quarta-feira, outubro 11, 2006

A batalha do bom senso

O DN ignorou olimpicamente a audição de ontem na Assembleia sobre o novo Estatuto dos Jornalistas, preferindo o negócio do You Tube. Já o Público remeteu a sua compra pelo Google para as páginas de Economia e dedicou à audição o merecido destaque, embora ilustre a legenda «O jornalismo vai ficar vedado aos não licenciados» com uma imagem de...fotógrafos (alguma mensagem subliminar qualquer?).
A questão das licenciaturas é, obviamente, uma falsa questão. Nunca foi a frequência de um curso universitário que separou um mau de um bom jornalista e, como alguém que por lá passou, posso assegurar que um curso de comunicação social prepara tanto alguém para o jornalismo "real" como para chefe de cozinha num restaurante vegetariano.
Já a questão dos direitos para os jornalistas é realmente importante. A utilização gratuita dos textos durante 30 dias pelas empresas (Artigo 7ºb, ponto 3) significa, na prática, que o jornalista não recebe nem mais um tostão pela reprodução das suas peças durante o tempo de vida útil das mesmas. Ou seja, aplica-se a lógica «Grupo Impala» a tudo e a todos. Alguém que escreva, vê os seus artigos publicados onde apetecer ao «Gestor de Conteúdos» e recebe o mesmo.
Finalmente, a quebra do sigilo profissional por ordem do tribunal em casos de «crime grave» (artigo 11º) precisa obviamente de clarificação sobre o que cabe neste saco, com consequências evidentes para a confiança das fontes na protecção das suas denúncias podendo transformar as gargantas fundas em afónicos.
Quanto às alterações pelos editores dos textos de jornalistas, a minha opinião divide-se. Defendo a alteração da forma (até porque a qualidade média dos textos tem nitidamente baixado) e de conteúdo apenas na necessidade de verificar o óbvio: Que as partes foram todas ouvidas, os números verificados, que as fontes anónimas realmente existem e etc). Quanto a interferências de ordem «política» - no sentido abrangente do termo - era o que faltava.
Esta discussão é importante. Muito importante mesmo. E ignorá-la um erro por parte dos jornais, rádios e televisões. O problema, já se sabe, é que o patronato quer uma coisa e os jornalistas outra. A ver vamos quem vence a batalha do bom senso. Seja como for, quem vai ganhar com isto são os advogados. Se ainda fosse jornalista, arranjava já um.

Actualização: Lidos agora dois excelentes posts do Helder Robalo sobre o assunto.