sexta-feira, agosto 31, 2007

Ai, ai, ASAE

Num destes dias de praia caí na imprudência de ler uma breve numa página de jornal que me voou para os pés que dava conta de uma investida da ASAE numa feira de sexo no Algarve. Os inspectores tinham apreendido uma série de artefactos que não tinham instruções em português. A partir desse momento, sofri um pesadelo recorrente: a ASAE entrava em minha casa na minha ausência e levava-me umas aspirinas fora de prazo e uns bifes que deixei no congelador.
De regresso a casa constatei, aliviada, que os meus bifes foram poupados. A mesma sorte não tiveram as meninas Trim Trim nem o Paulo Teixeira Pinto. Algo me diz que, a seguir, vai o Almerindo Marques.

New age

O moderníssimo aparelho do meu carro lê os CDs em MP3. Neste “formato” cabem quase vinte álbuns num simples CD de 700 megas. A fartura é tanta que o pobre desconfia. Com o ouvido atento, apercebo-me como o processo de compactação digital nos defrauda, prescindindo de tantos “bites e baites”, aparentemente redundantes. Ou eliminando os sons considerados inaudíveis ao ouvido "comum". Confesso que aquele som, redondo e de plástico, ao princípio até soa agradável. Mas ficamos com a ausência da alma, dos sombreados, dos degradés e das texturas mais subtis da peça. Desvanece-se a profundidade e o relevo, a coloração sonora impressa pelo espaço, pela sala ou pelo estúdio e os seus materiais.
Chegado a casa, cedo à urgência: ligo o amplificador, ponho a rodar o gira-discos, fecho a porta, ajusto o volume, ponho cuidadosamente o vinil a reproduzir o órgão de Tom Koopman, tocando a Tocata e Fuga BWV 565 de Bach. Respiro profundamente e deixo-me ir.
Infelizes os satisfeitos com o que os seus humanos e precários sentidos alcançam. Vendo pouco e crendo pouco. Conformados. Tantas vezes cínicos.

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Paulo Teixeira Pinto

Na hora em que se concretiza a saída de Paulo Teixeira Pinto de presidente do Conselho de Administração do Millennium BCP, e a sua substituição por Filipe Pinhal, não posso deixar de sublinhar que foram dois anos e cinco meses de audácia e de inteligência. Mas, infelizmente, e ao contrário do que diz o lema, nem sempre a sorte protege os audazes. PTP soube querer crendo, os ventos é que nem sempre estiveram de feição. Fica assim disponível para outros voos.

Vinte cidades que jamais esquecerei (XX)


SALZBURGO.
"Uma cidade que prolonga os sons até aos ouvidos de Deus."
(Ruben A.)

Pretéritas Sextas (II)

Laura Elliott... Porque sim.

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Porque hoje é sexta-feira

"Meu homem moderno tem orgasmos longos, erecções vítreas e telescópicas, meu homem feliz é bem informado e cínico, conhece bem as tragédias modernas mas se lixa para elas, não por maldade mas por uma crua "maturidade", um alegre desencanto. Meu homem vive em velocidade. O mundo da Internet, do celular, do mercado financeiro global imprimiu-lhe seu ritmo, dando-lhe o glamour de um funcionamento sem corrosão, uma eterna juventude que afasta a morte.
Meu homem feliz intui confusamente, que a aventura da verdadeira solidão é apavorante. Daí ele evita que qualquer profundidade existencial possa pintar, que a ideia de morte e finitude apareça à sua frente, senão sua "liberdade" ficava insuportável. E aí ele passa a viver um paradoxo: ligar-se sem ligar-se. Ele percebe que precisa do casamento protector como uma esperança de "sentido". Aí, ele se casa, entre risos dos amigos, como se tivesse cedido a uma fraqueza. E viverá infeliz, numa eterna insatisfação" - Arnaldo Jabor

Sexta-feira

Ana Beatriz Barros.

Confissões*


Vá lá, é quase uma da manhã e sinto-me generoso. Tão generoso que vou revelar alguns segredos até agora bem guardados, num espírito de partilha e dádiva com base naquele que foi o meu último dia de férias antes da partida para Barcelona. E são eles:
1. A piscina do Hotel da Quinta da Marinha (a do cavalheiro entre poucos que é José Carlos Pinto Coelho, não o de Miguel Champalimaud que...enfim...me prescindo de classificar) é de borla. Sim! Grátis! Sempre foi. O hotel tem agora cinco estrelas mas os mergulhos não custam um tostão. Se quiserem uma club sandwich ou uma cerveja servida como deve DE ser, estão à vontade. Se não, ninguém vos chateia. Qualidade de serviço.
2. O restaurante de Oitavos é também casa de chá. Pouca gente o visita em plena tarde. Tem uma vista que valha-me Deus. Chás e três scones a 4,50€, gin tónico a 3,50€. Uma vista que devolve a vida a qualquer um e uma paz que dá vontade de morrer. Pecado mortal, como é o de pensar em coisas sérias num sítio daqueles, a não ser para prometer noivado, casamento ou divórcio.
3. E Pecados é, imaginem vossas senhorias, o nome do restaurante em Paço de Arcos, mesmo junto ao jardim e à Marginal. Um pregado de quilo e meio, fresco fresco. Com grelos à séria a acompanhar, mas promessa de empada de perdiz e feijoada de leitão para quando o Verão terminar. O conhecedor Dante serve à mesa com a sabedoria minhota de quem percorreu o País de lés a lés e, na cozinha, o alentejano Ti Inácio garante a qualidade de vida e dos alimentos. A mesma qualidade de vida que existe ainda, em lugares como estes que mencionei. Não precisam de agradecer. Só de aparecer.
*Título roubado ao senhor Jean-Jacques Rousseau

quinta-feira, agosto 30, 2007

Cinema Nostalgia (8)


Cinema é festa. E às vezes a festa espreitava em frestas do quotidiano, nos longos serões tropicais sulcados de sons nocturnos: o vagido do morcego, o grunhido da osga, o zumbido de besouros em demanda de luz. Era uma festa quando o meu pai instalava o projector de super 8 e exibia filmes para nós, garotos sem televisão, ávidos de ver imagens em movimento. Vinham colegas da escola, juntávamo-nos a beber limonada, indiferentes ao toqué na parede que acabava de engolir mais um mosquito – o grande lagarto pintalgado cuja presença, acreditavam os velhos em Díli, dava sorte às casas que os acolhiam.
Noite mansa no amplo bairro do Farol – o oceano, pacífico, alongava-se em frente. Barcos artesanais de pescadores rumavam ao largo, na sua faina diária. Havia vagas luzes de petromax em Ataúro, várias milhas náuticas adiante. Mas na varanda que circundava a moradia os olhos infantis só estavam concentrados na tela onde desfilavam as imagens. Filmes em super 8: pequenas bobinas extraídas de caixas quadrangulares e que se fixavam na parte mais recuada do projector. Começavam a girar e o cinema acendia-se na varanda, sob a ritmada vigilância das ventoinhas de tecto que mal disfarçavam o calor repassado de humidade. No chão, pivetes de incenso procuravam pôr os insectos à distância, empurrando-os na direcção das osgas e do tranquilo toqué que parecia petrificado, as ventosas das patas bem fixadas nas paredes.
O stock era limitado: mas revíamos sempre cada filmezinho ou cada documentário como se fosse a primeira vez. Uma versão condensada d' O Homem Invisível, de James Whalen: ainda hoje sinto um ligeiro arrepio quando recordo Claude Rains a tirar as insólitas ligaduras que lhe cobriam o rosto. Rio Grande, em formato pequeno. Lá surgia John Wayne de bigode e farda confederada despedindo-se da inconsolável Maureen O’Hara. Os Harlem Globettroters fazendo acrobacias nunca vistas em recintos de basquetebol. Os golos de Pelé e Jairzinho no inesquecível Campeonato do Mundo de 1970.
E havia os desenhos animados. O imparável Woody Woodpecker, esse endiabrado picapau que fez as delícias da minha infância. Speedy Gonzalez, o rato que corria mais rápido do que a própria sombra. Dick Tracy, o detective que solucionava todos os casos enquanto falava ao telefone com o relógio de pulso.
E havia as velhas comédias mudas, do tempo em que se usava pêra e cartola, que uma vez e outra e outra nos faziam irromper em gargalhadas. A luz projectava-se no ecrã branco, a bobina começava a girar e aparecia o rosto familiar de Charlot comendo sempre a mesma bota que já comera em tantas outras noites. Ou os inconfundíveis Bucha e Estica, que levavam o caos à mais pacífica das ruas, pondo impávidos cidadãos à batatada. E pondo-nos a rir até às lágrimas, apesar de sabermos cada cena de cor. Absurdamente felizes sem sabermos que o éramos – putos europeus longe do conforto europeu, nessas horas longínquas em que o Super 8 substituía os canais televisivos que não chegavam a Timor. E em que o popular projector fazia parte da mobília – e da família.
Por vezes sinto uma nostalgia imensa dessas improvisadas noites cinéfilas. E do toqué lá de casa. E daquelas ventoinhas que rodavam no tecto enquanto o Dick Tracy, o John Wayne e Laurel&Hardy alimentavam sem cessar os nossos sonhos.

A força está com ele

O veto político do Presidente da República à Lei Orgânica da GNR é mais um sinal forte de que o Governo começa a perder o pé. É também mais um sinal de que a tal cooperação estratégica só existe e só funciona quando estão em causa princípios básicos do relacionamento institucional entre Belém e São Bento. Aníbal Cavaco Silva não abdicará nunca do seu espaço de manobra e da sua influência cada vez mais decisiva no corolário do processo legislativo.
Ao vetar aquele diploma, Cavaco Silva quis deixar expresso que não permitia que o Governo socialista, por sua auto-recriação e contra todos os outros partidos políticos do arco constitucional, decidisse lançar uma espécie de quarto ramo das Forças Armadas. Fazendo-o, ainda por cima, à revelia do seu Comandante Supremo, o Presidente da República.

As razões invocadas pelo Chefe de Estado parecem-me perfeitamente lógicas. Que sentido faz, com três ramos das Forças Armadas, fazer equivaler um comandante-geral da GNR aos outros chefes militares? Ainda por cima quando se sabe que o chapéu político dos três ramos (Exército, Marinha e Força Aérea, que dependem do Ministério da Defesa Nacional) não seria o mesmo desse novo ramo? A GNR iria continuar sob a alçada da Administração Interna, só que fazendo deste ministro um titular de um autêntico exército pessoal, visto que o projecto visava ainda o lançamento de uma subcategoria profissional de oficiais generais: "Estas alterações não favorecem a necessária complementaridade entre as Forças Armadas e a Guarda Nacional Republicana e contendem com o equilíbrio e a coerência actualmente existentes entre ambas e com o modo do seu relacionamento, podendo afectar negativamente a estabilidade e a coesão da instituição militar por que ao Presidente da República cabe zelar, também pela inerência das suas funções de Comandante Supremo das Forças Armadas", sublinhou, e bem, Cavaco Silva.
Para já, o "saldo" é de quatro vetos políticos (Lei da Paridade, Estatuto do Jornalista, Responsabilidade Extracontratual do Estado e Orgânica da GNR).
Depois deste último veto, o PS pode insistir na sua e fazer aprovar com a sua maioria no Parlamento o mesmo texto. Acredito, por seu interesse, que não o fará. Neste último caso, e perante os reparos do Presidente, iria abrir brechas graves no relacionamento com Belém. Acredito que o Governo não quer entrar por caminhos mais bélicos. Basta perceber que errou e emendar a mão.

João, este é para ti

Caríssimo João Gonçalves,
Desculpa só te responder agora, mas estive uns dias de molho e sem acesso a estas coisas da blogosfera. Claro que fui informado sobre este teu post, ao qual respondo com cortesia, dizendo-te que o teu interesse revela que não só aquela matéria era notícia, como pelos vistos estás à espera de follow-up. Pois bem, fica sossegado que, mal saiba de novidades, não deixarás de ser o primeiro a saber.
Já agora, quem promoveu a senhora de que falas a vice-presidente da Comissão Política Nacional do PSD foi José Manuel Durão Barroso, não Pedro Santana Lopes. Fica a nota.

Vinte cidades que jamais esquecerei (XIX)


BANGUECOQUE.
"Lá estava ela, amplamente espalhada pelas duas margens, a capital do Oriente, aquela cidade ainda isenta da conquista branca."
(Joseph Conrad)

Na morte de Umbral (1)

Habituei-me, durante anos, a comprar El Mundo por causa das crónicas de Francisco Umbral: era obrigatório começar a ler o jornal pela última página, onde o escritor tinha há quase 18 anos a sua coluna Los Placeres y los Dias. "O prazer da leitura" - essa expressão que Bárbara Guimarães transformou em lugar-comum - tinha aqui pleno cabimento: Umbral dava prazer aos seus leitores (mesmo aos que discordavam dele) com o seu estilo mordaz, irónico, inconfundível. Era, a um tempo, moderno e clássico. Tanto se perdia por saborosíssimas digressões nostálgicas como abordava as mais quentes questões da actualidade. Sempre com uma voz própria, inimitável. Ele, que não era fértil em elogios, certa vez elogiou Camilo José Cela por saber "escrever vivendo e viver escrevendo". Poder-se-ia dizer o mesmo deste amante de charlas e tertúlias que "elevou a coluna de jornal a um género literário", como bem assinalou Pedro J. Ramírez, director de El Mundo. O mesmo que já tinha acontecido, no Brasil, com Rubem Braga e Nelson Rodrigues - género hoje prolongado por Luís Fernando Veríssimo e Arnaldo Jabor. Nada encontramos de semelhante na imprensa portuguesa.
Francisco Umbral morreu. Foi a pior notícia deste mês, uma das piores notícias deste ano.

Na morte de Umbral (2)

Li apenas um romance de Umbral. Mas foi um livro que me prendeu ainda mais à sua escrita: Madrid 1940 (editado em 1993). Era a história de um pequeno canalha de província que prospera como delator na capital franquista - a exemplar autópsia da ditadura "nacional", que se alimentava destes canalhas. Nas páginas de Madrid 1940 vemos desfilar a sociedade madrilena desse tempo: as fardas, as batinas, a intelectualidade de café, os toureiros, os cançonetistas, os viracasacas de várias espécies. "Aquilo a que Franco chamava Unidade Nacional não era senão a unidade em torno dele, e eu via isto sem mais malícia nem cinismo que os outros, pois penso que todos eram cínicos", observa o protagonista deste romance escrito na primeira pessoa do singular.
Madrid 1940 tem chancela portuguesa da Campo das Letras (com prefácio de José Saramago). Certamente por distracção minha, desconheço outros títulos de Umbral lançados em português - e ele é autor de cerca de cem obras, entre ficção, crónica e ensaio. Jamais entenderei este desinteresse generalizado das editoras portuguesas pelo que se vai produzindo em Espanha, ressalvando aqui casos pontuais como o da Dom Quixote, que nos últimos anos tem alterado esta tendência (o que não admira, pois passou a ser propriedade espanhola).
Mais criticável ainda é a cultura televisiva portuguesa, que concede todas as parangonas a um futebolista do Sevilha, falecido no mesmo dia de Umbral, enquanto praticamente esquece o grande escritor espanhol. O que justificou a deslocação de um enviado especial da RTP a Sevilha, por exemplo? O jogador, de 22 anos, marcara o "golo decisivo que pôs o clube na rota das grandes competições europeias". Nem mais. Afinal o que valem cem livros comparados com um só golo?

quarta-feira, agosto 29, 2007

Gostei de ler

Presidencialismo. Do Eduardo Pitta, no Da Literatura.
Pode repetir, sff? Do Paulo Gorjão, na Bloguítica.
Leis 'à la carte'. Do João Caetano Dias, no Blasfémias.
Sol na moleirinha. Da Leonor Barros, na Geração Rasca.
O último analista absoluto. Do João Gonçalves, no Portugal dos Pequeninos.
A sociedade fechada e os seus inimigos. De Miguel Morgado, n' O Cachimbo de Magritte.
Nacionalidade. Do Francisco José Viegas, n' A Origem das Espécies.
Notas soltas. Do Tomás Vasques, no Hoje Há Conquilhas.
A "orquestra negra". De Miguel Cardina, no Passado/Presente.
Aquela vontade de ir. De Rui Bebiano, n' A Terceira Noite.
William Vance. De António Teixeira, no Herdeiro de Aécio.
Filiações. De Ana Vidal, na Porta do Vento.
Liberdade. De Jorge Assunção, no Despertar da Mente.
Pastelaria Avenida. De Henrique Fialho, na Insónia.

A ERC deve estar de férias

Ao fim de vários dias de jejum informativo, acompanho as notícias na televisão pública. Fico a saber que o ministro Rui Pereira, convocado pela oposição, prestou declarações no Parlamento a propósito dos meios aéreos de combate aos incêndios já adquiridos pelo Estado português mas ainda não utilizados neste Verão por alegados motivos burocráticos. Ouço várias declarações do ministro na peça da RTP. Mas nem um pio dos deputados da oposição. Presumo que os membros da ERC ainda estejam de férias. E a famosa "fita métrica" que instituiram para validar o rigor dos noticiários televisivos deve ter ido de férias com eles.

Vinte cidades que jamais esquecerei (XVIII)


PANGIM.
"Minúscula e asseada cidade de província, com os seus edifícios oitocentistas caiados, Pangim nada tem a ver com a 'terra esquecida dos deuses' que Lady Burton descrevia há um século."
(Graham Greene)

Eduardo

O meu último moleskine preto, não de linhas mas quadriculado, foi-me oferecido pelo Eduardo Prado Coelho. Começou por se enganar na oferta e presenteou-me com uma bolsinha para colocar moedas, daquelas de homem, que tinha comprado para si. Fez questão de sair do restaurante e ir ao carro buscar a lembrança certa bem como alguns dos seus livros.
Escreveu: Para a Inês, esperando que escreva todos, mas todos os dias.
Este é para si Eduardo. Também esperando que continue a escrever todos, mas todos os dias.
Um grande beijinho

Basta de paprika


Quantas vezes, na Hungria, eu e o Luís Naves recordámos com estima o nosso FAL. Pensávamos que ali ele viveria feliz. Cansado, porventura, mas feliz. A paisagem humana convidava a um périplo constante e deslumbrado. Apesar do calor de Agosto, as raparigas pareciam embalagens daquelas pré-congeladas, vistosas e coloridas, mas imprestáveis antes de aquecidas durante alguns minutos no micro-ondas.
Antes de partir, alguém me avisara que levava «areia para a praia». Outro – repleto de sabedoria arcana – lembrou o ditado «para a Hungria não leves companhia». Quando atravessámos um pequeno jardim onde dezenas de estónias despiam antes da festa os seus collants, numa apressada mudança de roupa para qualquer traje típico do seu país, parecia sexta-feira. Quando, sentados nas esplanadas, virávamos o pescoço para a esquerda e a direita e, na maior parte das vezes, para cima, num movimento espiralado capaz de dar um torcicolo duplo ao mais flexível instrutor de yoga, era sexta-feira outra vez. E no entanto…
Ao regressar, ao ver as nossas portuguesas, ao conseguir de novo vislumbrar sorrisos nas inocentes trocas de olhar que são o alimento da alma para qualquer praticante compulsivo do flirt como eu, ao vê-las descontraídas, bronzeadas, suspirei de alívio. Não sou por natureza contemplativo e muito menos adepto de refeições rápidas. Em todos os desportos que pratiquei, sempre detestei a fase de aquecimento. Pode ser que na Hungria seja sempre sexta-feira. Mas, se lá voltar, irei de novo acompanhado. Aquela não é a minha praia.

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A ameaça

Os incêndios no Peloponeso, a que pela TV assistimos atónitos do sofá, devem preocupar-nos profundamente. Apesar daquela estranha língua, os protagonistas, a acção e os cenários são-nos demasiado familiares. Depois, suspeito que aquela catástrofe não ocorre em Portugal apenas por mero circunstancialismo meteorológico. Quando, perante a estatística dos incêndios em Portugal este Verão, as autoridades se vangloriam da eficiência alcançada, fico desconfiado. É fácil atirar “postas de pescada” quando as circunstâncias são favoráveis, e manda a prudência um pouco de modéstia. Que a floresta, quando arde, chamusca qualquer governo.

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terça-feira, agosto 28, 2007

O Sporting em 1º

Depois não nos digam que não avisámos: o inquérito dos palpites prá bola aí na barra lateral, ao fim de quatro dias, já leva 157 votos e o Sporting vai destacado. E sabem porquê? Porque aquele voto se pode renovar diariamente. Trata-se de um autêntico campeonato virtual e interactivo. Tecnologia limpa, sem o patrocínio do Simplex ou ajudas de Bruxelas.
Tudo isto são razões suficientes para que o estimado leitor diariamente, depois do café da manhã, volte ao Corta-fitas, nem que seja só para deixar um votozinho no clube da sua preferência.
A ver quem ganha.

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Impressões Musicais (13)

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segunda-feira, agosto 27, 2007

As palavras dos leitores

"Com que então, no Alentejo, a melhor terra de Portugal. O contacto com a natureza dá-nos forças para lutar contra o socratismo. O Alentejo só tem um problema: é o Alqueva. Morreu. Passou a cano de esgoto de Badajoz e outras terras espanholas. As águas já estão contaminadas. Há pessoas que já tiraram de lá os barcos."
Betty
"Como te compreendo. Acabei de tirar um gafanhoto da piscina e deixei um pouco de bolo de mel para as formigas no canteiro junto ao tanque. Imagina tu que ontem até vi o Porco do Proença fazer um favor ao Pinto. Abraço e continuação de boa evasão.
Francis C. Afonso

"Banho de campo: sabe bem e importa para não esquecer o animal que insistimos vestir de marcas."
Lis

"Podia ter colocado o 'ponto' logo a seguir ao 'afogados', dispensando o 'na piscina'. Dessa forma teria um texto profundamente alentejano. Mas não. A atracção pela divulgação do pormenor pequeno-burguês falou mais alto. Não há pachorra. Acho que vou mesmo desistir do Corta-Fitas..."
Sofia
"CRÓNICA DA FORMIGA que FOI SALVA: Senhor Correia muito lhe agradeço a possibilidade de viver mais meia dúzia de diazinhos. As minhas duas irmãs e a prima Graciete, também lhe agradecem. O resto da turma até podia ter deixado entrar na piscina, são exímios nadadores, alguns medalhados em Olimpíadas. O Tio Zé Mocho tem uma casa de meninas lá para os lados da herdade da Chaminé, fez bem em não deixar as pobrezinhas órfãs. O Paxá é um canito com muito sentido de humor, tipo CÃO FEDORENTO, os dois gatos da vizinha que saiu nas últimas páginas do seu jornal estão fartos da solidão e entre uma e outra visita ao psicólogo, vão até aí. O raio das melancias andam a fugir à fileira branquinha dos dentes e as azeitonas que não se armem em sofisticadas, porque já estão boas para a mordidela. O Xico Ranço e o Victor Bigodaça, são os dois galos das noitadas, acabadinhos de chegar do Freedom 2007, ainda estão em transe. O Ganso Zeca lidera a Capoeira, enquanto for à manicura e o Peru está adoentado, pudera, porque só pensa no Natal e já vê a vidinha dele a andar para trás.
Bem vindo ao campo, tio Correia
(não escrevo mais porque vou pôr esta carta no correio, a 17 km daqui)"



(Tiradas, com a devida vénia, da caixa de comentários do meu postal alentejano. Dedico a imagem da piscina à leitora Sofia neste dia tão quente.)

Notícias do Alentejo profundo


Com um abraço ao Vítor, excelente anfitrião

Hoje salvei cinco formigas, um besouro, uma aranha, um gafanhoto e até dois louva-a-deus de morrerem afogados na piscina. Vimos um mocho imobilizado no asfalto da estrada: apeteceu-me logo adoptá-lo, mas ele parece ter-me adivinhado os pensamentos e não tardou a bater asa. O Paxá, um rafeiro alentejano de cinco meses, não pára de trincar as bolotas que caem dos sobreiros: é um brincalhão incorrigível. O pequinois Papu teima em mandar no outro cão, cinco vezes mais pesado. Dois gatos que viviam no monte de uma vizinha há pouco falecida começam a habituar-se a vir aqui comer, ganhando palmos de terreno em cada fim de tarde. As melancias vão-se desenvolvendo e as azeitonas estão quase prontas a ser colhidas. Os dois galos bem cantam - às vezes a desoras - mas continuam sem ver galinhas. O ganso Zeca continua a liderar o inconfundível clã de aves de capoeira - que inclui alguns patos - sem rival à vista. O Senhor Peru andou adoentado mas "tem registado sensíveis melhoras", como se dizia no Portugal do século XIX que sobreviveu quase até aos nossos dias.
Não me perguntem por outras coisas: só sei isto. E não faço questão de saber mais nada.

Vinte cidades que jamais esquecerei (XVII)


ESTRASBURGO.
"Era a hora do crepúsculo numa tarde fria em Estrasburgo. Nunca ali estivera. Deu um passeio calmo para avaliar o ambiente, que lhe agradou bastante. Pena não ir para ficar. Gostava de passar ali uns dias." (Nicolas Freeling)

domingo, agosto 26, 2007

O Sporting

"Nunca escondi essa característica da minha personalidade que é ter nascido sportinguista. Para falar verdade, não sei o que isto significa ao certo. Não consigo descobrir se se trata de um imperativo do destino, se de uma decisão racional (mas que racionalidade poderá existir aqui?). Sei apenas que sofro absurdamente quando o Sporting está a perder e que partilho a alegria de todas as vitórias, mesmo que seja sobre um clube da III Divisão: ganharam 4 a zero? São os melhores."
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Eduardo Prado Coelho
(De PÚBLICO, crónica A Pré-História da Minha Ida ao Futebol, 10 de Agosto de 2005)

Tomando sempre novas qualidades...

A maior "revolução" operada na sociedade contemporânea, subtil e orgânica, é aquela que aconteceu à relação entre o pai e os seus filhos. Mais até do que as conquistas femininas, de lugares nos estádios ou em promissoras carreiras.
Apercebo-me hoje que o meu pai ainda esboçou uns tímidos esforços, desajeitadas tentativas de intimidade, inspiradas nos inevitáveis sinais de mudança. Mas a rigidez dos "papéis" estava-lhe demasiado impregnada. Assim como aquela solidão.
A maior "revolução" dos tempos modernos é a revelação da plena paternidade. Hoje, conhecemo-nos cedo, com a ajuda da pele e de uma orgânica cumplicidade. Com muitas canções, lenga-lengas, banhos de banheira, de mar e de mundo. Depois de tudo isto, que venha a vida toda, com os seus anunciados terrores e tempestades. Seremos mais fortes, por certo, o que já não é pouco.

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O criador e a criatura

Tem razão o Rodrigo Moita de Deus quando observa isto. Afinal de contas, não pode passar apenas de uma simples coincidência. Alberto João Jardim, num piscar de olhos, pode muito bem ser o mentor de que Luís Marques Mendes estava necessitado... Num dia é o "grande líder", no outro é a figura de proa da comissão de honra da sua recandidatura e depois já está a dar directrizes e a sugerir frases feitas. Ou será mais que isso?

A ler

1. "Eduardo Prado Coelho, 1944-2007", do Francisco José Viegas.
2. "Comentar não comentando", do Paulo Gorjão.
3. "Postal de Chipre", do Vítor Matos.
4. "O icebergue", de Pedro Norton.
5. "Cocktail explosivo", do Rui Costa Pinto.
6. "Postais de férias I", de Pinho Cardão.

Domingo

Evangelho segundo São Lucas 13, 22-30

Naquele tempo, Jesus dirigia-Se para Jerusalém e ensinava nas cidades e aldeias por onde passava. Alguém Lhe perguntou: «Senhor, são poucos os que se salvam?». Ele respondeu: «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir. Uma vez que o dono da casa se levante e feche a porta, vós ficareis fora e batereis à porta, dizendo: ‘Abre-nos, senhor’; mas ele responder-vos-á: ‘Não sei donde sois’. Então começareis a dizer: ‘Comemos e bebemos contigo e tu ensinaste nas nossas praças’. Mas ele responderá: ‘Repito que não sei donde sois. Afastai-vos de mim, todos os que praticais a iniquidade’. Aí haverá choro e ranger de dentes, quando virdes no reino de Deus Abraão, Isaac e Jacob e todos os Profetas, e vós a serdes postos fora. Hão-de vir do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e sentar-se-ão à mesa no reino de Deus. Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos».

Da Bíblia Sagrada

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Vinte cidades que jamais esquecerei (XVI)


BERNA.
"Voltaste à tua Berna, esta cidade adormecida, honesta, onde nunca se sabe com precisão quão morta ou quão viva está."
(Friedrich Dürrenmatt)

sábado, agosto 25, 2007

Descartáveis


Quando era criança havia um cão chamado Esquimó que vivia num dos quintais que se viam das traseiras da minha casa. Era um lindo Samoiedo, de pelo sedoso e branco, que com o passar dos invernos se foi enchendo de reumático. Por fim era penoso vê-lo a coxear para dentro da casota que os donos lhe haviam instalado mesmo virada ao vento norte. E um dia mandaram-no abater. “Já estava velho e doente”, disseram, em tom casual, à minha mãe.
Lembrei-me do Esquimó a propósito de um outro exemplar da mesma raça que vi aqui há dias, atarantado, a ziguezaguear pelo meio da estrada, indiferente aos carros que iam passando. Não precisava falar para se perceber o que lhe tinha acontecido. Tenho a certeza que me foi dado assistir aos primeiros momentos de aflição de um canito quando percebe que foi abandonado. Desorientado, assustado e triste, o que mais comovia na atitude do infeliz era perceber a sua incapacidade para compreender o que lhe tinham feito.
Aquela minha antiga vizinha, felizmente, nunca mais quis ter um cão. Mãe de uma única filha, agora já casada, queixa-se frequentemente do abandono a que ela a votou. Não admira. Agora, que já está velha e doente, tem sorte se não for despachada para um daqueles lares onde os velhos não duram mais de dois meses...

Música de todos os tempos (19)

Shirley Bassey - "Goldfinger"

EPC

Na morte de Eduardo Prado Coelho, não quero deixar de registar que, no auge dos ataques desferidos contra mim por um certo candidato do PS à Câmara Municipal de Lisboa, em 2005, ele não recuou. Manteve o que me disse e o que pensava: que Manuel Alegre seria um melhor candidato nas presidenciais de 2006 do que Mário Soares (o que, aliás, se comprovou). Mais, escreveu uma crónica no Público no dia seguinte à publicação da minha notícia, onde explicou o que pensava e ainda garantiu que o tal candidato sempre concordou com ele. Na altura, pareceu-me um gesto impecável.

Ao momento

Só para vos dizer que o Corta-Fitas passa a contar com mais uma inovação a partir de agora, devido ao empenho do João Távora e a pedido de várias famílias. Lá bem em baixo da página, ao meio, surge agora uma caixa que se chama Shiny Stat, um contador para se saber quantas pessoas estão connosco, online, em tempo real. Há bocado, a um sábado de manhã, já estavam quatro leitores a ver o que é que estava para aqui escrito...

sexta-feira, agosto 24, 2007

Mendes strikes back

O Corta-Fitas lançou esta semana um novo inquérito, pelo que, como é nosso costume, vamos divulgar os resultados da consulta anterior. À pergunta "Quem vai ser o próximo líder do PSD", responderam 276 leitores, repartindo as suas preferências desta forma: Luís Marques Mendes venceu, com 32% (87 votos), Luís Filipe Menezes ficou em segundo e teve 22% (61 votos) e Rui Rio chegou ao terceiro lugar com 14% (39 votos). Nos lugares seguintes ficaram Pedro Santana Lopes (8%, 21); António Borges (7%, 20); Manuela Ferreira Leite e José Pedro Aguiar-Branco (ambos com 6%, 17 votos); e Nuno Morais Sarmento (5%, 14).
Registe-se que o inquérito foi lançado logo na sequência das eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa, minutos após Marques Mendes ter convocado as directas para a liderança. Na altura não estava ainda composto o actual quadro de candidatos, com Mendes, Menezes e o outsider Castanheira Barros, essa grande figura...
O novo inquérito já consta da nossa barra lateral - "Quem vai ganhar o campeonato de futebol 2007-2008?" - e adivinhem quem vai na frente? Eu juro que não votei...

P. S. - João, os seus desejos são ordens.

Na barra lateral...

Reparou por certo o estimado leitor que substituímos o inquérito sobre a disputa da liderança do PSD barra lateral. Sobre o resultado do mesmo, o Francisco Almeida Leite nos obsequiará em breve com o seu comentário aos resultados finais.
Agora, o novo questionário refere-se ao outro mediático circo, desta feita o lúdico campeonato de futebol que tanta paixão irradia, que com tanta discussão nos anima a cada época. Para o bem e para o mal, "a bola" marca inevitavelmente o nosso calendário, quer se goste quer não. Eu sou dos que alinham, dos que o consomem, sem complexos. Já a politica, é diferente, consome-me a mim.

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400 mil

Quatrocentos mil visitantes desde que cortámos a primeira fita. É só para registar.

Porque hoje é sexta-feira


When a man loves a woman

When a man loves a woman
Can't keep his mind on nothing else
He'll trade the world
For the good thing he's found
If she's bad he can't see it
She can do no wrong
Turn his back on his best friend
If he put her down


When a man loves a woman
Spend his very last dime
Tryin' to hold on to what he needs
He'd give up all his comfort
Sleep out in the rain
If she said that's the way it ought to be


Well, this man loves a woman
I gave you everything I had
Tryin' to hold on to your precious love
Baby, please don't treat me bad


When a man loves a woman
Down deep in his soul
She can bring him such misery
If she plays him for a fool
He's the last one to know
Lovin' eyes can't ever see


When a man loves a woman
He can do no wrong
He can never own some other girl


Yes when a man loves a woman
I know exactly how he feels
'Cause baby, baby, baby, you're my world


When a man loves a woman...

(Percy Sledge)

Vinte cidades que jamais esquecerei (XV)


HONG KONG.
"O rochedo mais rico do mundo." (André Malraux)

High in the sky

Joe Berardo voou com a Passarinha. A "estória", apesar do sigilo profissional da hospedeira, é deliciosa...

Sexta-feira


Adriana Lima.

Música de todos os tempos (18)


Gilbert O'Sullivan - "Alone Again"

Pretéritas Sextas (I)

Grace Kelly

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quinta-feira, agosto 23, 2007

História de algibeira (27)


A Lapa, bairro “pombalino” hoje no centro de Lisboa, desenvolveu-se após o terramoto de 1755 na sequência do loteamento dos terrenos adjacentes ao Convento das Trinas. Para as suas ruas veio a recuperar-se a toponímia da antiga e arruinada baixa lisboeta. Nos seus limites, e enquanto se desenvolve este dinâmico pólo urbano, em 1763, é construída no espaço hoje ocupado pelo Jardim da Estrela, uma praça de touros. Dezasseis anos depois iniciam-se nos terrenos adjacentes as obras de construção da Basílica da Estrela (na imagem, daqui).

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Música de todos os tempos (17)


Eagles - "Hotel California"
Os Eagles estão de volta. 28 anos depois regressam ao estúdio e à estrada.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Nas colunas



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Da Hungria, com amor (2)


De uma cultura vivida assombrosa, os húngaros. Perto do crepúsculo, deslumbrados, ouvimos um violinista prodígio com nove anos de idade e que o mundo descobrirá certamente dentro em breve. Ouvimo-lo numa sala de estar de uma casa em Buda. A criança toca lendo uma pauta que praticamente desconhece, com a segurança só possível aos dotados com a aura do puro génio. O resultado emociona-nos. Muito mesmo. Noutra cidade, a 5 quilómetros da fronteira com a Sérvia, um museu expõe gravuras de Goya e de William Blake. Em cada esquina, livrarias e alfarrabistas. O primeiro livro que compro, por acidente ou não, é de um dos melhores poetas húngaros contemporâneos, János Pilinszky. Com poemas como este:

PATHOGRAPHY AND SWANSONG
A white arm from a snow-white mirror,
thin beautiful arm, with persistent force,
with a cold sponge, from the cold glass
tries since eternity to make somebody,
somebody or something vanish.

Da Hungria, com amor (1)

Curiosamente, o que mais me surpreendeu foram as retretes. Na Hungria, alguém algures numa data para mim incerta teve a mais escatológica ideia jamais oferecida ao universo: Colocar o buraco da retrete na extremidade oposta à que é tida como natural no resto do planeta. Talvez fosse vontade de deixar uma marca civilizacional, marcar a diferença. Como se não bastasse a língua capaz de levar ao desespero qualquer especialista em aramaico pré-diluviano. Talvez. Mas fruto de uma personalidade perversa foi certamente, e o homem que registou a patente detentor de uma mente distorcida, bem reflectida nesta tirania da visibilidade intestina.
Na Hungria - ó minha chocada e agora para sempre definitivamente perdida horda de leitores - sempre que libertamos aquilo que as entranhas rejeitam, esse mesmo aquilo tomba e permanece num planalto de louça, imóvel, expectante, em diálogo com os nossos piores receios e maiores incertezas, passível de ser removido pela enxurrada do autoclismo, é certo, mas não sem que antes tenhamos sido confrontados com a inevitabilidade do nosso mais secreto e indesejável interior.
É certo que nenhum húngaro sai de casa sem antes ficar informado, até à exaustão, sobre o seu estado de saúde e tudo o que não conseguiu digerir na refeição anterior, apesar desse milagre vegetal que é a paprika. Mas, ao mesmo tempo, é também confrontado com a maior cacetada ontológica que alguém pode receber. Nós somos o que comemos, como alguém disse. Mas também o que, daquilo que comemos, libertamos. Na Hungria, a retrete é o nosso espelho mais profundo. A porta indesejável que se abre para a saída final.

Tesourinho?



Hoje decidi seguir a sugestão dada por um comentário de I. Rodrigues e fui procurar no Google a música de Nel Monteiro que, de acordo com o nosso comentador, ilustrava a veia contestatária do cantor. Percebi que andava desactualizada.
Há coisas que devem ser partilhadas e os blogues servem para isso mesmo. Por isso, para quem também tenha andado fora deste universo, aqui fica uma pérola, um tesourinho (deprimente?) ou aquilo que lhe queiram chamar.

Nel Monteiro - "Puta vida merda cagalhões”, aqui.

Frases para estampar na T-Shirt (1)

A minha outra mulher é um Porsche.

Na mesma, como a lesma



Antes do relato das minhas peripécias húngaras, confesso que não esperava que a grande causa de agitação - durante o período em que estive ausente - fosse a invasão de um campo de milho por uma organização com nome de cooperativa vinícola e debaixo das barbas de uma GNR complacente. Quanto ao resto, o Benfica trocou de treinador para continuar na mesma, Paulo Teixeira Pinto deixou a Opus Dei e o granel em torno da AG do BCP continua na mesma, o relatório que vinha de Inglaterra ainda não veio e o caso Maddie continua na mesma, a ERC faz mais um relatório a dizer que não passa nada como todos os outros e na mesma continua. Entretanto, Menezes e Mendes cortejam Manuela Ferreira Leite, figura chave para garantir que, no PSD, nada fique diferente. Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes, dizia-se durante a invasão de Junot. Nos dias que correm, parece que a única coisa que nos invade é o tédio.

Vinte cidades que jamais esquecerei (XIV)


PARIS.
"Paris é o único lugar do mundo onde um homem civilizado pode viver." (Somerset Maugham)

Wikipédia mexe e é mexida pelos nossos políticos

Depois de José Sócrates, agora é Luís Filipe Menezes que se vê a braços com uma polémica relacionada com o uso da Wikipédia, a maior enciclopédia online do mundo. O "lapso" que o Público revela hoje não é nada bonito. Nada.
A ler:
1. "Menezes", por Paulo Tunhas.
2. "O plagiador de Gaia", por Miguel.

Branco mais branco não há

Segundo o CM, "a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ilibou, ontem, o primeiro-ministro, José Sócrates, e o seu Gabinete de alegadas pressões sobre órgãos de comunicação social. No entanto, a deliberação não foi consensual. Um dos quatro conselheiros discordou da decisão". Então? Parece que “existem elementos probatórios no processo que revelam a prática por parte do primeiro-ministro (tanto através da sua própria intervenção, como do seu Gabinete) de actos condicionadores do exercício da actividade jornalística, relativamente ao jornal 'Público' e 'Rádio Renascença', lê-se na declaração de voto de Luís Gonçalves da Silva, da ERC, que esteve contra a deliberação".
Absolutamente impecável a investigação da ERC. Diria mesmo muito limpinha. Assim é que é, um País muito arrumadinho e asseadinho. O membro da ERC que votou contra enganou-se, pela certa. Deve andar muito distraído...

terça-feira, agosto 21, 2007

Um Governo sem ninguém ao leme

Uma das coisas que mais me espanta no caso da Herdade das Lameiras é o completo desnorte político que, em dois ou três dias, este Governo deixou vir à tona. O problema desencadeado com a invasão de uma propriedade privada por uma série de anarco-ecologistas é bem mais grave do que à primeira vista se possa crer.
Primeiro, deixa à vista de todos que a jogada de José Sócrates, ao tirar António Costa do Executivo, foi, para além de arriscada, um autêntico flop estratégico. Para ter uma espécie de "mini-executivo socrático" na Câmara de Lisboa, desguarneceu o Governo de Portugal, ao amputá-lo do seu número dois. Ao retirar o ministro de Estado e da Administração Interna do Governo, substituindo-o por essa nulidade política chamada Rui Pereira, Sócrates deu o flanco, como agora se provou. Com o primeiro-ministro algures de férias, e sem número dois, o Governo dividiu-se em duas frentes, uma comandada pelo infeliz Pereira e outra pelo desnorteado Jaime Silva, ministro da Agricultura.
Só para se ter uma ideia, ontem o disparate político atingiu o auge. Jaime Silva foi visitar a herdade que foi invadida, acompanhado pelas televisões e pelo proprietário - que entretanto sofreu um AVC por causa do episódio - e acaba o passeio a atacar o Bloco de Esquerda, em vez de propor medidas imediatas para ressarcir o senhor dos danos que lhe foram causados. À noite, Rui Pereira, num esforço inglório para amparar a queda, vai à SIC Notícias explicar a posição do MAI. E, perante a insistência de Mário Crespo, entra no dislate. Da boca do ministro ouvi coisas como: não se pode intentar com nenhuma acção contra os manifestantes, pois o crime é semi-público e não houve queixa formal; não é grave só terem sido identificados seis dos cento e tal manifestantes, porque afinal são "os porta-vozes"; e ainda que há gente para tudo, até para defender animais e atacar pessoas. Isso mesmo, quem diria. Um ministro que fala assim, é o quê?
A segunda parte do problema é uma dúvida que me assola, desde ontem: como é possível Jaime Silva, membro de um Governo de maioria PS, ter atacado como atacou o líder do BE, Francisco Louçã, e a coligação para a Câmara de Lisboa ainda estar de pé? Ainda há quem se queixe das novelas da Globo não terem concorrentes à altura...

O imperador da música pimba (no mínimo)

Depois de clássicos como “Quero Cheirar Teu Bacalhau”, “Mestre de Culinária”, “Apita o Comboio”, entre outros, Quim Barreiros presenteia-nos com mais uma letra de uma simplicidade assombrosa. E ainda há por aí quem se ponha a musicar poemas de Fernando Pessoa ou Florbela Espanca…

O meu pópó no teu pipi
O teu pipi no meu pópó
O meu pipi no teu pópó
O meu pópó no teu tutu
O teu tutu no meu pópó
O meu pópó no teu pópó
O teu pópó no meu pópó
O meu pópó no teu pipi
O teu pipi no meu pópó…
(Ou qualquer coisa assim…)
Se o outro era considerado e se autointitulava de rei da música pimba (o Emanuel), este só pode querer ser o imperador, não?

Vinte cidades que jamais esquecerei (XIII)


AMESTERDÃO.
"Enquanto ia atravessando a ponte, lembrou-se de novo como Amesterdão era uma cidade calma e civilizada." (Ian McEwan)

Agosto

Que vento! No areal vai estar desagradável, detesto levar com areia na cara. Melhor apanhar sol na esplanada, naquela que tem uma protecção ideal para estes dias. (...) Oh!! Está cheia!

Podia rumar até ao meu bar de praia favorito. Esse é grande, nunca enche completamente, mas isso implica ir de carro e a esta hora apanho engarrafamento. Melhor nem tentar. Fico aqui mesmo, na rocha, a apanhar sol. (...) Cheira a fruta podre aqui. Que chatice! No início da época limparam a praia, mas agora isto já está um esterco. Desisto. Vou mas é para aquela tasquinha que descobri há tempos. Tem um pica-pau fabuloso. Fica escondida, só a gente daqui é que a frequenta, de certeza que tem lugar na esplanada. (...) Cá está ela! E a esplanada vazia! Vazia? Não me digas que... Oh, não! Fechada para férias!

Marcelo sobre o seu ex-amigo Portas

"O CDS tem tido uma história negra. Ribeiro e Castro assumiu uma liderança quase impossível. Não mandava no partido, a mensagem não passava, foi um compasso à espera de Paulo Portas. Este voltou cedo demais. Não tem a frescura de há dez anos. Se olharmos para a sua postura formal, passou do jovem irreverente e rebelde para o ministro de Estado de fato cinzento às riscas, continuou como comentador de fato cinzento às riscas na SIC Notícias, e agora deitou fora a gravata e quer continuar a ser o menino que era, só que já não é. O CDS está muito fragilizado e não tem tido a coragem de dar um salto tipo Pires de Lima. Não sei que milagre Paulo Portas vai fazer".
Marcelo Rebelo de Sousa, em entrevista ao Diário Económico

Let's fly

O Corta-Fitas aplaude o regresso da aeromoça, como dizem os brasucas, que faz o blogue A Passarinha.

Momentos Kodak (56)

Sejam de esquerda ou de direita, quando chego a uma urna para votar, procuro sempre o menos mau. Serei o único a pensar e a sentir isso?
(Abril 2005)
Fotografia: Rodrigo Cabrita

A barbearia

Quando era pequeno, ir à barbearia do bairro era um ritual da minha masculinidade. Nem sempre voluntário, mas periodicamente inevitável, quando a juvenil guedelha hirsuta assim o exigia. Ao princípio ia com a minha mãe, que me entregava aos cirúrgicos cuidados do barbeiro e logo saía apressada, talvez pouco à vontade, talvez para fazer outras coisas úteis. Percebo perfeitamente, pois eu também não me sentia bem no território feminino, quando infortunadamente era obrigado a acompanhar a minha Avó ao cabeleireiro Brito & Brito, na Avenida da Liberdade. Eram momentos de sufocante opressão, com a ideia clara de que era um intruso naquele ambiente assexuado a cheirar a laca e a verniz. Espantavam-me aqueles estranhos capacetes espaciais, com as circunspectas senhoras debaixo, de dedos em riste pintados de fresco. Eram todos aqueles rolos, papelotes e turbantes na cabeça que me deixavam verdadeiramente intimidado, estarrecido.
O que me lembro do meu barbeiro ali na Rua Almeida e Sousa em Campo d’Ourique, era das suas mãos lavadas e relógio dourado no pulso. Sempre de impecável bata branca e de conversa fácil, com os seus dedos duros e frios a endireitarem firmemente a minha cabeça fugidia. Lembro-me das pinceladas de sabão morno, e do raspar da navalha afiada na nuca e nas patilhas inexistentes. Era parte dos procedimentos. Lembro-me do fatal calendário de “garagem” com uma loira bem curvada, do horário e dos diplomas emoldurados. Também sobressaiam, ao lado dos grandes espelhos, umas fotografias a preto-e-branco de garbosas e antiquadas cabeleiras, bem penteadas com Bel Hair ou Restaurador Olex. Fascinavam-me também os pesados cadeirões em ferro pintado, onde me sentava soerguido num caixote “adaptador” para as crianças pequenas. E do estofo de cabedal redondo, que com duas espanadelas, se virava do avesso para assento do cliente seguinte. Naquele pequeno espaço, os homens comentavam as banalidades da política e do futebol, ao som do Rádio Clube, com as tesouras sempre a cortar, a cortar, em golpes ritmados, tchic, tchic, tchic, tchic. Depois, vinha aquela pergunta redentora: “o cabelinho é para molhar?” Finalmente o sacrifício acabava, era tempo de voltar para as brincadeiras, para casa ou para a praceta, com os cabelos caídos a picar nas costas.
Um dia destes, aburguesado e imprudente com as pressas, descobri perto do escritório um moderníssimo Cabeleireiro de Homens, cheio de paninhos quentes e inauditas mordomias. Surpreendi-me logo com o pretensioso recepcionista, de modos efeminados, casaco fantasia e gravata Disney que confirmava a marcação. Sentado na sala de espera, procurei em vão literatura apropriada, o Record ou o Correio da Manhã para me entreter. Só descobri as brochuras dos milagrosos produtos capilares. Logo uma menina, de rabo bamboleante, se abeirou de mim perguntando-me se eu queria arranjar as unhas... Eu, arranjar as unhas?!? Notei também as conversas dum cliente com a manicura, talvez um bem sucedido gestor de Import - Export, que me soou excessivamente íntima. O homem emitia confiantes e bombásticas opiniões, sobre a política e as finanças “de cordel”. Quando, de cabelos lavados, cheguei às mãos da decotada cabeleireira, balbuciei que não queria modernices, o que a deixou visivelmente contrafeita. Depois, veio uma jovem estagiária oferecer uma massagem capilar... e um café. No final paguei 25.00€. Nunca me saiu tão cara uma bica...
Duas semanas depois, quando o cabelo mal cortado definitivamente não assentava mais, decidi-me a visitar o velho e fiel barbeiro aqui de S. João do Estoril. Decidi-me a perder uma manhã de Sábado a ler o Record e o Correio da Manhã, e cortar o cabelo como deve ser. Ouvindo o Jogo da Mala e o Bola Branca em ondas médias, sem paninhos quentes ou embaraçosas mordomias. Afinal um conservador é um conservador.

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segunda-feira, agosto 20, 2007

Música de todos os tempos (17)


The Rolling Stones - "Fool To Cry"

Cavaquês

"Portugal tem um problema orçamental e deve corrigi-lo o mais depressa possível"; "é preciso gerir com muita eficiência e rigor os recursos disponíveis".
Aníbal Cavaco Silva sobre a necessidade de correcção do défice.

"A violação de propriedade privada é uma violação da lei e espero bem que as autoridades competentes não deixem de fazer as investigações necessárias"; "não pode restar quaisquer dúvidas de que lei em Portugal é para ser cumprida e quem tem o poder para a fazer cumprir não pode deixar de utilizá-lo".
O Presidente da República, sobre a invasão da Herdade da Lameira.

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Estas duas declarações, verdadeiramente determinantes no momento em que são produzidas, revelam mais uma vez um Presidente da República diferente da análise de alguns comentadores. Cavaco Silva pode falar pouco, mas quando fala marca a diferença. Não dá ponto sem nó. Faz por ser decisivo. Se pontuasse as suas intervenções como fez Mário Soares tornava-se repetitivo, interveniente em demasia, incomodativo até. Se fizesse da sua prática discursiva o que Jorge Sampaio fez, tornava-se monótono, circular e pouco objectivo. O "cavaquês", ao contrário do "sampaiês" ou do "soarês" (ou devo dizer "suaréz"?), é directo, perceptível e com um objectivo central: o de obter resultados.

Ao ter dito o que disse sobre a infeliz invasão da Herdade das Lameiras, Cavaco Silva quis deixar claros dois pressupostos. Primeiro, é preciso que se investigue como foi possível aquela invasão, acompanhada de câmaras de televisão, acrescento. Se lá estavam, é porque foram avisadas e porque a invasão estava a ser programada há muito. Ou seja, se as televisões sabem, a GNR também já deveria saber. Logo deveria ter actuado antes do acontecimento, de forma a evitá-lo.

Ponto dois: quando o PR diz que quem é detentor do poder deve saber "utilizá-lo", está subjacente, para mim, um mais que óbvio puxão de orelhas. A autoridade é para ser exercida, com responsabilidade.
Assim, de repente, apetece-me lembrar a quem anda distraído que o Presidente da República, só nos últimos tempos, vetou o novo Estatuto do Jornalista, a lei das incompatibilidades da Madeira voltou para trás e ainda teve dúvidas sobre o acesso do fisco às contas dos particulares. Quem disse que Cavaco Silva está quieto e calado?

O assalto e o papel da GNR

Ainda sobre o caso de Silves, que o Duarte já aqui ontem abordou, registo que, desta vez, Marques Mendes esteve bem ao exigir explicações do ministro da Administração Interna e do próprio primeiro-ministro sobre a invasão de uma propriedade por parte de uma série de irresponsáveis que deitaram abaixo uma plantação particular de milho transgénico. O presidente do PSD sugeriu ainda que deve haver uma reunião da comissão permanente da Assembleia da República sobre o assunto.
Parece que o ministro Jaime Silva, responsável pela pasta da Agricultura, vai hoje visitar a Herdade da Lameira, onde atacaram os "activistas". É pouco, digo eu. Porque o caso não tem só a ver com a contestação aos organismos geneticamente modificados, a legalidade ou a ilegalidade da plantação. Para mim, tratou-se de uma invasão de propriedade privada, que ainda por cima foi filmada em directo e a cores pelas televisões, pela certa devidamente avisadas pelos "activistas". Nessas filmagens o que eu vi foi uma GNR passiva, nada actuante perante um bando de encapuçados e com uma única preocupação: aparecer bem nas televisões. Ora, este é um caso que mina a autoridade do Estado, deixa-nos a todos nós preocupados com o que será a actuação de uma força de segurança num caso que se passe connosco. Com as nossas terras, os nossos bens, as nossas vidas. Em mais uma coisa estou de acordo com Mendes: tem que haver consequências. Uma força que actua com aquela passividade e bonomia numa invasão só pode estar corroída pela inércia e pelo desrespeito à sua função legal. Isto ainda é um Estado de Direito, ou não?

Chicote

Parece que o homem que ficou conhecido por "engenheiro do penta" vai deixar aquele clubezeco do outro lado da Segunda Circular. Que pena, eu achava que ele era uma mais-valia...

domingo, agosto 19, 2007

A estupidez num campo de milho


Sou completamente contra os transgénicos e, por isso, acho que há poucas coisas mais estúpidas do que destruir um campo onde eles são cultivados. Os manifestantes poderiam ir lá, chamar a Imprensa, fazer um número qualquer, destruir simbolicamente duas ou três maçarocas, mas fazer aquela invasão num país com memória de pequenos proprietários rurais, onde quase toda a gente tem, ou teve, um "quintalinho" ou uma horta (ou são os pais, ou os irmãos ou cunhados ou os amigos que têm) e destruir "o fruto do trabalho" é de uma imbecilidade exasperante. Ainda se a propriedade pertencesse a um grande latifundiário, um banco ou algo do género, em termos de opinião pública, e não de legalidade, seria um pouco melhor. Mas não há nada a fazer, esta gente destrói tudo o que toca com a sua estupidez militante.

Silly, me?

O João Gonçalves acha que é silly. Chama-lhe o que quiseres, eu acho que não é. Uma deputada que tem dois filhos ameaçados de morte e que apresenta queixa na GNR e na PJ é notícia em qualquer parte. Nos jornais de referência, nos mais populares, nas televisões ou nas rádios. Foi aliás isso que também fizeram, depois da tal notícia em primeira mão, a TSF, a RTP e a Lusa.
O que querias que se fizesse? Que se silenciasse? Que não se desse importância por se tratar de uma pessoa que toma parte no processo eleitoral em curso no PSD? Esse não é o caminho. Os órgãos de comunicação social servem para informar. Com verdade e com qualidade.

O poder na rua II

Fico atónito com as irresponsáveis declarações de Miguel Portas na última página do DN de hoje, relativizando e justificando o acto de vandalismo de Silves na passada sexta-feira. Pergunto-me se esse senhor, que é bom de ver, milita no Bloco de Esquerda, acharia bem que um grupo de zelosos marginais, encapuçados por razões estéticas, pegasse fogo ao seu automóvel, perigoso poluidor da comunitária atmosfera.

Imagem daqui

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Cinema Nostalgia (7)


O filme começa com ele (Jacques Perrin) no quarto com a mulher. Supõe-se que com uma das várias que já teve. Se houvesse verdadeira cumplicidade entre os dois, provavelmente não se teria fechado quanto ao motivo da viagem que teria de fazer no dia seguinte à sua terra natal, algures na Itália profunda. Mas a verdade é que só nós passamos a ter o privilégio de saber o que ele esconde. E o que ele esconde é provavelmente o sentimento que os homens têm mais dificuldade de assumir entre si. Falo de ternura.
A ternura entre dois homens heterossexuais é sempre tão difícil de gerir... É isso que nos comove em Cinema Paraíso, aquela amizade entre ele e o velho projeccionista cimentada pela paixão comum pelo cinema. Um amor construído aos repelões, tão desajeitado como o amor entre dois machos pode ser, sancionado apenas pelo fosso geracional que lhes permitia, enfim, uma certa liberdade, a mesma que é concedida a pais e filhos.
E foi com a autoridade moral de um pai que Alfredo - a personagem inesquecível de Philippe Noiret - tantas vezes o escorraçou da cabine de projecção, a defendê-lo do sacrilégio do cinema, daquela escravidão. Um esforço inglório, como se viu... e que nós celebramos a partir da plateia, conscientes como em nenhum outro filme do poder hipnótico do cinema...
A par desta bela amizade assistimos ainda à descoberta do amor romântico com a música de Enio Morricone em fundo, sempre ela. É impossível não nos comovermos com a generosidade daquele coração musculado por dezenas e dezenas de fade ins e fade outs a pontuar os melhores momentos de tramas onde os heróis mostram como se conquista uma dama. Tivesse ele passado a infância a jogar à bola e seria capaz de ficar assim, noite após noite, de olhos presos naquela janela?
São escassos os momentos em que a acção nos conduz ao tempo presente. Mas embora não estejamos a vê-lo deitado, distraído da mulher que tem ao lado, é sempre através dos seus olhos que assimilamos tudo. Daí a nostalgia, sempre tão evidente e a nossa situação de privilégio que nos permite adivinhar até o somatório de amores sem história que lhe aconteceram desde então e o transformaram no parente improvável daquele adolescente com tanta capacidade para amar. Cinema Paraíso, a obra-prima de Giuseppe Tornatore, realizada em 1988, e que venceu o Óscar para melhor filme estrangeiro e o Grande Prémio do Júri do Festival de Cannes, é uma das histórias de amor mais bonitas a que alguma vez assisti. Pena obrigar-me, de cada vez que o revejo, a puxar do lenço na cena final. A dos beijos, pois!