O Grande Inquisidor
Considero-me um agnóstico tranquilo, sem necessidade de anti-clericalismos ou ataques a quem tem a fé que eu não tenho. Aliás, algumas das melhores pessoas que eu conheci eram, e são, católicos. Algumas das piores, mais chatas e mais falsas, também, mas isso agora não interessa. O que me traz ao tema é que fiquei assustado com João César das Neves, no último debate Prós e Contras, na RTP 1. Algumas pessoas sempre me avisaram que há em cada católico português um espírito inquisitorial escondido, que quer impor a "Lei de Deus" à sociedade. Sempre achei que eram exageros e polémicas ultrapassadas, típicas do século XIX. Porém, estava eu descansado nessas certezas, na segunda-feira à noite, preparado para ver um debate sobre o futuro da Europa, quando me salta um César das Neves belicoso, de olhos esbugalhados, eventualmente excitado por estar sentado ao lado de um cardeal a quem queria mostrar serviço e virtude católica, a acusar uma estupefacta Fátima Bonifácio de defender quem "mata criancinhas" e a querer por força que António Barreto (que o aturou com uma boa educação e uma paciência verdadeiramente cristãs) aceitasse que o que dividia de facto os europeus era a criminalização do aborto, os casamentos entre homossexuais, as uniões de facto e mais não sei quantas coisas que o chocavam. Tudo isto com um ar de detentor da verdade revelada, de desprezo pelos "ignorantes" que não pensam como ele, a dizer petulantemente coisas que até eu sei que são disparates (no género, "na Idade Média, a maior parte das pessoas tinha escravos..."). A cena foi ainda mais irritante porque cada declaração contra "os ateus" era acompanhada por palmas de uma plateia de jovens que deviam vir directamente do lançamento do livro do cardeal Saraiva Martins. O qual, aliás, se mostrou bem mais sereno e tolerante que César das Neves. Não sabia que ainda havia católicos assim em Portugal. É gente como César das Neves que afasta os europeus da religião.