segunda-feira, setembro 10, 2007

Mudar ou não mudar: eis a questão

Que literatura é capaz de mudar a nossa vida? Vai aceso o debate na blogosfera (por exemplo aqui, aqui, aqui, aqui e também aqui), a partir da excelente proposta do Manuel Domingos para que trocássemos umas ideias sobre o assunto. É matéria que dá pano para mangas: vivendo nós na civilização do Livro, nem poderia ser de outra forma. A simples frase “Não matarás”, impressa na Bíblia, mudou milhões de vidas.
Mas atenção: aqui acaba por discutir-se muito mais a vida do que a literatura. Porque, se virmos bem, os livros que foram fundamentais para a nossa transformação interior raras vezes coincidem com aqueles que o critério académico – incluindo o da Academia de Estocolmo – consagra como decisivos. Conheço, por exemplo, muita gente que decidiu cursar Direito por influência do bom desempenho de Perry Mason como advogado de ficção – e ninguém incluirá decerto Erle Stanley Gardner entre os maiores escritores do século XX. Gostar e admirar raras vezes coincidem. Sei bem do que falo: gosto de toda a obra de Ernest Hemingway, incluindo vários títulos que estou longe de admirar. Gosto de tudo quanto me transmite George Orwell, ainda que possa estar longe de admirar a sua escrita. Gosto de todo o Graham Greene, talvez o autor que mais me ensinou como se deve escrever, embora não partilhe o essencial das suas ideias. Basta a menção dos apelidos Kafka, Borges ou Malraux para me fazer reviver o prazer da leitura – e no entanto nenhum destes escritores ganhou o Nobel, o que não altera um milímetro a minha devoção de leitor por eles. Já o consagradíssimo Thomas Mann, pelo contrário, me faz bocejar de tédio perante o pedantismo da sua escrita, a que nunca aderi, por melhor que entenda a importância que o cânone oficial lhe atribui como romancista de “ideias”. Vale a pena lê-lo por “dever” intelectual? Certamente que sim. Retiraremos daí algum prazer? Essa é uma questão muito diferente.
São insondáveis os caminhos que nos transportam nas mais diversas direcções literárias. No seu leito de morte, Lenine pedia que lhe lessem contos de Jack London: o grande autor americano teria mudado mais a vida do fundador da União Soviética do que alguém fora capaz de imaginar. Tudo seria bem diferente se a literatura nada tivesse a ver com a vida. Mas felizmente que tem. E nenhum de nós gostaria que não tivesse.

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