A parede (crónica)
Excelentes textos, na blogosfera e na Imprensa, sobre o Pogrom de Lisboa de 1506. Nuno Gurreiro, Francisco José Viegas, nos blogues Rua da Judiaria e A Origem das Espécies (que me perdoem os autores, mas ainda não aprendi a fazer links) escreveram sobre o tema; na Imprensa, destaque para os textos de Ana Marques Gastão, no DN, e Rui Pereira, no Público. (Estarei certamente a omitir alguém).
No ano passado, visitei a sinagoga da cidade onde costumo passar férias, em Szeged, na Hungria. É uma das maiores da Europa Central, construída em 1903, no gueto judeu da cidade, então um dos melhores bairros. Só à saída reparei nas paredes do átrio. Era uma lista de nomes, dos mortos no Holocausto. Mais de 700, dos três mil deportados que tinham rezado naquela sinagoga. Só ao ver a lista caí em mim ou percebi (bem longe, apesar de tudo, da compreensão efectiva daquele horror) o que representava a parede. Famílias inteiras, médicos e operários, donas de casa e crianças de colo, comerciantes, artesãos, veteranos da Primeira Guerra e meninos da escola. Cada nome, uma pessoa como eu.
É impossível imaginar o que é um pogrom. Li nas notícias os horrores das limpezas étnicas da Jugoslávia ou do genocídio do Ruanda; li livros sobre o Holocausto e ouvi testemunhos na televisão, conheço pessoas que conhecem alguém que morreu no campos de extermínio ou escapou por pouco. Mas a razão recusa-se a compreender. Os sobreviventes que moravam em Szeged emigraram quase todos para Israel. Dos 150 mil judeus de Cracóvia, sobreviveram algumas dezenas. E em cada uma das pequenas cidades da Europa Central faltam pessoas, como se houvesse mais sombras e fantasmas nas ruas, como se estes lugares tivessem perdido um braço. Restam memórias frágeis, como aqueles nomes que o tempo apaga.
Por isso, talvez não chegue acender velas na Quarta-feira para que Lisboa e Portugal não esqueçam a terrível mancha. Devia talvez existir um monumento, nem que seja uma parede.
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