Porque hoje é sexta-feira
“Cá vou, aflito pai, trepidando de impaciência. O meu nervosismo não conhece limites. Mandar-me-ão o telegrama de Gago Coutinho para aqui? Virá apenas com as cartas, com um atraso imenso? Quando são telegramas geralmente abrem-nos, em G.Coutinho, e transmitem-nos por rádio. É o único processo e só o fazem, claro, quando o pedimos. Mesmo que toda a Angola fique a saber o que se passa (há sempre uma imensa rede à escuta) bem nas tintas me estou. O que eu quero é a notícia. Já prometi que o operador que me trouxesse a mensagem se não havia de arrepender. Como não há champagne, sou homem para perder a cabeça e oferecer uma rodada de gasosas, sei lá. Sabes, é que é a primeira vez que sou pai (não sei se já te tinha dito isso) e garanto-te que faz um formigueiro pelo corpo todo que nem imaginas. Ao mesmo tempo dá uma certa sensação de irrealidade. Quando um dia esse bicharoco vier direito a mim e disser ó Pai, se calhar desato a fugir, a dizer ó tia ó tia” – António Lobo Antunes in “D’Este Viver Aqui Neste Papel Descripto” (cartas da guerra)