Dez notas sobre o congresso do PS
1. José Sócrates sai do XV Congresso do PS, realizado em Santarém, sem um esboço de oposição interna: todas as tendências do partido estão aglutinadas na nova Comissão Nacional, que quase se confunde com a lista telefónica, não deixando sequer de fora figuras contestatárias como Ana Gomes, António José Seguro, João Cravinho e João Soares. Se não fosse de mau gosto, quase apeteceria chamar-lhe união nacional socialista.
2. Helena Roseta e Manuel Alegre esboçaram umas críticas ao líder - mais contundentes no caso dela, nem tanto no caso dele. Mas a posição que defenderam sobre o aborto é insustentável: nem Francisco Louçã defende que o Parlamento deve substituir-se à vontade dos eleitores expressa em referendo, fazendo passar na secretaria o que não for conseguido em campo. Sócrates puxou-lhes as orelhas. E fez bem.
3. Dez meses depois da eleição presidencial, em que o PS se empenhou activamente no combate à candidatura de Cavaco Silva, nem uma palavra foi proferida neste congresso contra o Chefe do Estado. Sócrates pode gozar ainda de um relativo estado de graça no País. Mas nada que se compare ao indiscutível estado de graça de que o Presidente da República goza no PS. Quem diria que este é o mesmo partido que em Janeiro alertou contra um possível "golpe de Estado constitucional" com Cavaco em Belém?
4. José Sócrates escondeu a maior parte dos seus ministros neste congresso. Alberto Costa, Isabel Pires de Lima, Jaime Silva, Nunes Correia, Maria de Lurdes Rodrigues, Mário Lino e Mariano Gago, entre outros. Já para não falar do inefável Manuel Pinho. Falaram António Costa, Vieira da Silva e Augusto Santos Silva: nenhum deles deslumbrou. Falou também Correia de Campos, sem suscitar o mínimo entusiasmo. Ninguém duvida: o titular da pasta da Saúde continuará a ser o ministro mais impopular deste Governo.
5. O primeiro-ministro fez duas boas intervenções. Acutilantes, bem escritas, com alvos precisos e algumas novidades. É inegável o seu profissionalismo nestes actos públicos: fala como se improvisasse - o que é uma arte dificílima, mesmo com teleponto - e percebe-se que lê de antemão, várias vezes, cada discurso que profere. Nada é deixado ao acaso.
6. Outros são amados no PS: Sócrates não. Mário Soares, por exemplo, foi idolatrado pelas bases. Jorge Coelho ainda o é. E Sócrates? Digamos que é respeitado, admirado, até reverenciado como o líder que levou pela primeira vez o partido à conquista da maioria absoluta. Mas o amor é outra coisa - e passa ao lado da sua relação com os militantes.
7. Mário Soares tinha um excelente "braço direito": Francisco Salgado Zenha. António Guterres apoiava-se em António Vitorino e Jorge Coelho. Ferro Rodrigues, mal ou bem, contava com Paulo Pedroso como seu número dois. Sócrates tem um "lugar-tenente", chamado Pedro Silva Pereira, que risca menos no PS do que qualquer dos outros já mencionados. Isto diz muito do estilo centralista de gestão política do actual líder socialista.
8. Manuel Maria Carrilho subiu a vários palanques de anteriores congressos do partido reclamando muito "debate de ideias", em nome do futuro do partido e da perpetuação do ideário socialista em Portugal. Passou-lhe de vez tal pretensão. Chegou mudo a Santarém e veio de lá calado. Ninguém se importou com isso.
9. E Sócrates? Sai deste XV Congresso do PS fortalecido não pela sua acção na gestão interna do partido, mas pela imagem de autoridade e pelo impulso reformista que vai revelando enquanto primeiro-ministro. Sai também com uma imagem mais "centrista" depois de ter preenchido boa parte do seu discurso de abertura no conclave com críticas aos partidos situados à esquerda dos socialistas. Com isto faz diminuir ainda mais o espaço de manobra do PSD e transforma a imagem radical do PS de outras eras, jacobino e estatista, numa memória esbatida.
10. Helena Roseta prestou um bom serviço a Sócrates: ao ter votado como votou, contra a moção global do líder, a arquitecta rebelde impediu que o PS se confundisse com o partido comunista norte-coreano, onde ninguém se atreve a contestar quem manda. Roseta ficou isolada no voto contra, é certo. Mas teve o mérito de contrariar o unanimismo, confirmando que um voto faz toda a diferença. O líder deve estar-lhe grato.