Hollywood em Lisboa
Pensava eu que os cineastas tinham uma vida difícil em Portugal, sempre à míngua dos subsídios estatais que tanto reclamam para produzirem as suas incompreendidas (e muitas vezes também incompreensíveis) obras-primas. António-Pedro Vasconcelos, autor de Perdido por Cem, é um dos que mais se queixam de estar “anos sem filmar”, ao ponto de receber uma avença no canal público de televisão como arauto do Benfica para poder ganhar a vida.
Triste sina, pensava eu. Mas não: afinal Vasconcelos até tem hábitos dignos de Hollywood. Numa das suas últimas colunas do semanário Sol, dedicada aos “benefícios do tabaco”, o homem que rodou Oxalá confessava aos compatriotas: “Fumo, de há uns anos para cá, um charuto sempre que posso. E devo reconhecer que a descoberta dos ‘puros’ trouxe-me uma capacidade contemplativa que eu não tinha, ajudou-me frequentemente a não tomar decisões precipitadas e propiciou momentos de convívio inesquecíveis depois de jantares rabelaisianos.”
Extraordinário! Dividido entre o amor aos puros e os “jantares rabelaisianos”, o nosso Orson Welles chega ao fim do mês sem graveto para ligar a câmara. Percebo-o bem: a vida é uma curta-metragem, há que curti-la. Felizmente o charuto à Hitchcock e à John Ford ajuda-o “a não tomar decisões precipitadas”. Fazer filmes, por exemplo. Defender Luís Filipe Vieira e Fernando Santos na pantalha custa um pouco menos do que rodar um filme. E, apesar de tudo, Nuno Gomes falha menos golos do que alguns actores falham “deixas” no plateau. Uma grande maçada.
E por falar nisto: já marchava uma massada de cherne com lagostins, ou um fondue de lagosta verdadeiramente “rabelaisiano”, regado com uma garrafa de Veuve Cliquot, geladinha comme il faut. Depois, um conhaque com o café. Nada de decisões precipitadas: o cinema pode esperar.