domingo, agosto 19, 2007

Cinema Nostalgia (7)


O filme começa com ele (Jacques Perrin) no quarto com a mulher. Supõe-se que com uma das várias que já teve. Se houvesse verdadeira cumplicidade entre os dois, provavelmente não se teria fechado quanto ao motivo da viagem que teria de fazer no dia seguinte à sua terra natal, algures na Itália profunda. Mas a verdade é que só nós passamos a ter o privilégio de saber o que ele esconde. E o que ele esconde é provavelmente o sentimento que os homens têm mais dificuldade de assumir entre si. Falo de ternura.
A ternura entre dois homens heterossexuais é sempre tão difícil de gerir... É isso que nos comove em Cinema Paraíso, aquela amizade entre ele e o velho projeccionista cimentada pela paixão comum pelo cinema. Um amor construído aos repelões, tão desajeitado como o amor entre dois machos pode ser, sancionado apenas pelo fosso geracional que lhes permitia, enfim, uma certa liberdade, a mesma que é concedida a pais e filhos.
E foi com a autoridade moral de um pai que Alfredo - a personagem inesquecível de Philippe Noiret - tantas vezes o escorraçou da cabine de projecção, a defendê-lo do sacrilégio do cinema, daquela escravidão. Um esforço inglório, como se viu... e que nós celebramos a partir da plateia, conscientes como em nenhum outro filme do poder hipnótico do cinema...
A par desta bela amizade assistimos ainda à descoberta do amor romântico com a música de Enio Morricone em fundo, sempre ela. É impossível não nos comovermos com a generosidade daquele coração musculado por dezenas e dezenas de fade ins e fade outs a pontuar os melhores momentos de tramas onde os heróis mostram como se conquista uma dama. Tivesse ele passado a infância a jogar à bola e seria capaz de ficar assim, noite após noite, de olhos presos naquela janela?
São escassos os momentos em que a acção nos conduz ao tempo presente. Mas embora não estejamos a vê-lo deitado, distraído da mulher que tem ao lado, é sempre através dos seus olhos que assimilamos tudo. Daí a nostalgia, sempre tão evidente e a nossa situação de privilégio que nos permite adivinhar até o somatório de amores sem história que lhe aconteceram desde então e o transformaram no parente improvável daquele adolescente com tanta capacidade para amar. Cinema Paraíso, a obra-prima de Giuseppe Tornatore, realizada em 1988, e que venceu o Óscar para melhor filme estrangeiro e o Grande Prémio do Júri do Festival de Cannes, é uma das histórias de amor mais bonitas a que alguma vez assisti. Pena obrigar-me, de cada vez que o revejo, a puxar do lenço na cena final. A dos beijos, pois!