quinta-feira, abril 12, 2007

Kurt Vonnegut (1922-2007)



As personagens de Kurt Vonnegut parecem deambular ao acaso no meio de coisas bastante absurdas. Este autor captou bem a força do acaso e o confuso descontrolo que o ilógico assume nas nossas vidas. Infelizmente, em Portugal, o escritor americano, que faleceu na quinta-feira com 84 anos, é ainda pouco conhecido.
Quando era novo, li um dos seus livros, publicado em dois volumes na colecção Argonauta (tinha uma tradução tão absurda como as suas histórias, Utopia 14; o original é Player’s Piano). Na altura, sem compreender muito das suas ideias, fiquei impressionado com a criação de ambientes e o aparecimento de uma personagem que se passeia por tudo aquilo sem compreender patavina. Nesta história de ficção científica, Vonnegut inventa um mundo onde as máquinas substituem os trabalhadores, que não têm nada para fazer, excepto flanar pelos cafés e preparar a revolta contra a modernidade que os afastou da vida. Lembro-me de uma situação particularmente brilhante, a do trabalhador que inventa a máquina que torna redundante o seu próprio emprego.
Matadouro 5 e Cat’s Cradle são dois outros livros fantásticos de Kurt Vonnegut, mas que eu saiba o segundo não está traduzido e o primeiro foi publicado quase discretamente. Matadouro 5 é um livro terrível, um verdadeiro murro no estômago, onde estão patentes as experiências do próprio autor durante o bombardeamento de Dresden, um dos maiores massacres da Segunda Guerra Mundial. Vonnegut era prisioneiro de guerra e estava na cidade durante o bombardeamento; tinha sido capturado nas Ardenas, após deambular pelo campo de batalha durante vários dias, perdido atrás das linhas alemãs. Escrito durante a Guerra do Vietname, este livro pacifista é provavelmente o primeiro a exibir um conceito tornado entretanto famoso: o choque e pavor.
O segundo livro, Cat’s Cradle é mais difícil de definir, tal como o seu título, referência ao jogo dos fios que se pode ver na imagem. A história baseia-se numa substância de apocalipse, chamada Ice-Nine, e na questão da moral, ou da sua ausência, nas decisões humanas. Sempre a mesma flutuação desinteressada de cada ser. O escritor mostra a sua vastíssima cultura, usando boa dose de humor negro. Tudo gira em torno do acaso e da falta de controlo das pessoas sobre o seu destino. Enfim, Vonnegut era, sem dúvida, um grande escritor e merece ser lido com atenção.