quinta-feira, outubro 12, 2006

A propósito do disaine

Miss Pearls escreveu aqui um texto sobre o disaine da sinalética das casas de banho que é uma pérola e me fez lembrar uma história verídica. Estava eu num país de leste e tinha bebido cerveja (tão bem disposto, limitava-me a afiar os meus bigodes, enquanto observava as pessoas que passavam na praça) quando senti uma repentina urgência de aliviar a bexiga. Nas proximidades, havia um café elegante, novinho em folha, e dirigi-me para lá. Tinha umas casas de banho ao fundo e aqui começa verdadeiramente a tal história verídica.
Naquele país de leste as respectivas palavras para mulheres e homens são Nök e Ferfiak. Quem pensar alguns segundos sobre tais sonoridades esdrúxulas, perceberá que Nök é mais rotundo, grácil, mas também mais subtil, expressão mansa e hábil, composta por fortes elementos de artifício, desembaraço e talento; até (porque não dizer?) de uma elegância meiga. Em resumo, é uma palavra feminina. Já Ferfiak induz sugestões de brusquidão e dureza, sendo uma palavra (como dizer?) algo rude e tosca, finamente bravia, plena de autoridade. Enfim, masculina.
O pior é chegar a estas conclusões numa aflição. Analisei aquilo, analisei de novo, e nada. O meu dicionário mental estava paralisado.
Restava-me recorrer ao disaine: e tínhamos numa porta o que me pareceu ser uma camponesa estilizada, já que havia uma sombra do que lembrava um saiote ou vários saiotes, um peito algo proeminente (mas isso podia ser extremo orgulho) e uma cabeça que poderia considerar-se ter cabeleira (mas podia ser chapéu). Na outra porta, o que me convenci ser o boneco estilizado de um cavalheiro (ou de um camponês), pois que havia talvez bigodes parecidos com os meus e a figurinha calçaria eventualmente botas. Foi o que me pareceu, embora já não visse nada à frente, enquanto pensava em barragens que se arruinavam e em ondas do Havai, inundações e tsunamis.
Concluí, naquele momento difícil, que os disaines não cumpriam as normas da união europeia, cujos regulamentos são felizmente taxativos sobre coisas destas.
Sem aguentar mais, irrompi numa das duas opções e escolhi (erradamente) a palavra Nök. Fui saudado por um coro de gritos de horror, claramente femininos, e bati em retirada. Só que, entretanto, uma agente da autoridade tinha reparado e, severamente, esperava-me no retorno. Não foi preciso que ela dissesse alguma coisa. Olhou-me e ordenou-me que a acompanhasse até à esquadra, dando-me voz de prisão na tal língua esdrúxula (não percebi uma palavra, mas compreendi tudo).
As coisas agravaram-se na esquadra, porque o sargento era demasiado lento a escrever o auto da ocorrência. O tipo devia ser meio analfabeto ou queria fazer um documento sem mácula ou a língua é mesmo difícil. A lentidão era exasperante. E eu só imaginava torneiras com válvulas avariadas, deixando correr o precioso líquido.
Felizmente, sobre a mesa estava um pequeno dicionário Esperanto-Inglês. Acontece que o lerdo sargento era um esperantista. É uma língua que eu também não falo, mas o meu desespero atingira o paroxismo, aquele limiar em que começamos a falar qualquer língua. Consegui fazer-me entender. "Ah! Quer ir à casa de banho", respondeu o sargento, num esperanto totalmente compreensível, tão boa pronúncia tinha. E apontou-me um longo corredor. Nestas coisas, ou a casa de banho é longe ou saímos tarde. Felizmente, era perto ou eu ainda tinha saído a tempo. Havia duas portas. Numa delas, via-se o disaine nitidamente de um polícia com cassetete; na outra porta, estava o que parecia ser o exacto disaine de um polícia com cassetete...