segunda-feira, outubro 16, 2006

A solidão aliada às coisas exteriores (I)

O género epistolar, que os computadores condenaram à extinção, devia ser um maná para as editoras. Tem sido esta a regra noutros países, nomeadamente os de cultura anglo-saxónica, mas não é assim em Portugal, onde são raras as cartas de gente famosa que chegam à forma de livro. Isto deve-se, em boa parte, ao temor de herdeiros que receiam ferir susceptibilidades alheias às vezes muitos anos depois da morte dos visados. Neste país de brandos costumes (Salazar dixit), o respeitinho e a necessidade de “parecer bem” sobrepõem-se a outros critérios – desde logo o de divulgar documentos com inegável interesse histórico. Felizmente há excepções. E quando existem logo se transformam em acontecimentos culturais. Foi assim no ano passado, com a publicação das cartas entre António José Saraiva e Óscar Lopes, e também com as cartas escritas por António Lobo Antunes à mulher, quando cumpria o serviço militar em Angola. Manuel Fonseca, da novíssima editora Guerra & Paz, traz-nos agora outra obra similar: a correspondência trocada entre Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner durante quase duas décadas (1959-78). Um acontecimento editorial que se saúda, embora o conteúdo esteja aquém das expectativas geradas. Não só por o número de cartas ser reduzido, mas também por não haver nelas qualquer menção a factos fundamentais da História portuguesa desse tempo, como o fim do longo consulado de Salazar e o 25 de Abril. Neste aspecto, a correspondência entre António José Saraiva e Óscar Lopes resultou num livro muito superior.