Museu do cinema (II)
O realizar japonês Akira Kurosawa (1910-1998) é um dos inventores desta arte a que chamamos cinema. As suas histórias são sublimes e consegue um misto de beleza formal e perfeição de detalhes que, até hoje, poucos alcançaram. Acima de tudo, na obra de Kurosawa paira uma sabedoria rara. Ele podia ter sido um grande escritor e Cão Danado (1949) foi inicialmente concebido como novela, só depois transcrito para a linguagem cinematográfica. O trabalho é praticamente perfeito, não há uma imagem em excesso ou uma cena que nos deixe confusos. Embora a história seja muito simples, o que está ali em causa possui a extrema complexidade de uma meditação sobre a queda nos infernos da alma.
Com realismo bruto, muito inovador para a época, Kurosawa conta a história quase banal de um polícia novato a quem é roubada a pistola. O filme desenvolve-se em cenas, baseado na busca incessante e cada vez mais ilusória da arma roubada, o que obriga o polícia a descer ao mais fundo dos abismos, sob um calor opressivo, encontrando no percurso personagens negras, mas também a sua raiva íntima. A própria perdição está apenas a um passo.
Podia lembrar outros filmes marcantes de Kurosawa, sobretudo A Sombra do Guerreiro (1980), um dos mais belos filmes da minha juventude, ou Rashomon (1950), ainda hoje de uma modernidade difícil de copiar, mas menciono Cão Danado pela sua universalidade. Realizado durante a ocupação americana, esta obra era também um documento sobre a mudança rápida (e o choque dessa mudança) num país que perdera a guerra e que tinha de reencontrar o seu lugar no mundo.
Kurosawa é o mais ocidentalizado dos três mestres do cinema japonês (refiro-me ao trio que também integra Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu). Mas este podia ser um filme brasileiro ou indiano. Faz, por vezes, lembrar o esplendoroso Ladrões de Bicicletas, de Vittorio de Sica, mas mais violento e desencantado, menos sentimental. Sendo do ano anterior, a película italiana deve ter sido uma importante influência. Isto não retira nada à profunda originalidade de Kurosawa, que nos diz, neste Cão Danado, que todos nós podemos perder alguma coisa e andar à procura daquilo que nos foi roubado, sem sabermos que nunca tem a importância que lhe damos. E, no percurso de busca, no momento de nos debruçarmos sobre o inferno, arriscamos perder ainda mais do que a simples inocência.
Com realismo bruto, muito inovador para a época, Kurosawa conta a história quase banal de um polícia novato a quem é roubada a pistola. O filme desenvolve-se em cenas, baseado na busca incessante e cada vez mais ilusória da arma roubada, o que obriga o polícia a descer ao mais fundo dos abismos, sob um calor opressivo, encontrando no percurso personagens negras, mas também a sua raiva íntima. A própria perdição está apenas a um passo.
Podia lembrar outros filmes marcantes de Kurosawa, sobretudo A Sombra do Guerreiro (1980), um dos mais belos filmes da minha juventude, ou Rashomon (1950), ainda hoje de uma modernidade difícil de copiar, mas menciono Cão Danado pela sua universalidade. Realizado durante a ocupação americana, esta obra era também um documento sobre a mudança rápida (e o choque dessa mudança) num país que perdera a guerra e que tinha de reencontrar o seu lugar no mundo.
Kurosawa é o mais ocidentalizado dos três mestres do cinema japonês (refiro-me ao trio que também integra Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu). Mas este podia ser um filme brasileiro ou indiano. Faz, por vezes, lembrar o esplendoroso Ladrões de Bicicletas, de Vittorio de Sica, mas mais violento e desencantado, menos sentimental. Sendo do ano anterior, a película italiana deve ter sido uma importante influência. Isto não retira nada à profunda originalidade de Kurosawa, que nos diz, neste Cão Danado, que todos nós podemos perder alguma coisa e andar à procura daquilo que nos foi roubado, sem sabermos que nunca tem a importância que lhe damos. E, no percurso de busca, no momento de nos debruçarmos sobre o inferno, arriscamos perder ainda mais do que a simples inocência.