quarta-feira, julho 25, 2007

As Emoções Básicas (crónica) X


O sonho
Vivemos num tempo estranho, quando a única época em que as nossas mentes descansam se chama silly season, a época tola. Podemos preguiçar, esticar os braços, contemplar o que é belo, sem nos preocuparmos com as coisas "importantes" que habitualmente nos ocupam: a medíocre política, o trabalho insano, a competição inútil e as riquezas materiais.
(Numa história taoísta, um homem muito pobre que procurava ouro ia a caminhar no meio de uma rua cheia de gente; ao ver passar alguém que transportava um saco de ouro, correu para roubar o saco, mas foi apanhado pela multidão; o juiz perguntou-lhe 'como pudeste ser tão inábil, roubar à vista de tanta gente’; e o homem respondeu que não vira a multidão, só conseguira ver o ouro).
...Parecemos às vezes este homem que só conseguia ver o ouro. Corremos atrás de algo que nos foge sempre e que não nos satisfaz, por ser sempre tão escasso, algo que apenas brilha, um brilho frio e distante...
Não pensem que esta é uma crónica moralista, não venho dar lições que não posso dar. Queria escrever sobre a tristeza, sobre a nostalgia, mas está um dia solar e vivemos na silly season. Esta é uma crónica sobre a ausência de tema, sobre a futilidade, sobre o tempo que passa, sobre o sonho.
Na minha preguiça, estava a ler uma história da antiga sabedoria chinesa, um pequeno texto chamado "sonhos", de um mestre taoísta Lieh-Tzu que terá vivido no quarto século antes de Cristo, ou talvez não, (talvez tudo isto seja um devaneio), tal como era um sonho o que sentia o rei Mu, governante da terra de Chou, que mandou construir um grande palácio em honra de um mágico que podia atravessar fogo e água, metal e pedra, que podia voar e acalmar as inquietações humanas.
E nesse palácio o rei reuniu as melhores concubinas e mandou fazer os melhores repastos, mas o mágico nunca se contentava. E, um dia, o mágico levou o rei a voar muito acima das nuvens e os dois chegaram a um palácio esplendoroso, que era o palácio do mestre mágico, e o palácio terreno deixou de fazer sentido, pois não passava de uma miserável cabana, em comparação. E, depois, o mágico levou o rei de Mu a viajar até um local muito escuro, o sítio do grande abismo, e deixou-o cair... Foi então que o rei acordou. Perguntou às pessoas à sua volta o que acontecera e disseram-lhe que estivera sempre no mesmo sítio e que passara pouco tempo. E o mágico explicou-lhe que ambos os palácios eram irreais. E este magnífico texto, que aqui tento resumir sem habilidade, termina assim: "Sem sairmos de portas, podemos conhecer o mundo inteiro; sem olharmos pela janela, podemos ver o caminho do céu; quanto mais longe viajarmos, menos poderemos saber".
Acho que esta história chinesa se aplica à ânsia ocidental: na busca incessante da felicidade, acabamos por não encontrar coisa alguma; e perdemos a noção dos pequenos sonhos, dos ínfimos prazeres, que estão ali, ao pé de nós, à mão de semear.
É por isso que a época do descanso e da preguiça (quando temos tempo para pensar dentro de nós) nos parece tola, mas isso é erro nosso, ilusão e devaneio.


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