terça-feira, novembro 20, 2007

Cadernos de Filosofia Política de Adolfo Ernesto (VII)



O programa nuclear

O Hugo é um compincha, mas tem um feitio terrível. Começou a sua carreira como tenente-coronel paraquedista. Um dia, o salto correu mal e ele bateu com a cabeça. Foi aí que lhe surgiu a ideia de ser um típico caudillo latino-americano, porque tinha lido uma aventura do Tintim e aparecia aquele general Alcazar, que também é porreiro. Como o Hugo é voluntarista, dito e feito, agora é caudillo. A nossa amizade remonta ao tempo em que estivemos os dois exilados em Cuba, em tratamento. Ainda lhe chamo Huguito e ele trata-me por Che, que é uma forma de pá: “Tenemos lazos de amistad y hermandad antiimperialista, Adolfo Ernesto”, costuma dizer.
Hoje, o Hugo passou por aqui, em busca de almas gémeas, de companheiros de rota, como dizem os franceses. Fui vê-lo à sala VIP.
“Una viaje peligrosíssima, la antiaérea española intentó abater my avión. Soy el quinto exportador de petróleo del mundo”, estava o Hugo a explicar a um dos funcionários do SEF, que exigia um documento que provasse que o Hugo era quem dizia e não vinha para a emigração clandestina.
Exijo respeto para Irán”, exaltou-se o meu amigo, quando o tipo de SEF lhe perguntou para onde ia o presidente e a comitiva: “Para onde irão?”. Houve ainda uma acesa troca de palavras em torno dos conceitos de presunto implicado, mas tudo se regularizou quando o Hugo me viu. Foi uma grande festa, pá, com abraços e lágrimas. “Ay valores regulares”, dizia o meu amigo Hugo, enquanto me convidava para o visitar no seu país, onde lidera um processo político arrojado e inovador, muito apreciado pela esquerda moderna.
Tu vienes a mi país, para una estancia. Tengo hoteles de la revolución y un programa nuclear. Esse es un nuevo programa en television publica, donde yo soy el nucleo, pois hablo seis horas”.
Estava muito entusiasmado com estas inovações. O Hugo diz que quer transformar o seu, até agora, obscuro país num farol da revolução internacionalista, numa perspectiva dialéctica e de desenvolvimento sustentado.
Portugal será central para criar um eixo imbatível (América Latina, Portugal, Irão), para controlar a energia global e fazer uma finta ao império fascista do senhor Bush e do outro rapaz espanhol, de bigode, que já foi afastado e cujo nome me escapou entretanto.
Portugal es vital para mi estratégia”, explicou o Hugo, com um brilho nos olhos.
Eu já tinha posto o tipo do SEF em sentido, mas ele não desistia de querer controlar. Não se calava:
“Faço votos para que o senhor tenha uma boa estadia neste país”, disse o tolo do funcionário. O que foi ele dizer!
Por que no te callas? Votos? Falaste em votos, espécie de homúnculo pró-americano? Seu lacaio da burguesia putrefacta, seu eurocrata buxista, espécie de drácula da retórica. Eu, quando ouço a palavra votos tiro logo a minha pistola”.
Ainda tentou sacar a pistola, para abater o energúmeno, mas consegui a tempo evitar um novo incidente diplomático.
O Hugo entrara em parafuso, quase em órbita, numa irritação que só uma vez atingiu aquela dimensão tão épica e ciclónica, quando decidiu desmantelar a assembleia nacional, literalmente, pedra por pedra.
Já não há respecto por un idealista”, lamentou-se o Hugo, com um véu de melancolia naquele olhar solidário.
“Sim”, concordei, “Vivemos em tempos muito tristes”.

Adolfo Ernesto

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