segunda-feira, dezembro 31, 2007

Sem fumo nos olhos

São muitas as vozes “esclarecidas” a vociferar contra a lei do tabaco que entra amanhã em vigor. Por vezes pressinto alguma caprichosa arrogância por parte dos resistentes fumadores, ameaçados na sua liberdade individual (?!) e cada vez mais entrincheirados no seu gueto.
Não pretendo discutir com os fumadores os malefícios ou virtudes do seu vício. Pela minha parte, como comprovarão os meus amigos viciados, sempre contaram com toda a minha "tolerância". Tenho cinzeiros em casa, e nunca troquei uma boa companhia à mesa por mais alguma sanidade atmosférica. É que, depois dos quase trinta anos que eu próprio dediquei à adição a fumos diversos, a minha consciência não me permite uma atitude discriminatória. Mas permitam-me aqui uma singela partilha de experiência.
Durante muito tempo a trabalhar na hotelaria habituei-me a gerir a (in) conveniência social do meu convicto vício de fumador. No entanto, chegado a meados de 2004 devido a uma reestruturação na empresa onde trabalhava, mudei de escritório e passei a partilhar um moderno e racional espaço comum. Ainda arranjei um cinzeiro "de pé" que eu próprio coloquei no patamar das escadas entre os elevadores. Estavam claramente comprometidos os meus rituais de prazer. Por exemplo, cada fugida para fumar, obrigava-me a interromper o que estava a fazer. Como se o “fumar clandestino” não fosse suficiente humilhação para um respeitável quarentão como eu, ali eu expunha-me democraticamente aos mais insolentes e bem intencionados reparos, por parte de toda a sorte de virtuosos colegas.
Sem argumentos válidos que justificassem o destrutivo prazer em visível decadência, cedi à “pressão social” e marquei uma data solene para a heróica mudança. Nas derradeiras semanas de contagem decrescente, fumei que me fartei! E foram tais as (más) expectativas criadas, que me surpreendi ao sobreviver aos primeiros dias de abstinência.
Durante quase um ano, fiquei com um feitio danado, quase me incompatibilizei com o mundo, com explosivas e injustificadas fúrias.
Agora tudo passou, e posso garantir que me sinto bem e que fiz o que havia a fazer. E confesso que há muito que o lado estético do consumo da nicotina me parecia no mínimo repugnante.
As consequências deste vício entraram-me pela vida a dentro, pois perdi os avós maternos ambos com enfisema pulmonar. Lembro-me dos obscenos e assustadores ataques de tosse que tornavam roxo o meu avô, ainda recém sexagenário. Morreu cedo e asfixiado.
Hoje em dia, quando acompanho a minha mãe nos seus pequenos passeios, deslocando-se lívida, em minúsculos e lentos passos, ligada por tubos a uma garrafa de oxigénio, sou capaz de me lembrar de alguns sagazes opinion makers da nossa praça. Quando vejo na cidade as inúmeras carrinhas de distribuição domiciliar de oxigénio, das empresas Linde ou Gazin, lembro-me desses que, levianos, reclamam o direito a infestarem-se de alcatrão e nicotina, da mesma forma como reclamariam outras fracturantes causas que a agenda da moda imponha. E com comprovada imaginação conseguem argumentar e justificar a sua funesta veleidade, como se de um direito se tratasse. O direito a morrerem lentamente, em profundo sofrimento e na total dependência dos outros.
Conheço alguns – pouquíssimos - sortudos que fumam descontraídos dois ou três cigarros por dia. Por compleição genética ou psicológica, são pouco vulneráveis a dependências. Mas esses felizardos não são regra e são os únicos que se podem alegremente rir de mim ou das minhas desventuras. Mas mesmo eles que o façam sem me atirar o fumo para os olhos.

Etiquetas:

Mira, Zapatero, que fazes em 2008?

O ano de 2007 acaba com o governo do meu país a comportar-se como uma multinacional que decide deslocalizar os seus investimentos, abandonando comunidades e populações de velhos à sua sorte. A explicação de que a centralização dos serviços de saúde serve melhor os utentes seria admissível num país com outras estradas, com outra literacia, com outra capacidade financeira dos cidadãos. O que é servir melhor as populações? Quanto vale uma grávida que chega à maternidade, e como se desconta nesse valor os bebés que nascem na estrada e as mães obrigadas a parir às mãos da boa-vontade de bombeiros? Quanto custa o isolamentodos velhos, o sentimento de abandono nas pequenas comunidades periféricas?
Vejo nos jornais que, em três anos, o governo espanhol aumentou o ordenado mínimo de 460 para 600 euros. Julgo que, mais dia menos dia, teremos que fazer como o nosso governo: tirar o lápis de trás da orelha e ver se não nos compensa mais deslocalizar. Eu, por mim, começo a achar que estaria mais bem servida com o Zapatero.

Blogo, logo existo

Dizia John Donne, na magnífica frase que Hemingway inscreveu no pórtico de Por Quem os Sinos Dobram, que nenhum homem é uma ilha. Pois não. Convém lembrar esta verdade elementar em tempo de progressivo isolamento, numa altura em que a solidão é talvez a mais grave doença que se abate sobre o mundo "desenvolvido" que habitamos. Comunicar, como aqui fazemos dia a dia, é um dos mais poderosos exercícios contra a solidão. E é precisamente a pensar nisto que aqui deixo, em jeito de balanço do ano que agora acaba, uma menção a companheiros da blogosfera que fui lendo ao longo destes meses. Concordando com muitos, discordando quase sempre de outros. Mas todos eles me reforçam a sensação de que não nascemos para ser ilhas: devemos continuar a travar um combate diário pela comunicação. Pensemos o que pensarmos, gostemos do que gostarmos.
Aqui fica a extensa lista desses bloguistas, incluindo os que estão comigo no Corta-Fitas, o que é outra forma de lhes expressar o meu agradecimento como leitor. E de esperar que em 2008 tenhamos muito mais para dizer.

Etiquetas:

Cadernos de Filosofia Política de Adolfo Ernesto (XIII)



As previsões para 2008


A minha Clotilde convenceu-me a consultar a Dona Rosa, conhecida em todo o bairro por acertar no futuro. A dona Rosa é uma espécie de professor Marcelo dos anónimos.
O consultório fica num primeiro andar com cheiro a mofo. É uma sala escura, de ambiente pesado. E a Dona Rosa surgiu de repente, através de uma cortina ao fundo, com uma vassoura na mão.
Fiquei impressionado porque ela já sabia que eu era do Corta-Fitas.
"Estou um bocadinho chateada com vocês, os rapazes do Corta-Fitas", disse a dona Rosa.
"Então, porquê?", perguntei.
"Não me elegeram rapariga das sextas-feiras".
Quase mencionei a verruga no queixo e a pele esverdeada, mas contive-me, não fosse o comentário influenciar o meu futuro.
A Clotilde explicou que estava preocupada com o seu amor e a dona Rosa tranquilizou-a:
"Terás este ano um grande amor com um homem musculoso e bom".
Correspondia ao meu perfil e perguntei se eu, o grande amor da Clotilde, também estaria apaixonado.
"Que eu saiba, Adolfo Ernesto, não és musculoso nem bom. Eu estava a falar do Arnaldo, da mercearia em frente ao cabeleireiro. A Clotilde tem ali uma boa hipótese, pela circunstância de Plutão estar em conjugação com Saturno, numa órbita perfeita que, ainda por cima, se harmoniza com a trajectória de Mercúrio. Além disso, o Arnaldo depositou mil euros na conta bancária dele, na semana passada. Disse-me o gerente, que também veio à consulta".
"Mas gosto é aqui do meu fofinho...", disse a Clotilde, que estava assustada. (E o fofinho era eu).
"Ah, este é um inútil. Deixa-o".
"Mas ele até escreve num blogue, e tudo"
"O Corta-Fitas? Aquela porcaria?"
A Dona Rosa desatou-se a rir.
"Em previsões, são um desastre. Olha-me para as asneiras que escreveram no ano passado sobre o que ia acontecer este ano". Ligou a bola de cristal e apareceram este e este posts. Mas havia outros.
"Vocês escreveram que a presidência portuguesa ia correr mal ao Sócrates". A Dona Rosa ria-se, numa histeria. E eu já estava a ficar incomodado.
"E, então, quais são as suas previsões para 2008? Certamente melhores do que as nossas", atirei. Ela nem hesitou na resposta:
"É fácil: O Bush será substituído; há eleições no Paquistão e, no fim, fica um general; o Sarko casa com a Bruni; o Gordon vai à sua vida, a Merkel vai ser rapariga da sexta-feira no Corta-Fitas. Seus pedantes!".
Desligou com raiva a bola de cristal.
"E em Portugal, o que vai acontecer?"
"São mais cinco euros".
Paguei. E a bruxa ligou de novo o interruptor da bola de cristal.
"A economia de pantanas; Berardo na Caixa Geral de Depósitos; Sócrates no Governo; não haverá mais festarolas europeias, vem a factura; fogos no Verão; a economia de pantanas (já disse); o Benfica perde mais uma vez o campeonato; a Clotilde fica com o Arnaldo; Sarko no Allgarve com a Bruni; Adolfo Ernesto apaixonado por uma beldade chamada Rosa".
Quando saímos (ar fresco!), a Clotilde vinha a matutar naquelas previsões.
"Podias ter-me dito que amavas uma Rosa", disse a Clotilde.
Era inútil dizer que não conheço nenhuma beldade chamada Rosa.
"Enfim, se não posso ficar contigo, talvez o Arnaldo não seja má ideia", suspirou a Clotilde.

Adolfo Ernesto

Etiquetas:

domingo, dezembro 30, 2007

Manhã perfeita de Domingo

Acordar, ir ao ABRUPTO ver o estado do tempo e, se estiver a chover, voltar para a cama.

Nas colunas

A banda sonora ideal para o meu post mais abaixo.

Etiquetas:

Um bom ano!

Com mais um calendário em fim de vida útil, cheio de apontamentos, reuniões e lembretes, aniversários e recados, marcamos a passagem por mais uma etapa da nossa existência. Sem que eu seja grande devoto destas celebrações, também sou levado na onda dos balanços e balancetes. E constato que o ano que termina me foi particularmente pródigo. Assunto que assim deixa de o ser, já que como nos rezava David Mourão Ferreira n’ um “Amor Feliz” a felicidade não tem história. Mas tem, todos nós sabemos que tem. Mesmo que uma história dessas possa soar a pirraça.
E a inveja é uma coisa muito feia. E chega a ser perigosa quando vem daqueles que “não padecem” desse mal. Porque quem não sente não é filho de boa gente. Ou é esquizofrénico.
Pois então fica escrito que eu sou “em geral” muito sensível a toda a sorte de sentimentos, humanas inseguranças e desejos, dos mais luminosos aos mais obscuros.
Duvido sempre de quem se proclama democrata, justo, ou sincero. Eu, por mim sei o que custam tais atributos. Depois, com tantas emoções, aprendi à minha custa que o inferno não são os outros, ele quando arde é dentro de nós. Corrosivo e demolidor se não for bem tratado pela razão.
Mas acreditem que sobrevivo relativamente em paz, apesar de tudo. Aprendi a viver com a efervescência de tantas e contraditórias energias. Que esse é o preço de viver uma vida inteira. Até conviver com o terrível medo, ameaça constante ao livre arbítrio, mas que finalmente nos pode salvar, à beira de um precipício ou a atravessar a avenida da Liberdade.
A vida ensinou-me a temer quem se embandeira ao mundo todo puro de coração. Pior do que ser imperfeito é desconhecermos o quanto o somos. Sem nunca perscrutar as nossas motivações. E depois, só não tem ciúmes quem não ama. Quem nunca dá o peito à conquista. E afinal, para essas inegáveis maleitas da vida, basta aplicar um pouco de juízo.
O meu 2007 fervilhou de histórias e emoções. Com gente a palpitar lá dentro e com tudo o que isso implica. E foi um bom ano, graças a Deus.

Etiquetas:

As (outras) passas do Ano Novo


É ler, rapaziada, é ler! Esta lista dos benefícios do tabaco (sim, leram bem) foi compilada por uma organização que defende o direito a fumar, beber e comer em liberdade e sem restrições e limitações impostas pelo Estado (Chatice! O Cohiba apagou-se. Passa aí outra vez os fósforos). Dir-me-ão, os mais cépticos que os há sempre, que esta benemérita associação é financiada pelo dinhheiro das tabaqueiras e bebidas licorosas. Who cares (Puff, puff...Desliga a luz, pá! Queres ir preso ou quê?) Seja o que for isto da Forces International vou já enviar-lhes a minha nota de um dólar e perguntar o que é preciso para fazer parte da Comissão de Honra. (Um ano novo em liberdade condicionada! É o que isto vai ser, pá! Queres dar mais uma passa?)

Etiquetas:

Claro que gostei

Destas escolhas do Jorge Ferreira.

Etiquetas:

A quem sente a minha falta

Etiquetas:

A melhor década do cinema (14)


A SOMBRA DO CAÇADOR
(The Night of the Hunter, 1955)
Realizador: Charles Laughton
Principais intérpretes: Robert Mitchum, Shelley Winters, Lillian Gish, James Gleason, Evelyn Varden, Peter Graves, Don Beddoe, Billy Chapin, Sally Jane Bruce
"Uma obra intemporal, que sobreviverá a todas as modas." (Claude Beylie)

Etiquetas:

Prosperidade

Já no Natal foi assim. Agora, à beira da passagem de ano, repete-se a cena. O telemóvel estremece a todo o tempo com mensagens de boas-festas impessoais e padronizadas - daquelas frases ocas que tanto podem ser ditas a um vizinho como a um vago conhecido ou até a uma árvore da avenida. Mas o mais engraçado é que muitas vezes o remetente nem se dá ao trabalho de assinar a mensagem, o que a torna tão irrelevante como inútil. Ainda agorei mirei os algarismos na vaga esperança de reconhecer o número de quem acabou de me desejar "um ano cheio de prosperidade". Em vão: não faço a mais remota ideia. Será algum benemérito com vontade de engordar ainda mais os lucros das operadoras móveis? Se não é, parece. E parece também haver muita gente a partilhar deste objectivo. Um 2008 cheio de facturas telefónicas para pagar, é o que lhes auguro desde já.

Etiquetas:

E não se pode exterminá-los?


O teu nome é compatível? – perguntam, em tom vivaço, no anúncio da televisão. Quem quiser saber, é fácil, basta escrevê-lo junto com o nome da pessoa amada e enviar a mensagem para um número de telemóvel de valor acrescentado.
Fácil, tentador. Diria mesmo irresistível para os milhares de adolescentes e pré-adolescentes que hoje constituem a geração Morangos com Açúcar. Fiquei a meditar no assunto: que negócio da China, hem? Faz-se uma pergunta parva e fica-se à espera que os miúdos, na tontice própria da idade, caiam na rede que nem tordos. Confesso que fiquei com vontade de ligar. Não para o tal número, bem entendido, mas para me informar junto de quem de direito se não há forma de acabar com estes negócios destinados a ir despudoradamente ao bolso de quem tem filhos na idade do armário.

Cinema Nostalgia (22)


Através das nossas mães e avós começámos a ingerir esses enredos em doses regulares, não raro antes de pegarmos no sono. Daí que os nossos sonhos acabassem muitas vezes por se confundir com eles, formando um todo contínuo com alguma coerência. As histórias de encantar são uma espécie de testemunho que passa entre gerações e que no caso específico das mulheres serve de sedimento a uma subcultura. A das fadas, dos príncipes e das princesas, onde os papéis de cada um estão bem definidos, a começar pelo nosso que é, naturalmente, de grande responsabilidade, ou não fosse o principal.
A trabalheira que nos dá demarcarmo-nos depois de todos aqueles estereótipos e aceitarmos as nossas imperfeições! Não sei o que acontece com os homens, mas no nosso caso creio que nunca nos chegamos a libertar inteiramente de certas fantasias. O que há mais para aí é donzelas na eterna busca do príncipe encantado e cinderelas à espera de redenção. O cinema percebeu isso bem demais e em todas as épocas nos serviu histórias cuja matriz é sempre a mesma e que não por acaso foram êxitos de bilheteira. Não desfazendo no desempenho de Julia Roberts, não tenho dúvidas de que o segredo do sucesso de Pretty Woman (Um Sonho de Mulher) é o facto de consistir numa versão revista e apimentada da Gata Borralheira.
Lembram-se de Uma Mulher de Sucesso (no original, Working Girl) com Melanie Griffith? À medida que a via e voltava a ver fui-me interrogando sobre o fascínio que essa comediazinha de Mike Nichols exercia em mim, até que um dia percebi: é claro, ver aquela loirinha frágil penar e no final triunfar no mundo da alta finança faz-me disparar a adrenalina.
O síndrome da Cinderela está presente em numerosos filmes, todos com êxito assinalável e se alguns pouco ou nada valem como obras cinematográficas, outros conseguem fazer o pleno: juntar a magia das histórias de encantar à magia da tela. E esses acabam na categoria particular dos filmes da nossa vida. Exemplos? Tenho vários: My Fair Lady, o meu musical favorito; Sabrina (na foto) e a reinar sobre todos esses... Boneca de Luxo (Breakfast at Tiffany’s), de que o Pedro já aqui falou. Ser salva por aquele príncipe (George Peppard) em plena Nova Iorque, debaixo de chuva e junto aos caixotes do lixo revolucionou em definitivo o meu conceito de romantismo. Desde então nunca mais consegui sentir o mesmo élan na derradeira cena do sapatinho de cristal no clássico da Disney A Gata Borralheira que serviu durante tantos anos de referência às minhas fantasias românticas...

Etiquetas:

Sound bite

“O Governo português tem tentado colher dividendos do facto de o Tratado ter sido assinado em Lisboa. José Sócrates desempenhou muito bem o papel de sargento, tratou das tarefas procedimentais, reuniu as pessoas para as assinaturas. Mas o Tratado foi feito por Angela Merkel, o Sócrates foi apenas a barriga de aluguer da sra. Merkel” – António Barreto in Expresso

Domingo

Evangelho segundo São Mateus 2, 13-15.19-23

Depois de os Magos partirem, o Anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge para o Egipto e fica lá até que eu te diga, pois Herodes vai procurar o Menino para O matar». José levantou-se de noite, tomou o Menino e sua Mãe e partiu para o Egipto e ficou lá até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pelo Profeta: «Do Egipto chamei o meu filho». Quando Herodes morreu, o Anjo apareceu em sonhos a José, no Egipto, e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e vai para a terra de Israel, pois aqueles que atentavam contra a vida do Menino já morreram». José levantou-se, tomou o Menino e sua Mãe e voltou para a terra de Israel. Mas, quando ouviu dizer que Arquelau reinava na Judeia, em lugar de seu pai, Herodes, teve receio de ir para lá. E, avisado em sonhos, retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Assim se cumpriu o que fora anunciado pelos Profetas: «Há-de chamar-Se Nazareno».
.
Da Bíblia Sagrada

Etiquetas: ,

sábado, dezembro 29, 2007

Fitologia

.
.
Faria de oliveira, mas afinal faz de árvore das patacas.
.
.
.
.

Julgam que eu não sei?


Aparentemente está tudo igual. O vaivém dos carros em tarde de sábado, o semblante dos transeuntes meio fechado mas com a atenção saudavelmente fixa em questões de ordem prática: o semáforo para os peões, os títulos dos jornais no quiosque, ou o “presente” que o cão do prédio em frente ainda há pouco largou no passeio e que é preciso contornar.
Mas hoje é dia 29 de Dezembro e a mim não enganam. Toda esta gente pratica há anos o mesmo ritual. É coisa que se começa a enraizar desde a adolescência, que é a fase em que todos nos estreamos nestas actividades e depois torna-se difícil perder o hábito. Ainda que vagamente, quase por distracção, lá estamos nós a fazer as contas. A contas connosco. E não adianta tentar fugir ao lugar comum. Os nossos pensamentos são movediços e acabam por se deixar arrastar pela corrente. Os jornais são os primeiros a dar o tom, de modo que torna-se inevitável: a seguir ao Natal fechamos para balanço. Receitas e despesas, perdas e danos. A nossa vidinha – que estupidez – passada em revista por imperativos de calendário.
Olha para aqueles, a ver montras. E aquela ali a falar ao telemóvel, toda descontraída. A fazer que estão distraídos da vida. Julgam que eu não sei?

A rapariga da sexta-feira de 2007

... é SCARLETT JOHANSSON. A quem interessar, nasceu a 22 de Novembro de 1984, em Nova Iorque. Construiu uma bela carreira no cinema, mas não é pelas suas qualidades artísticas que a elegemos rapariga da sexta-feira de 2007. Foi, como é óbvio, pela sua simpatia. Quem se interessar pela filmografia e outros detalhes do género deverá consultar o site do imdb. A nós interessa-nos saber que esta nova-iorquina de ascendência dinamarquesa tem um irmão gémeo que é actor, mas cuja foto não consegui localizar, que gosta de homens mais velhos (o que faz sentido, visto que ser mais novo que ela é ilegal em alguns Estados). Diz-se que teve romances com Justin Timberlake e com Benicio del Toro, factores que pesaram na sua eleição pela ala feminina do Corta-Fitas. É democrata, viciada em queijo, não acredita na monogamia e fez o teste do HIV duas vezes por ano, considerando que quem não o faz "é irresponsável". Porque é que me coube a mim apresentar a rapariga do ano?, perguntará o único leitor que conseguiu desviar o olhar do decote da loira e chegar a estas linhas (olá, mãe). Só faltava eu e o Villalobos. A escolha era entre a Scarlett e uma pessoa que usa mais base do que ela e cujo nome não vou dizer porque venceu uma categoria que ainda não foi anunciada. O João Villalobos foi um cavalheiro e deixou-me escolher primeiro.

Porque era mulher e era livre

Talvez o melhor texto que li na blogosfera sobre o assassínio de Benazir Bhutto. Este, do Miguel Castelo-Branco.

Etiquetas:

Palavras que odeio (71)

Amofinar

Etiquetas:

Estrelas de cinema (10)


A VIDA DOS OUTROS *****

O melhor filme que vi este ano foi A Vida dos Outros, de Florian Henckel von Donnersmarck. Uma dilacerante visita ao interior de um sistema totalitário, na defunta República "Democrática" Alemã. Toda a trama gira em torno de um oficial da polícia política de Berlim-Leste, especializado em devassar a vida íntima de intelectuais suspeitos - e para se ser suspeito bastava possuir uma vulgaríssima máquina de escrever. A evolução interior desse oficial, brilhantemente interpretado pelo actor Ulrich Mühe, é-nos mais sugerida do que revelada à medida que se vai diluindo a sua fé no sistema, que de democrático nada tinha e de "socialista" apenas conservava o rótulo, destinado a caucionar novas e mais penosas formas de opressão. É um filme denso, de tons soturnos e atmosfera quase asfixiante, que nos traça um retrato impiedoso do "socialismo real", ainda alvo da inexplicável devoção de alguns nostálgicos. Mas é também um filme que nos devolve alguma esperança na natureza humana, capaz de se rebelar contra um Estado iníquo, que transforma cada cidadão num prisioneiro ou num delator.
Todos os desempenhos são notáveis - sobretudo o de Mühe, falecido poucos meses após a conclusão do filme, sem dúvida uma das obras-primas desta década. Justamente galardoado com o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro em Hollywood.

Titulo original: Das Leben der Anderen (Alemanha, 2006). Realizador: Florian Henckel von Donnersmarck. Principais intérpretes: Ulrich Mühe, Sebastian Koch, Christa-Maria Sieland.

Etiquetas:

sexta-feira, dezembro 28, 2007

Escrever bem, escrever mal


Como se escreve bem, como se escreve mal?
Para desfazer dúvidas, Dennis Dutton, director da revista norte-americana Philosophy and Literature, inaugurou em 1996 um concurso anual de Pésima Escrita, estimulando os leitores a fornecerem exemplos de prosa mal redigida, cheia de um pedantismo insuportável ou simplesmente incompreensível. No fundo, aquilo que ele próprio contestava em muitos professores de literatura, que polvilham os textos de “uma filosofia absurda” com verniz pseudo-cultural.
Em 1999, a vencedora do Concurso de Péssima Escrita foi Judith Butler, feminista e marxista que alguns colegas consideravam “uma das mais importantes pensadoras da América”.
Segue o texto, com a devida vénia. À consideração de todos os leitores.
“A mudança de um registo estruturalista no qual o capital é entendido como estruturador das relações sociais de maneiras relativamente homólogas com vista à hegemonia na qual as relações de poder são sujeitas à repetição, convergência e rearticulação, trouxe a questão da temporalidade para o pensamento da estrutura e marcou uma mudança de um tipo de teoria althusseriana, que trata as totalidades estruturais como objectos teóricos, para outra na qual as perspectivas da possibilidade contingente da estrutura inauguram uma concepção renovada da hegemonia, ligadas com os lugares e estratégias contingentes da rearticulação do poder.”
Foi um prémio merecido, tenho a certeza. E pensem bem se não leram já outros textos que merecessem também um galardão deste género…

Etiquetas:

Mais Sexta-feira

Gosto do aspecto salutar e sociável das moçoilas que o Pedro Correia nos oferece aqui em baixo. Gosto do "boneco" desta Sexta-feira pois vai contra uma corrente (com enorme expressão numa certa facção masculina) para a qual mulheres atraentes têm que ter uma pose contorcida e expressão de heroinómanas - ou olhos de “carneiro mal-morto”.
À laia de bónus aqui vai uma miúda gira que além do “mais” canta bem que se farta: Emmy Rossum. E digam lá mal agora...

Etiquetas:

Sexta a dobrar


Brigitte Bardot e Jane Birkin
..........................................
Imagem roubada ao Der Terrorist

Em tempo de balanço

A melhor análise do ano feita na blogosfera portuguesa. Aqui, aqui e aqui.

E a mais original. Aqui.

Etiquetas:

A importância da História

Miguel Castelo Branco no seu Combustões, um verdadeiro serviço público de que não prescindo visita regular, propõe o voto em Rui Ramos no inquérito aqui ao lado. E eu concordo. Por mim escolheria sempre um cronista que estabelecesse a relação dos acontecimentos presentes com a História. Com a História ciência, independente de mesquinhos preconceitos ou da propaganda oficial do regime.

Etiquetas: , ,

A melhor década do cinema (13)


INTRIGA INTERNACIONAL
(North by Northwest, 1959)
Realizador: Alfred Hitchcock
Principais intérpretes: Cary Grant, Eva Marie Saint, James Mason, Leo G. Carroll, Jessie Royce Landis, Josephine Hutchinson, Philip Ober, Martin Landau
"Só cenas memoráveis, umas atrás de outras." (Leonard Maltin)

Etiquetas:

O Eixo do Mas

A brigada do mas volta à carga. Benazir Bhutto foi morta, pelo menos outras 14 pessoas foram assassinadas com ela, há que condenar, etc. Mas. E mas. E mais mas. A internacional terrorista agradece a compreensão de tão boas almas.

Etiquetas:

Palavras que odeio (70)

Palimpsesto

Etiquetas:

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Benazir Bhutto (1953-2007)


Era, devemos reconhecer agora, uma morte anunciada: ela tinha a cabeça a prémio. Mesmo assim, não virou a cara aos desafios nem abandonou o povo paquistanês, que nela confiava. Foi assassinada de modo infame e cobarde - é a mais recente vítima da internacional terrorista, cada vez mais ramificada. Por isto me custa engolir a frase de Mário Soares: "Os terroristas são seres humanos como nós."
Olhe que não, doutor Soares. Olhe que não.

Etiquetas:

Os terroristas são tão humanos como nós

Vi há dias, pela primeira vez, o programa da RTP O Caminho Faz-se Caminhando. E de facto lá iam eles, Mário Soares e Clara Ferreira Alves, caminhando. Chegaram a Córdova, onde lhes deu para falar muito de religião. A Clara nem parecia o mesmo espírito acutilante do Eixo do Mal, em que costuma contestar tudo e todos. Chegou até a pedir desculpa por fazer uma pergunta ligeiramente incómoda a Soares, assumindo-se como "advogada do diabo". Exagero dela. Soares, imperturbável, falava com a imodéstia que sempre o caracterizou - "Sou um homem do iluminismo, do enciclopedismo" - enquanto defendia doses urgentes de tolerância para solucionar os mais graves problemas mundiais. A tolerância só se desfez quando visou o inquilino da Casa Branca, insurgindo-se contra o "flagelo que foi para a América, e para o mundo em geral, o presidente Bush". Já em relação ao extremismo islâmico, mostrou-se mais compreensivo: "Os terroristas são seres humanos como nós."
Por estas e por outras - e não por causa da idade, como alguns disseram - é que só teve 15% na eleição presidencial de 2006. Se fosse hoje, teria ainda menos. Não devido à idade, mas devido às ideias: ao pé dele, Francisco Louçã parece um tranquilo social-democrata. Aposto que Soares ainda há-de admoestá-lo (odeio esta palavra) pela sua crescente moderação.

Etiquetas:

A melhor década do cinema (12)


QUANDO A CIDADE DORME
(The Asphalt Jungle, 1950)
Realizador: John Huston
Principais intérpretes: Sterling Hayden, Jean Hagen, Louis Calhern, Sam Jaffe, Marilyn Monroe
"Introdução da tragédia grega no romance policial." (André Malraux)

Etiquetas:

Palavras que odeio (69)

Mourejar

Etiquetas:

Campanha de solidariedade?


Sarko e Bruni, Bruni e Sarko. Há dias que não paro de ler notícias sobre os dois em tudo quanto é sítio. Bem sei que os amores dos famosos e poderosos são sempre um prato muito apetecido para a Imprensa de todas as cores, mas esta insistência e o destaque que lhes têm dado com manchetes e páginas abundantemente ilustradas nos jornais mais respeitáveis começa a cheirar-me a algo mais. Estaremos em campanha pela recuperação da imagem, nada sexy, de homem traído e descartado, nem um pouco consentânea com a do político de sucesso com fãs arregimentados em todo o lado, a começar pelos media?

quarta-feira, dezembro 26, 2007

O melhor blogue do ano


Há blogues e blogues. Há aqueles que nos suscitam alguma curiosidade e logo nos desiludem - pela verborreia, pela irrelevância, pela falta de coerência interna, por serem intermitentes ou simplesmente mal escritos. E há aqueles a que voltamos sempre, como um vício bom. Pelos motivos contrários aos anteriores: prendem-nos pelas ideias, pelo estilo, pela escrita, pela graça, pela irreverência. É o caso do Blasfémias, que elegemos como blogue do ano. Não por unanimidade - é raro haver unanimidade entre nós - mas por uma "expressiva maioria", como se diz na gíria política. O Blasfémias é um blogue dinâmico e atento à realidade, funcionando a um ritmo jornalístico. É um blogue que preza as ideias, sem ser necessariamente um blogue doutrinário ou ideológico, já que constitui um ponto de reunião de pessoas que pensam de maneira diferente, embora com afinidades evidentes. É um blogue muito interventivo: não esperamos dele aquele género de neutralidade muito cómoda, muito à portuguesa. É um blogue que faz jus ao nome: o espírito crítico é uma das suas imagens de marca. É um blogue interactivo: ao contrário de outros, permite comentários. E é sobretudo um blogue que preza a língua portuguesa: a qualidade da escrita é um dos seus maiores traços distintivos.
Razões mais do que suficientes para nos levarem a eleger este que já se tornou, com todo o mérito, um clássico da nossa blogosfera. Parabéns a todos quantos lá escrevem.

Etiquetas:

As leis do mercado (5)


Diz-se que a nossa cultura, cada vez mais hedonista, está a condenar as pessoas feias e deselegantes à solidão. Nada mais falso. Para esses o mercado está sempre assegurado pelos verdadeiros apreciadores da tranquilidade.

A melhor década do cinema (11)


UM LUGAR AO SOL
(A Place in the Sun, 1951)
Realizador: George Stevens
Principais intérpretes: Montgomey Clift, Elizabeth Taylor, Shelley Winters, Anne Revere, Keefe Brasselle, Fred Clark, Raymond Burr
"Tocante e memorável." (New York Times, 1951)

Etiquetas:

Palavras que odeio (68)

Escaninho

Etiquetas:

Por SMS...

24/12/2007 às 23:30:40 Teresa disse:

"FELIZ NATAL, Rodrigo. Acabámos de jantar e como diz o meu Pedro: Uma consoada deliciosa! É tão bom ver os meus filhos assim felizes! Estão ansiossímos que o Pai Natal chegue esta noite e desta vez a mãe também não foi esquecida. Estou muito feliz e grata, pois voltei a ter esperança. E muita grata ao Rodrigo e a TODOS os que nos ajudam. Obrigada por dar um sorriso à nossa vida e por dar esta felicidade aos meus filhos. FELIZ NATAL e beijinhos!"

25/12/2007 às 19:18:06 Teresa disse:

"A ansiedade fez a Cátia acordar às 4:00 da manhã. Quase fui apanhada! Às 7:00 já todos estavam aos gritos que o Pai Natal tinha chegado. Foi uma autêntica explosão de alegria. Maravilhoso e inesquecível! Até o Ivan pulava com os brinquedos. Estamos muito felizes, eufóricos e maravilhados. Obrigado e beijinhos a todos os que nos ajudaram."


O Natal já passou mas ainda podemos fazer muito pela Teresa e sua família. Estamos a meio do caminho. Conseguiremos, TODOS sem excepção, dar a esta história um final feliz?

terça-feira, dezembro 25, 2007

Gingóbel

Qualquer coisa na mensagem de Natal do nosso primeiro-ministro - não sei se o tom satisfeito, se o olhar elevado (quem é que teve a ideia de pôr o teleponto acima da câmara?) - despertou em mim o pequeno taxista que há em todos nós e, perante o anúncio do bom estado das contas públicas, dei por mim a pensar "O que tu queres sei eu!".

Natal


Evangelho segundo São Lucas 2,1-14

Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. Este primeiro recenseamento efectuou-se quando Quirino era governador da Síria. Todos se foram recensear, cada um à sua cidade.
José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e da descendência de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que estava para ser mãe.
Enquanto ali se encontravam, chegou o dia de ela dar à luz e teve o seu Filho primogénito. Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Havia naquela região uns pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos. O Anjo do Senhor aproximou-se deles e a glória do Senhor cercou-os de luz; e eles tiveram grande medo. Disse-lhes o Anjo: «Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Isto vos servirá de sinal: encontrareis um Menino recém-nascido, envolto em panos e deitado numa manjedoura». Imediatamente, juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus, dizendo: «Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados».
.
Imagem: A Sagrada Família de Simone Cantarini (via Afinidades Efectivas)

Etiquetas:

segunda-feira, dezembro 24, 2007

O que é que vão celebrar em 2010 ?!?

Ferreira Fernandes coloca hoje na sua coluna do Diário de Notícias o dedo na funesta ferida do regime, ao indignar-se com a assumpção por parte de Luis Filipe Meneses do direito ao usufruto para as suas hostes dum dos muitos lugares de topo duma empresa estatal, no caso a administração do maior banco nacional. É público que, em detrimento da meritocracia e do bom senso na gestão dos recursos nacionais, o regime acalenta um sistema paternalista que promove os apaniguados dos principais partidos de poder aos mais suculentos lugares da administração mais ou menos pública. A "moral republicana" e a democracia representativa não se libertaram duma centenária tradição proteccionista, macrocéfala e despótica. O regime sustenta-se aliás duma clientela incompetente ou simplesmente oportunista, uma medíocre neo-fidalguia, que se alimenta e sobrevive gananciosa nas máquinas dos partidos situacionistas.
Pessoalmente estranho o cúmplice silêncio da nossa imprensa da especialidade - pretensamente independente e livre - perante a podridão do sistema que a todos nos consome os preciosos recursos. Tarda a denunciar o sistema que promove a injustiça, o compadrio e o clientelismo. Se calhar porque também se alimenta dele.
Como Miguel Sousa Tavares sagazmente escreve na sua crónica do Expresso desta semana, há duas espécies de portugueses: os que vivem a pagar ao estado e os que vivem a tirar aos estado. Assim sobrevive o regime, com as trágicas consequências encobertas pelo beneplácito placebo dos fundos comunitários.
Ao longo dos últimos séculos foram necessárias as mais radicais barbaridades revolucionárias para que tudo permanecesse na mesma, ou seja - obviamente em termos relativos - na cauda do mundo civilizado.
Perante a constatação do crónico atraso nacional de que eram vítimas as classes mais desprotegidas e cuja condição social se encontrava perto da miséria, D. Manuel II, numa desesperada tentativa de alterar o decadente curso da história, uns meses antes da inútil revolução do cinco de Outubro, contratou por sua conta e risco o famoso sociólogo francês Léon Poinsard para que desenvolvesse as necessários observações e elaborasse um dossier que apontasse as pistas para uma política regenerativa e promotora do "fomento nacional". O sociólogo percorreu o país de lés a lés analisando a organização social e as condições de vida da população que lhe mereceram um sinistro diagnóstico: a principal causa da “desordem crónica” do país residia na sua organização política dominada por uma “tribo” pouco escrupulosa, ávida de poder e proventos que dominava a seu bel-prazer devido à fraca tradição de liberdades locais que fazia centralizar todo o poder e autoridade no governo. O rotativismo protagonizado pelos dois grandes partidos do poder, o regenerador e o progressista, contribuía apenas para criar uma série de clientelismos e servir interesses particulares em detrimento interesse nacional.”(...) "Uma das consequências mais singulares e mais injustas deste sistema é o predomínio quase continuo de um poder anónimo e irresponsável que frequentemente dirige, de uma maneira indirecta, mas efectiva, toda a alta politica da governação.”
É por estas e por tantas outras que eu me assumo à margem do sistema. Estou-me nas tintas para este circo, esta "guerra" não é minha. Repartam os lugares nos bancos, nos institutos públicos, saqueiem tudo o que possam à conta da ignorância e do acriticismo nacional. Por mim, tenho um projecto de vida para chutar para a frente, com muito trabalho e sem favores de ninguém. Mas quando a ganância dos apaniguados esquece o pudor e descrição que é devida ao ladrão, eu revolto-me. Profundamente. Mas para alívio interior concentremo-nos no essencial, que é o Natal que se celebra já daqui a nada.
.
Fontes: Maria Cândida Proença, Léon Poinsard e Rui Ramos

Etiquetas: ,

Cadernos de Filosofia Política de Adolfo Ernesto (XII)



O espírito natalício


O pior aconteceu na loja onde estavam a vender caviar Beluga a 410 mocas. Houve assim um tropel de cavalos, com resfolegar e tudo, aquilo a que o comendador Joe chamaria um utle stampede da CVM, mas que envolvia cotovelos, golpes baixos e empurrões mais ou menos subtis. Caí, pisaram-me três costelas e partiram-me os óculos.
Volto um pouco atrás: não tinha nada a ver com o Beluga, mas andava à cata de um presente de menos de cinco euros (tenho um orçamento catita desde que ganhei umas massas a escrever crónicas aqui no corta-fitas) para oferecer à minha nova namorada, a Clotilde, que é cabeleireira. E bastante boa. Pensei em comprar-lhe um enfeite de cabelo, mas lembrei-me a tempo de que ela é cabeleireira... Teria sido ensinar o padre nosso ao cura... Depois, sem ideias, andava a passear no centro comercial, no meio de uma multidão desenfreada, quando transitei ao largo da loja dos belugas...
De súbito, sem aviso, houve alguém que gritou "vende-se a última beluga" e a multidão entrou numa espécie de transe, parecia correr-lhe na espinha uma voltagem eléctrica. E foi isso que, enquanto o diabo esfrega o olho, lançou a tal cavalgada, ou boiada, ou lá o que foi; parecia uma enxurrada humana, como se tivessem aberto os portões do campo pequeno para deixar sair os touros e as pessoas começassem a fugir. Mas era para dentro.
Um homem gritava que dava 500 euros, outro enfiou-lhe um murro, e uma velhinha, com ar de tia, guinchava como se a estivessem a apalpar nos finalmentes. Foi horrível, cento e cinquenta pessoas histéricas precipitaram-se para a loja onde estavam a vender o caviar Beluga e fui atropelado. A caixinha, coitada, levitava um metro acima de dezenas de mãos que se erguiam, vorazes. Depois, tombou, com um som de lata, que deixou todas as pessoas hipnotizadas.
O resto da luta já não vi porque os meus óculos jaziam no chão, falecidos e estilhaçados.
Nem deu para perceber quem tinha ficado com a última caixinha. Foi aliás o primeiro rumor de que começavam a esgotar os produtos de luxo. E aquilo iniciou o pânico no centro comercial, onde se acotovelavam dezenas de milhares de consumidores, naquelas frenéticas e derradeiras horas das compras.
O pânico de consumidores rapidamente se propagou à loja de vinhos raros e à ourivesaria ao lado. De súbito, corriam pessoas aos gritos (como se tivesse estalado um incêndio) sobre a escassez de Laffite 31; "Já só resta uma garrafa", dizia um homem de braços no ar, com ar desvairado. "Compro, compro", ordenava um empresário, que engolira pelo menos meio charuto.
Eu tinha os óculos tão partidos, que estava a ver tudo muito fragmentado e até desfocado.
Nisto, houve uma correnteza da classe média, que vinha em sentido contrário, vociferando contra a falta iminente de produtos desta classe menos endinheirada. "Esgotaram as canecas de louça com frases brejeiras", gritava uma mulher, visivelmente alarmada; "não há mais pares de meias para oferecer", dizia outra, olhos muito abertos.
Vira antes sinais de uma verdadeira crise capitalista, mas nunca assistira a um alvoroço de consumidores. Sei que, na véspera, certos banqueiros entraram em pânico ali perto do Marquês. Foram vistos alguns, aos gritos, porque se estava a derreter todo o seu dinheiro dentro da caixa-forte.
Compreendo os banqueiros. Isto de derreter dinheiro é coisa séria.
Também compreendo os terrores dos líderes da oposição. Foi avistado um, desvairado, com choque pós-traumático e martelo pneumático na mão, a gritar que ia demolir o estado em seis meses e partidarizar o que sobrasse. O stress natalício foi excessivo, pois não é suposto dizer-se mal de alguém. Para mais, quando um governo faz tudo aquilo que a oposição prometeu, não há mesmo solução. Vivemos em tempos estranhos: a esquerda e a direita estão fundidas numa só entidade, tal como o meu cérebro. Desaparecem as referências. O governo é a única oposição a si próprio. E os ricos agem como os ricos, enquanto os pobres, por inveja ou tontice, só sabem imitar.
Mas voltemos ao caso. Fui arrastado pela correnteza da classe média, entre cotoveladas, murros e calduços; lutei com um homem disfarçado de pai natal que me tentou passar uma rasteira; passei por várias lojas de telemóveis fashion, jaguares e roupa de marca, onde iguais tumultos estavam em progresso. Ao fundo, aproximava-se a polícia de choque, que começou a distribuir valentes bastonadas. Mas o mais horrível foi quando a multidão enfurecida começou a lançar contra os polícias frascos de perfume Chanel, à maneira de cocktails molotov. Parecia uma final porto-benfica ou um arraial de porrada dos santos populares. Ficou a devastação de belos presentes de Natal destruídos, todos dispendiosos, e as montras sistematicamente partidas, tal como os meus óculos.
Quando dei por mim, tinham-me roubado os cinco euros, certamente alguém se aproveitara durante os apertões. Fiquei sem dinheiro para comprar um presente para a Clotilde. Ainda pensei em levar alguns cacos do rescaldo dos incidentes, mas estava tudo em pedaços.
Pensei, pensei... E decidi oferecer à minha Clotilde um beijo daqueles e, depois, desfazer-lhe o penteado numas cambalhotas, enquanto lhe desejo um bom natal...

Adolfo Ernesto


Este texto inspirou-se numa excelente crónica, essa séria, de Eduardo Pitta, que pode e deve ser lida aqui

Etiquetas:

Amores Perros

Tenho um amigo que já foi convidado para uma festa de anos, no mínimo, caricata. Tratava-se do aniversário do gato dos pais da namorada, com direito a bolo e a “Parabéns a você”! Ontem, foi a minha vez de presenciar uma cena ao nível desta – digna de um bom guião para comédia romântica. Casou-se uma das minhas melhores amigas e adivinhem quem foi o menino das alianças? O cão da sogra. Na altura de trocar as alianças o noivo chamou: Blitz! Obediente, o animal lá foi ter com o dono e sentou-se no meio dos noivos. Não ladrou, nem fez birras. Levava uma gravata (que, só por acaso, não condizia com a gravata do noivo) e, ao pescoço, uma bolsinha de pano que continha as alianças, feita propositadamente para a ocasião. Devem estar a perguntar se ele também foi de lua-de-mel com o casal… Acho que não. À partida não estava nos planos, mas já não digo nada. O mais importante é que eles estavam felizes. E nós, apesar de estranharmos estas relações modernas, também.
Um Bom Natal junto daqueles que vos são queridos e “cãoridos”.

O essencial é isto


"José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, a cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de recensear-se com Maria, sua mulher, que se encontrava grávida. E quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoira, por não haver para eles lugar na hospedaria."
São Lucas, 2: 4-7

Etiquetas:

A melhor década do cinema (10)


A PALAVRA
(Ordet, 1955)
Realizador: Carl Theodor Dreyer
Principais intérpretes: Hanne Agesen, Kirsten Andreasen, Sylvia Eckhausen, Birgitte Federspiel, Ejner Federspiel, Emil Hass Christensen, Cay Kristiansen
"A ressurreição, desafiando a lógica narrativa, é uma extraordinária afirmação do primado do amor sobre as limitações humanas. Um dos grandes momentos de sempre do cinema." (Gary Morris)

Etiquetas:

Natal subversivo


O queijo vem da queijaria clandestina da Ti Adelaide, o doce para as azevias será feito aqui mesmo, segundo a receita e os preceitos da minha avó, que não dispensa a colher de pau. Já comprei um brinde para enfiar no bolo-rei, só me falta arranjar a fava. O café será servido em chávenas de loiça (what else?). Quem quiser fumar pode, desde que não abuse, por causa das crianças. A televisão ficará em off, naturalmente.

Etiquetas:

domingo, dezembro 23, 2007

Solidariedade

Qualquer drama não é suficientemente mau até ao dia em que nos chega por perto. E a vida dos outros ganha sempre maior dimensão quando se cruza com a nossa. Foi isso que aconteceu connosco (Rodrigo Cabrita & Rita Carvalho) quando conhecemos a família da Teresa. Conhecemo-la numa reportagem sobre o banco alimentar e ficámos sensibilizados para a sua situação. Teresa têm cinco filhos e é divorciada de alguém que podia fazer mais e não faz. As dificuldades estão lá e são reais. Hoje conseguimos entregar a ceia para a consoada, bem como bens alimentares, vestuário e muitas prendas. O sorriso de Teresa e dos cinco filhos fez-nos acreditar que é possível fazer mais. Por isso aqui estou neste nobre espaço a pedir a vossa ajuda. A história é longa e difícil de escrever na íntrega para este post. Seriam muitos caracteres. No entanto, abrimos uma conta de ajuda a Teresa com o NIB: 0033.0000.4534.6924791.05 porque o tecto que ainda os abriga tem os dias contados, a dívida no banco acumula-se e a penhora que já incide sobre a casa aproxima-se. A ajuda de cada um dos leitores do Corta-Fitas, grande ou pequena, fará diferença. No entanto, há outras formas de ajudar. Quem estiver interessado em fazê-lo, contacte-me via email para rodrigocabrita@hotmail.com.
Hoje, ao despedirmo-nos, Teresa soltou um “não sabe como algum dia vos poderei agradecer tudo o que têm feito por mim e pelo meus meninos. Nunca pensei estar na situação que estou hoje...".
Poderemos ter mais pessoas nesta cadeia de solidariedade?

Presentes de Natal


Há por aí um discurso simplista no qual facilmente se confunde consumismo e opulência com a benigna tradição do presente de Natal. Nesta quadra também me parece importante evidenciar a nobreza que possui a materialização do nosso amor ou caridade num objecto, um “presente” (que nos tornará presentes) desejável pelo próximo. Oferecer um presente a alguém – de quem nos desejamos (re) aproximar ou simplesmente homenagear, será com toda a certeza uma atitude de uma enorme dignidade. Essencial é não confundir a dádiva de um presente com marketing pessoal ou com alienação da realidade; fazê-lo bem é aliás uma arte muito própria que requer imaginação, e (o que é mais importante) uma grande capacidade de nos colocarmos na pele do outro, o mesmo é dizer de “amá-lo”.
Durante uma boa parte da minha vida o Natal foi festejado sob o pressuposto da celebração religiosa do nascimento do menino Jesus. E lembro-me com comoção de alguns presentes que, estou certo, eram muito mais do que simples objectos, e que terão sido verdadeiros actos de amor. Do meu saudoso pai - desajeitado sonhador e insigne investigador de minudências históricas, quase sempre exasperado com o seu crónico desconforto material - recebi alguns deles, como o incontornável Táxi Dinky Toy pintado a verde-e-preto pela sua mão, ou aquele álbum dos Marretas, uma sua diligenciada tentativa de convergência com o rebelde adolescente, com direito a dedicatória escrita e tudo.
Na avenida da Liberdade, na casa dos meus avós maternos, de costumes mais liberais e na época com alguma prosperidade, só depois da solenidade da Missa do Galo nos juntávamos todos a preceito aos meus tios e respectivos primos, para a ceia e distribuição dos presentes. A minha avó, personalidade única de vigor e simpatia, preparava o momento com enorme empenho: por exemplo, as diferentes cores das colecções de embrulhos e embrulhinhos distinguiam a família destinatária dos mesmos. A casa grande e de tectos altos estava quente e iluminada como nunca, cheirava a cera de velas e chocolate quente. Um presépio sóbrio onde se destacava um menino Jesus de braços abertos encimava a elegante cómoda grande da sala. A um canto a grande televisão a válvulas transmitia ainda o final das celebrações em directo da Sé de Lisboa, à qual assistira a minha bisavó Valentina, mãe do meu avô e padrinho, e que da varanda daquela sala quase ao cimo da avenida, testemunhara as mais equívocas revoluções e intentonas do conturbado início do século. Àquela hora a pequena senhora de cabelos ralos e prateados ainda resistia aos anos e ao sono. E da sua poltrona de veludo verde escuro testemunhava mais um renovado Natal. Muitos presentes recebidos nesses Natais marcaram a minha relação com aquela casa. Tornaram os seus protagonistas presentes no meu coração para sempre.
Ontem, quando estava a fazer as últimas compras de Natal, ao escolher “aquela” carteira especial para a minha mãe ou aquele blusão “radical” para a minha enteada irreverente, senti uma infantil ansiedade, pela hora da festa e ocasião para distribuirmos aqueles presentes tão “especiais” para a nossa gente tão querida.
É por estas razões que defendo o ritual do presente de Natal, que deveria conter um sentido profundo e cristão, o do reencontro dos homens de boa vontade: um autêntico tributo ao Nosso Senhor e Salvador, que nesse dia se nos apresenta como um frágil e radiante menino, que para nossa realização e felicidade deveríamos saber manter sempre vivo dentro de nós.

A todos os leitores e amigos do Corta-fitas aproveito para aqui deixar os meus sinceros votos de um muito feliz Natal.

Etiquetas: ,

Cinema Nostalgia (21)


O meu primeiro filme

Tinha sete anos quando entrei numa sala de cinema para ver o meu primeiro filme "a sério". Era Mary Poppins, de Robert Stevenson, numa reposição natalícia no antigo Monumental. Tudo me deslumbrou nesse filme: a música, a personagem da governanta com um toque de loucura, a mescla de desenhos animados com figuras reais, a vivacidade acrobática do Dick Van Dyke, o nariz arrebitado da Julie Andrews (mal adivinhava eu como haveria de gostar tanto de outro nariz arrebitado...). Recordo como se fosse hoje a mágica dança dos limpa-chaminés recortados na noite azul de uma Londres irreal. E a incomparável explosão de alegria que irrompia no ecrã aos primeiros acordes de Supercalifragilisticexpialidocious...
Vi largas centenas de longas-metragens depois desta inesquecível produção dos estúdios Walt Disney. Mas regresso a Mary Poppins com a mesma sensação de encantamento, que se repete em cada fotograma deste filme único, relíquia de um tempo em que os grandes estúdios ainda ditavam cartas na indústria cinematográfica americana. Continuo a comover-me quando ouço Chim Chim Cheree, divirto-me com aquele delirante chá tomado com as personagens coladas ao tecto, ainda acho possível que uma nanny inglesa cruze os céus de Londres a flutuar num guarda-chuva. E não concebo sequer que alguém ponha em causa os méritos desta película, uma das mais deslumbrantes obras-primas do cinema. A ver e a rever em qualquer época, dos sete aos 77 anos de idade.

Aqui publicado pela primeira vez, agora reeditado na série Cinema Nostalgia

Etiquetas: