segunda-feira, dezembro 31, 2007

Cadernos de Filosofia Política de Adolfo Ernesto (XIII)



As previsões para 2008


A minha Clotilde convenceu-me a consultar a Dona Rosa, conhecida em todo o bairro por acertar no futuro. A dona Rosa é uma espécie de professor Marcelo dos anónimos.
O consultório fica num primeiro andar com cheiro a mofo. É uma sala escura, de ambiente pesado. E a Dona Rosa surgiu de repente, através de uma cortina ao fundo, com uma vassoura na mão.
Fiquei impressionado porque ela já sabia que eu era do Corta-Fitas.
"Estou um bocadinho chateada com vocês, os rapazes do Corta-Fitas", disse a dona Rosa.
"Então, porquê?", perguntei.
"Não me elegeram rapariga das sextas-feiras".
Quase mencionei a verruga no queixo e a pele esverdeada, mas contive-me, não fosse o comentário influenciar o meu futuro.
A Clotilde explicou que estava preocupada com o seu amor e a dona Rosa tranquilizou-a:
"Terás este ano um grande amor com um homem musculoso e bom".
Correspondia ao meu perfil e perguntei se eu, o grande amor da Clotilde, também estaria apaixonado.
"Que eu saiba, Adolfo Ernesto, não és musculoso nem bom. Eu estava a falar do Arnaldo, da mercearia em frente ao cabeleireiro. A Clotilde tem ali uma boa hipótese, pela circunstância de Plutão estar em conjugação com Saturno, numa órbita perfeita que, ainda por cima, se harmoniza com a trajectória de Mercúrio. Além disso, o Arnaldo depositou mil euros na conta bancária dele, na semana passada. Disse-me o gerente, que também veio à consulta".
"Mas gosto é aqui do meu fofinho...", disse a Clotilde, que estava assustada. (E o fofinho era eu).
"Ah, este é um inútil. Deixa-o".
"Mas ele até escreve num blogue, e tudo"
"O Corta-Fitas? Aquela porcaria?"
A Dona Rosa desatou-se a rir.
"Em previsões, são um desastre. Olha-me para as asneiras que escreveram no ano passado sobre o que ia acontecer este ano". Ligou a bola de cristal e apareceram este e este posts. Mas havia outros.
"Vocês escreveram que a presidência portuguesa ia correr mal ao Sócrates". A Dona Rosa ria-se, numa histeria. E eu já estava a ficar incomodado.
"E, então, quais são as suas previsões para 2008? Certamente melhores do que as nossas", atirei. Ela nem hesitou na resposta:
"É fácil: O Bush será substituído; há eleições no Paquistão e, no fim, fica um general; o Sarko casa com a Bruni; o Gordon vai à sua vida, a Merkel vai ser rapariga da sexta-feira no Corta-Fitas. Seus pedantes!".
Desligou com raiva a bola de cristal.
"E em Portugal, o que vai acontecer?"
"São mais cinco euros".
Paguei. E a bruxa ligou de novo o interruptor da bola de cristal.
"A economia de pantanas; Berardo na Caixa Geral de Depósitos; Sócrates no Governo; não haverá mais festarolas europeias, vem a factura; fogos no Verão; a economia de pantanas (já disse); o Benfica perde mais uma vez o campeonato; a Clotilde fica com o Arnaldo; Sarko no Allgarve com a Bruni; Adolfo Ernesto apaixonado por uma beldade chamada Rosa".
Quando saímos (ar fresco!), a Clotilde vinha a matutar naquelas previsões.
"Podias ter-me dito que amavas uma Rosa", disse a Clotilde.
Era inútil dizer que não conheço nenhuma beldade chamada Rosa.
"Enfim, se não posso ficar contigo, talvez o Arnaldo não seja má ideia", suspirou a Clotilde.

Adolfo Ernesto

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