Na morte de Umbral (2)
Li apenas um romance de Umbral. Mas foi um livro que me prendeu ainda mais à sua escrita: Madrid 1940 (editado em 1993). Era a história de um pequeno canalha de província que prospera como delator na capital franquista - a exemplar autópsia da ditadura "nacional", que se alimentava destes canalhas. Nas páginas de Madrid 1940 vemos desfilar a sociedade madrilena desse tempo: as fardas, as batinas, a intelectualidade de café, os toureiros, os cançonetistas, os viracasacas de várias espécies. "Aquilo a que Franco chamava Unidade Nacional não era senão a unidade em torno dele, e eu via isto sem mais malícia nem cinismo que os outros, pois penso que todos eram cínicos", observa o protagonista deste romance escrito na primeira pessoa do singular.
Madrid 1940 tem chancela portuguesa da Campo das Letras (com prefácio de José Saramago). Certamente por distracção minha, desconheço outros títulos de Umbral lançados em português - e ele é autor de cerca de cem obras, entre ficção, crónica e ensaio. Jamais entenderei este desinteresse generalizado das editoras portuguesas pelo que se vai produzindo em Espanha, ressalvando aqui casos pontuais como o da Dom Quixote, que nos últimos anos tem alterado esta tendência (o que não admira, pois passou a ser propriedade espanhola).
Mais criticável ainda é a cultura televisiva portuguesa, que concede todas as parangonas a um futebolista do Sevilha, falecido no mesmo dia de Umbral, enquanto praticamente esquece o grande escritor espanhol. O que justificou a deslocação de um enviado especial da RTP a Sevilha, por exemplo? O jogador, de 22 anos, marcara o "golo decisivo que pôs o clube na rota das grandes competições europeias". Nem mais. Afinal o que valem cem livros comparados com um só golo?