segunda-feira, julho 23, 2007

As Emoções Básicas (crónica) VII


A caricatura

O João Távora já mencionou aqui o tema da caricatura “infame” do príncipe herdeiro espanhol, desenho que um juiz mandou apreender. Concordo com aquilo que o João escreveu e com o uso da palavra “infame” para descrever os desenhos e a inqualificável intrusão no espaço privado das vítimas.
Para alguns comentadores, a liberdade de expressão é o direito mais importante que existe. Estas pessoas usam geralmente um argumento curioso, segundo o qual a decisão do juiz de apreender a revista satírica é errada e um inqualificável atentado à humanidade e arredores. Porque, segundo estas opiniões, dizer mal dos poderes, de todos os poderes, é a questão essencial.
Claro que estes opinadores não pensam na liberdade do príncipe. Na liberdade de poder partir o focinho ao engraçado que o desenhou a ele (Felipe) e à sua esposa, numa circunstância que qualquer um de nós acharia “infame”, se fosse connosco. Aliás, os comentadores nunca pensam: “e se fosse comigo e com aqueles que eu amo?”
Falo por mim: teria muita vontade de partir o focinho ao estúpido.
É engraçado que este debate surja num país onde o respeitinho sempre foi o mais importante. Claro que os que defendem a liberdade de expressão como direito absoluto (e cimeiro) logo viram o bico ao prego, afirmando que a decisão judicial é errada pois devia prevalecer o direito de criticar ou dizer mal dos poderosos.
Tenho aversão aos argumentos geralmente usados neste tipo de debate, pois ficam sempre ao lado do essencial. Se a liberdade, incluindo a de expressão, fosse um direito absoluto, existia uma espécie de lei da selva, que é o mesmo que dizer a lei do mais forte e do mais poderoso. Felipe teria de partir o focinho ao cómico, algo que não precisa de fazer porque há tribunais e juizes que defendem a intimidade do príncipe, com as respectivas decisões judiciais.
Ninguém tem o direito de violar o meu espaço íntimo. A minha liberdade é tão sagrada como a liberdade de outra pessoa qualquer, independentemente da posição que cada um de nós ocupa na escala do poder.
Da mesma forma, ninguém tem o direito de violar o espaço íntimo do príncipe, pois isso será uma redução inqualificável da sua liberdade. Felipe é poderoso? Sim. Deve ser transformado em vítima por isso? É evidente que não.
Isto vai sempre dar ao mesmo: a liberdade de expressão não é apenas um direito e, sobretudo, não é um direito absoluto. É acima de tudo um poder e uma responsabilidade.

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