quinta-feira, dezembro 13, 2007

Cadernos de Filosofia Política de Adolfo Ernesto (X)

Tratemos de Europa

O eurodeputado estendeu-me o copo, mas a princípio hesitei. Depois, inclinei a garrafa de Quinta dos Carvalhos 2004. Enchi o seu copo e ele ficou visivelmente satisfeito.
“Tu não és o Adolfo Ernesto?”, perguntou, com forte pronúncia da Saxónia.
“Sim. Mas não estou aqui como filósofo político. Estou aqui como empregado de mesa”.
Era a pura verdade. A cerimónia até foi bonita e observei tudo da varanda, onde esperava o banquete. Vi como a Europa deu um passo atrás e dois para a frente. Ou terá sido ao contrário, já não me lembro...
No claustro do velho convento, um cenário magnífico e multicolor. Estavam todos os famosos. Um clima excelente de confraternização.
“O que achaste dos tenores da Europa, Adolfo Ernesto?”, perguntou o poderoso dirigente, que entretanto engolira todo o tinto e pedia reforço. Inclinou-se, entaramelou os olhos, à espera da minha resposta.
Pensara ter assistido a uma assinatura de um novo tratado, mas esta informada pessoa esclarecera-me finalmente sobre a natureza daquele espectáculo de luz e som.
“Não cheguei a perceber bem”, ensaiei, com cuidado, pois não gosto de passar por ignorante. “Chamavam os tenores de cada país, mas nenhum deles cantava; limitavam-se a escrevinhar qualquer coisa no livro. Até pensei que estivessem a dar autógrafos. No fim, até houve uma canção, e ninguém votou nela”.
“Pudera, se a Dulce cantasse mais uma vez, havia uma crise europeia. Só o Sarkozy é que gostou da Dulce, com aquela touca de banho. Os cipriotas estavam prontos para sair da própria União”, explicou o meu interlocutor. “Felizmente, ela parou de cantar, o que impediu a ruptura das negociações”.
Enchi outra vez o copo dele.
“Mas julgo que não entendeste bem o que se passou aqui”, insistiu a personagem. “Mencionei tenores, mas não era de música. Designava os poderosos, a liderança, os que têm”.
“Ah! Mas então, não se diz tenores, mas possidónios, no sentido da posse”.
“Desculpa, mas a vossa maravilhosa língua portuguesa é tão difícil”, lamentou-se, com forte pronúncia da Saxónia. Depois, mudou de tema: “E o que achas desta nova Europa?”
“Tínhamos a tradição de dar 12 pontos à canção espanhola e eles davam 12 pontos à nossa. Era um arranjo simpático. Mas agora é mais difícil, porque há as coligações de países de leste, que competem contra nós pelos pontos. No fim, ganha sempre a canção irlandesa”.
Ele só dizia “wunderbar”. Bar tem a ver com vinho, chamei um colega, que é versado em coisas da bola e tinha na mão uma garrafa de branco, por abrir. E o meu colega meteu-se na conversa do seguinte modo:
“Na Europa, a competição entre clubes é feroz. É preciso evitar os grandes, ou não vamos longe”, disse. “É a sina dos pequenos. Não têm dinheiro para comprar bons jogadores ou bons árbitros e, depois, levam três secos. Mas estes gajos novos do leste são mais nabos e a gente consegue dar-lhes três secos a eles. E, no fim, ganham sempre os alemães”.
O deputado estendeu-me o copo, enquanto abanava furiosamente a cabeça.
“No fundo”, continuei, “há uma concentração de mercado vitivinícola no cabernet sauvignon, ou tendência para que este gosto se torne dominante, tornando invisíveis todos os outros. São as forças do mercado a funcionar, produzindo uniformização e massificação, onde devia existir sobretudo a diversidade. E, no fim, ganham sempre os franceses...”
“Cala-te, Adolfo Ernesto”, pediu o importante político, já convencido. “Pede à Dulce para cantar mais uma canção. Talvez ainda vá a tempo...”

Adolfo Ernesto

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