sexta-feira, fevereiro 09, 2007

PS esquece a lei que fez

Num comício socialista no Porto, a actual lei que enquadra o aborto em Portugal foi considerada "indigna, violenta e desumana" por uma dirigente do partido. Devia haver limites para a desfaçatez, até na política, mas parece que não há. A lei de 1984, aprovada no Parlamento, resultou de uma iniciativa do PS. O partido devia, pois, integrá-la no seu património legislativo - tanto mais que acabou por inspirar a lei espanhola de 1985, praticamente decalcada da portuguesa. Ouço criticar a moldura legal do aborto na Irlanda (país apontado como exemplo noutros domínios), Polónia e Malta, mas jamais escuto uma crítica à legislação espanhola - por sinal ligeiramente mais restritiva do que a nossa, pois apenas despenaliza o aborto por violação até às 12 semanas (16 semanas na lei portuguesa) e por mal-formação do feto até às 22 semanas (até às 24 semanas em Portugal). O problema com o diploma de 1984, aliás nunca regulamentado nem devidamente aplicado, é outro: relaciona-se com o código ético dos médicos, que tantas vezes invocam objecção de consciência para recusarem fazer abortos legais, e na afectação de recursos públicos neste país em que o Estado não paga tratamentos de fertilidade (avaliados em cerca de cinco mil euros em clínicas privadas de Lisboa). Mas nisto prefere o PS não tocar. Afinal é mais fácil alterar uma simples cláusula legal. Mudar alguma coisa para tudo ficar na mesma.

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