Algumas ideias sobre escrita I (crónica)
Num documentário televisivo sobre o pintor catalão Miquel Barceló, que vi no início dos anos 90, impressionou-me a resposta do artista a uma pergunta sobre as suas influências. O entrevistador estava intrigado com a fase “neo-expressionista alemã” do pintor e este explicou que a corrente alemã fora marcante no seu trabalho, mas que agora estava à procura de coisas novas. Cito de cor, mas lembro-me que Barceló terá dito qualquer coisa como “cada pintor faz a sua própria História da Arte”, para sublinhar que cada artista procura a sua voz original, absorve uma determinada tradição e prefere certas correntes, rejeitando outras. Num único percurso, condensa-se todo o passado, tal como o pintor o vê, além da busca pessoal.
Esta ideia ocorre-me sempre, ao ler certos textos que se publicam em Portugal sobre literatura e crítica literária, geralmente cheios de conceitos pouco claros e escritos em linguagem obscura, ao estilo do oráculo de Delfos.
Estão na moda teses que definem a literatura do futuro em termos de “isto não se pode fazer”, a “literatura é isto”, sendo que o “isto” é depois explicado de forma rebuscada e incompreensível. Nunca se menciona que a literatura serve para transmitir paixões, emoções, para dar prazer, para perturbar o leitor, para o fazer sair da complacência, para o tirar da inocência ou da ignorância, para mudar o mundo, se for caso disso, ou apenas para arrancar um sorriso ou uma risada, ou uma lágrima. O cerne não está na forma, mas no efeito.