terça-feira, outubro 09, 2007

Cadernos de Filosofia Política de Adolfo Ernesto (1)


O paciente mental
O Naves ficou deprimido depois de lhe terem achincalhado o romance. Não sei a razão, pois aqui entre nós, o título é mau e aquilo é ainda mais ilegível do que o tratado reformador. Anyway, o tipo apanhou uma depressão que não se aguentava. Encontrámo-nos na consulta.
“Deixa lá. Tristezas não pagam dívidas. Rir é o melhor remédio”, disse eu, e ficámos amigos.
Ele explicou-me o que o afligia e não resistiu a perguntar-me qual era o meu mal. Tive que lhe explicar que não tenho mal, sou apenas paciente, um paciente mental, o que me parece coisa positiva, pois junta duas qualidades, a paciência e a mentalidade. Chamo-me Adolfo Ernesto e segundo o diagnóstico, o meu lado esquerdo do cérebro anda misturado com o direito, sinapses e tudo. Daí o bigodinho à Hitler e a boina de Guevara. A foto podem ver em cima, foi tirada por uns rapazes que iam a passar e ficaram entusiasmados com o meu look. No fundo, sou um radical, embora de ambos os lados ao mesmo tempo. Também falei nos meus planos de redigir um tratado de filosofia política.
“Tu é que me podias substituir no Corta-Fitas, agora que eu saí”, disse o Naves.
A ideia entusiasmou-me. Dito e feito. Tiro e queda. Kagandamaluco.
E assim compareci na entrevista, onde estavam eles todos. Expliquei-lhes que pretendia escrever posts inseridos numa obra mais vasta. Começaria por 50 posts dedicados a insultos canalhas e soezes, tema que está a fazer escola.
O Pedro torceu o nariz: “Não era bem isso que queríamos. Aqui, no Corta-Fitas, não há insultos”.
“Mas tenho uma lista de 500. Podemos fazer variações criativas”.
A proposta foi rejeitada. A seguir, rejeitaram-me uma ideia de post sobre um sonho que tive, onde se ouvia o Crepúsculo dos Deuses, de Wagner, ao ritmo da rumba do Buena Vista Social Club.
“A blogosfera está a ficar um antro de acção directa”, expliquei, já em desespero. “Os jornais de parede como o vosso precisam de polémica, sumo, controvérsia. Podíamos fazer uma série de posts sobre sumos, como a vossa série de televisão, desta vez Coca-Cola, Pepsi, Compal...”
A ideia também foi rejeitada. Então, propus fazer crónica política, para substituir o Naves na função. Ele, no máximo, fica com as crónicas fofas. O Villalobos colocou de imediato uma objecção, nomeadamente de que eu não servia para a tarefa porque não lia os textos até ao fim e deixava tudo a meio (nem sei como é que ele soube). Na opinião do poeta, não é possível criticar sem ler tudinho, até às palavras mas pequenas (como se alguém fizesse isso!).
O Villalobos insistia na necessidade de lermos tudo até ao fim. Irritei-me:
“Tu não podes falar do tratado reformador porque não leste tudo”, afirmei, já com o meu lado irascível-hitleriano a comandar as operações. “Aliás, nessa ilógica, só seria possível um debate com os três juristas que escreveram o tratado e o doutor Vital Moreira. O mesmo se pode dizer de um artigo liberal ou centrista: para quê ler duas páginas de banalidades, quando basta ler uma delas para darmos uma catanada no autor”. Então gritei: “Acção directa! Patria o muerte!”
Aquilo mexeu com eles. Aceitaram-me. Serei do Corta-Fitas, com a pasta da filosofia política. Prometo ser fiel às minhas origens ideológicas, apesar do meu cérebro instável misturar muitas vezes aquilo que aos outros parece claro.
Será bem fácil substituir o Naves, que conseguiu escrever um livro ainda mais chato que os posts dele. Depois tenho direito a ir aos jantares, porque estou no ambulatório. E aos jantares vão sempre a Inês e a Isabel, com os seus sorrisos encantadores, a Miss Pearls, que é de uma sofisticação, também vão as sagazes Cristina e Teresa, o lírico Villalobos e o fleumático Francisco, os divertidíssimos Leonardo, Rodrigo e Zé Carlos (que não têm aparecido, não sei a razão). Poderei apreciar a elegante classe do Duarte e a inabalável boa educação do João Távora e, claro, estará o boss Pedro, que comanda a orquestra com a sua firmeza aristotélica. Prometo não me babar (tanto esplendor não facilita) e, sobretudo, tentarei não confundir os talheres da esquerda com os da direita. Enfim, o Naves não vai e não faz falta, porque é um calimero.
Adolfo Ernesto
A imagem é da revista Atlântico, com a devida vénia. Claro que sou eu.

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