terça-feira, abril 24, 2007

Jornalismo de trincheira


Há entre os jornalistas muitos defensores do chamado “jornalismo de tendência” – isto é, dos jornais alinhados editorialmente com ideologias ou até mesmo com partidos políticos. Sempre fui contra isto. E o que tem vindo a acontecer com a imprensa espanhola só me dá razão. O El País e o El Mundo, os dois principais diários espanhóis, nunca foram tão alinhados politicamente – e nunca se desprestigiaram tanto por isso. O El País, que há muito revelava claras simpatias pelo PSOE, é hoje uma espécie de câmara de eco do Executivo socialista: nas suas páginas desfilam os membros do Governo, sempre apresentados como figuras dinâmicas, enquanto os editoriais escorrem ódio contra o principal partido da oposição, ao ponto de o jornal ter já apelado a uma insurreição nas fileiras do PP para depor o actual líder do partido, Mariano Rajoy. O El Mundo, que sempre se mostrou alinhado com o anterior Executivo de José Maria Aznar, faz agora cruzadas incessantes contra o Governo de Zapatero e os socialistas em geral, como se tem visto na cobertura do julgamento dos implicados nos atentados de 11 de Março de 2004.
Praticam ambos um jornalismo de facção: para sabermos o que realmente se passa em Espanha temos de ler os dois e fazer a síntese possível daquilo que publicam. Não custa vaticinar que se descredibilizem a curto prazo, talvez sem remissão. E não custa perceber que se este modelo ainda pode funcionar num vasto mercado de leitores, como o espanhol, seria um desastre completo em Portugal, onde é preocupante o número de pessoas que vivem permanentemente divorciadas dos jornais. O equilíbrio editorial, além de uma imposição deontológica, é também uma questão de simples bom senso. Há coisas que podemos e devemos importar de Espanha: o jornalismo de trincheira não.