pode estar corroída pela inércia e pelo desrespeito à sua função legal. Isto ainda é um Estado de Direito, ou não?
Chicote
Parece que o homem que ficou conhecido por "engenheiro do penta" vai deixar aquele clubezeco do outro lado da Segunda Circular. Que pena, eu achava que ele era uma mais-valia...
domingo, agosto 19, 2007
A estupidez num campo de milho
Sou completamente contra os transgénicos e, por isso, acho que há poucas coisas mais estúpidas do que destruir um campo onde eles são cultivados. Os manifestantes poderiam ir lá, chamar a Imprensa, fazer um número qualquer, destruir simbolicamente duas ou três maçarocas, mas fazer aquela invasão num país com memória de pequenos proprietários rurais, onde quase toda a gente tem, ou teve, um "quintalinho" ou uma horta (ou são os pais, ou os irmãos ou cunhados ou os amigos que têm) e destruir "o fruto do trabalho" é de uma imbecilidade exasperante. Ainda se a propriedade pertencesse a um grande latifundiário, um banco ou algo do género, em termos de opinião pública, e não de legalidade, seria um pouco melhor. Mas não há nada a fazer, esta gente destrói tudo o que toca com a sua estupidez militante.
Silly, me?
O poder na rua II
Imagem daqui
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Cinema Nostalgia (7)
A ternura entre dois homens heterossexuais é sempre tão difícil de gerir... É isso que nos comove em Cinema Paraíso, aquela amizade entre ele e o velho projeccionista cimentada pela paixão comum pelo cinema. Um amor construído aos repelões, tão desajeitado como o amor entre dois machos pode ser, sancionado apenas pelo fosso geracional que lhes permitia, enfim, uma certa liberdade, a mesma que é concedida a pais e filhos.
E foi com a autoridade moral de um pai que Alfredo - a personagem inesquecível de Philippe Noiret - tantas vezes o escorraçou da cabine de projecção, a defendê-lo do sacrilégio do cinema, daquela escravidão. Um esforço inglório, como se viu... e que nós celebramos a partir da plateia, conscientes como em nenhum outro filme do poder hipnótico do cinema...
A par desta bela amizade assistimos ainda à descoberta do amor romântico com a música de Enio Morricone em fundo, sempre ela. É impossível não nos comovermos com a generosidade daquele coração musculado por dezenas e dezenas de fade ins e fade outs a pontuar os melhores momentos de tramas onde os heróis mostram como se conquista uma dama. Tivesse ele passado a infância a jogar à bola e seria capaz de ficar assim, noite após noite, de olhos presos naquela janela?
São escassos os momentos em que a acção nos conduz ao tempo presente. Mas embora não estejamos a vê-lo deitado, distraído da mulher que tem ao lado, é sempre através dos seus olhos que assimilamos tudo. Daí a nostalgia, sempre tão evidente e a nossa situação de privilégio que nos permite adivinhar até o somatório de amores sem história que lhe aconteceram desde então e o transformaram no parente improvável daquele adolescente com tanta capacidade para amar. Cinema Paraíso, a obra-prima de Giuseppe Tornatore, realizada em 1988, e que venceu o Óscar para melhor filme estrangeiro e o Grande Prémio do Júri do Festival de Cannes, é uma das histórias de amor mais bonitas a que alguma vez assisti. Pena obrigar-me, de cada vez que o revejo, a puxar do lenço na cena final. A dos beijos, pois!