As Emoções Básicas (crónicas) II
Para efeitos de imagem, o que ficará desta cimeira do G8 será, provavelmente, aquilo que não teve influência nem importância, o desespero dos radicais, cuja visão do mundo não faz qualquer sentido. Vimos as habituais piruetas para aparecerem nos telejornais e fotos, o vandalismo descerebrado. E, claro, no meio da espuma, escapou-nos o facto deste já ter sido, provavelmente, o G8 mais importante da última década. Hoje, os líderes vão comprometer-se a uma ajuda maciça a África, para combater a SIDA e a malária.
Em política, a emoção dominante costuma ser o medo. E, no caso do primeiro dia de cimeira, houve duas ameaças a comandar os resultados, embora parte do mérito pertença, sem dúvida, a Angela Merkel, que continua a surpreender toda a gente, a conseguir acordos que pareciam impossíveis, a levar a água ao seu moinho, com paciência e liderança.
As ameaças são o possível regresso de uma mini-Guerra Fria e a alteração do clima global. Ambas susceptíveis de porem em causa a sobrevivência da espécie.
O primeiro caso constituirá menos uma ameaça real e mais uma elaborada jogada de xadrez, com bluff à mistura. Em causa, está um escudo anti-míssil americano, colocado na Europa. O sistema enerva profundamente Moscovo, que corre o risco de ver o seu arsenal estratégico transformado num brinquedo inofensivo.
Nas duas últimas décadas, os EUA esforçaram-se por transformar a Rússia numa potência de segunda linha e, por vezes, até parece que gostariam de a transformar numa potência de terceira, ignorando os perigos de tal evolução (tecnologias perigosas à solta, espaços vazios e despovoados, territórios nas mãos de fundamentalistas, recursos económicos esbanjados). O escudo poderia ser um novo empurrão no sentido do declínio, mas os presidentes russo e americano terão conseguido (essa é a interpretação que se pode extrair das afirmações crípticas que fizeram) iniciar um diálogo que acabará com o conflito à nascença. Talvez os americanos precisem dos russos nesta fase do campeonato (por causa do Irão, do Kosovo, etc.).
O segundo problema é bem mais complexo. Há provas científicas sobre o aquecimento global (o recuo do gelo é evidente), mas não existe consenso sobre a extensão do efeito de estufa ou se temos apenas o efeito de estufa na história. O clima da Terra mudou muitas vezes e as razões não são conhecidas. Deve ser considerado outro factor: este é um problema tecnológico e, portanto, económico. Há também quem diga que já podíamos ter iniciado uma nova era glaciar (as civilizações humanas beneficiaram de uma larga extensão de bom tempo, superior à média histórica, talvez cinco mil anos a mais com clima favorável, o que lhes permitiu chegar a este patamar de desenvolvimento; e a sorte pode estar a acabar).
Enfim, o medo parece ser, neste caso, bom conselheiro. Os Estados Unidos aceitaram finalmente negociar com os europeus e japoneses um acordo que poderá levar a uma redução da emissão de gases com efeito de estufa. Há ainda muitos ses, mas parece ser um caminho possível, apesar de obrigar a adiar as grandes decisões (o próximo presidente americano que resolva a questão).
Finalmente, África, o continente perdido. A confirmar-se um acordo para financiar a luta contra terríveis doenças, será um resultado sem precedentes.
Em tudo isto, não se entende para que serviu a violência dos manifestantes. Não se destinava a fazer pressão para que houvesse um determinado acordo. A violência, neste tipo de cimeiras, visa perturbar o processo de decisões e, portanto, o seu único objectivo é que não haja entendimento entre os líderes dos países ricos, criando um clima de confronto político, de rejeição social e de isolamento económico.
Parece ser uma agenda aberrante e perigosa. Não se baseia no medo, não é racional nem possui qualquer intuito construtivo. Trata-se apenas da mais pura loucura.
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