Crónica tagarela
A tagarelice nacional, que Mário de Carvalho tão bem satiriza no seu romance “Fantasia para Dois Coronéis e Uma Piscina”, parece-me ser consequência directa da fragmentação mediática e do aumento da velocidade da informação.
“Não há tempo” é uma das expressões que mais ouvimos entre as pessoas que vivem ao ritmo de hoje. Parece que as nossas vidas se tornaram mais condensadas e dispersas, indisponíveis para o viver. Os namoros, as conversas, o convívio, o passeio pela fantasia, a simples flutuação no devaneio íntimo, tudo isso se perdeu na existência de um contemporâneo. Como diria Norman Mailer, somos cada vez mais feitos de plástico, seres duráveis, mas sem distinção.
A blogosfera é um curioso fractal desse mundo: tudo aqui é efémero e rápido; quando aumentam as audiências, cai o tempo médio da leitura; os posts desejam-se imediatistas e direitos ao ponto, a caminhar para o soundbyte; os debates são terra-a-terra..
O palavrear apimentado, mas vazio, faz as delícias da sociedade da comunicação. Como tudo é rápido, consumido em fastfood, um político tem de ser mestre na frase quadrada e desmiolada. A fragmentação do mundo digital mudou os políticos, tornou-os mais conscientes da imagem pública e menos preocupados com a substância das suas ideias. Eles são de facto ilusórios produtos de marketing. E isto abre caminho ao poder das oligarquias, assente na tagarelice das massas, na esperança de haver uma espécie de perda de memória colectiva. Por isso o futebol é tão útil, porque no próximo campeonato podemos esquecer o actual.
E, para que percamos suavemente a memória, inventaram o blitz publicitário, que nos faz sentir mais jovens do que somos e belos como nunca fomos.
E todo o barulho à nossa volta serve para calar os nossos pensamentos.
Enfim, o falar por falar não tem mal em si, excepto na circunstância de ser a única coisa que nos resta.
Ilustração: pintura de Henri Matisse
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