De quem é a rua, afinal?
Hoje a minha rua acordou com fitas plásticas vermelhas e brancas em volta dos automóveis estacionados. Ninguém entrava, e, sair, só depois de uma troca de impressões com um polícia, naquele tom típico português: "Ó xô guarda, o que é que se passa?"; "Isto dura até quando?"; "E agora, xô guarda, onde é que podemos estacionar?" (sendo que a esta última pergunta ele respondia sempre com um levantar de ombros e um virar de costas, deixando claro que, se alguém tinha direitos legais naquela situação, não éramos nós, os da rua). Horas depois, carros de exteriores de cinema, carros das luzes, do cattering, da produção, etc., ocupavam a nossa rua com indisfarçável arrogância, anunciando-se para quatro ou cinco dias.
Lembrei-me de um artigo de Gomes Canotilho, "Uma peregrinação constitucional pela rua da interioridade", e fui lá buscar este bocado: "A rua era o lugar das pessoas e das coisas. Para um jurista, era um verdadeiro alfobre de direitos. É triste reconhecê-lo: a cidade matou a rua, já não há direitos da rua e na rua. A rua já não tem a alegria do primeiro vagido nem a angústia do último suspiro".
Lembrei-me de um artigo de Gomes Canotilho, "Uma peregrinação constitucional pela rua da interioridade", e fui lá buscar este bocado: "A rua era o lugar das pessoas e das coisas. Para um jurista, era um verdadeiro alfobre de direitos. É triste reconhecê-lo: a cidade matou a rua, já não há direitos da rua e na rua. A rua já não tem a alegria do primeiro vagido nem a angústia do último suspiro".
A maior árvore de Natal do Mundo, os desfiles de aniversário na Avenida, os filmes, anúncios e mais não sei quê, o assadouro de castanhas no Terreiro do Paço e tudo aquilo que nos priva da rua tem um efeito humilhante: mostra-nos que a rua não é nossa, é "deles".
É preciso estar atento. Nunca sabemos quando vamos precisar de sair para a rua e só nessa altura reparar que já nem isso é possível.