domingo, setembro 17, 2006

Este é o meu tempo! (Crónica)

Tenho uma pequena fotografia minha, de 1968, onde eu, em grande plano e de olhos piscos estou sentado num minúsculo barco de borracha que (lembro-me bem) agilmente remava com as mãos, na praia em Vila Nova de Milfontes. Fazia parte de um conjunto de cinco retratos nossos, os cinco irmãos, e que por muitos anos estiveram expostos na sala da casa dos meus pais. Estas fotografias, hoje monocromáticas em tons amarelados, garanto que um dia foram de uma coloração bem viva! Explico isto um pouco aflito às minhas incrédulas crianças. Foi obra do tempo, foi por causa da exposição à luz que a imagem foi perdendo qualquer rasto de cor… Como as folhas no Outono, as fotografias antigas perdem a cor. Como acontece com a vida?

Agora lembro-me de íntimas conversas com o meu irmão, em que fantasiávamos sobre a infância e juventude dos nossos pais e avós… como se tivessem vivido e crescido num tristonho mundo a preto e branco, de saias compridas e chapéu na cabeça. Comentávamos - na nossa doce ilusão - o privilégio de ter nascido numa idade de tanta sabedoria luz e cor. Esta ilusão provinha da nossa experiência, não só com o cinema mais antigo, mas da visualização dos álbuns fotográficos e reportagens em super-8 existentes em casa dos nossos avós. Estranho mundo, aquele, tão formal e monocromático.

Noutra moldura na minha sala, tenho o meu avô homónimo, orgulhosamente acenando de dentro do biplano dos anos 30, com óculos e capacete à Barão Vermelho. Sem nunca ter possuído cor (será?!) esta imagem hoje, reflecte tanta modernidade quanto aquela minha no rio Mira, tirada no ano da chegada de Armstrong à Lua…

Alarmante é o que se passa com as fotografias digitais tiradas há menos de dois anos e afanosamente impressas em casa, na nossa fantástica HP. As minhas empenhadas provas de contemporaneidade estão assustadoramente a perder a cor. É do papel? Será dos tinteiros? Ou eu não controlo mais o tempo que passa? Aliás desconfio que os nossos miúdos consideram-se os únicos donos deste tempo, dos downloads, do IPod, do Harry Potter, do terrorismo muçulmano e do Hip hop.

Pela manhã, repito uma vez mais, pela milionésima vez, os rotineiros preceitos higiénicos. E, ao espelho, passo a lâmina pela espuma branca, num gesto intemporal. E sem querer, reparo que o meu cabelo também está a ficar a "preto e branco"… Quero dizer: mais branco. Como nas fotografias, o original perde todos os dias a cor, sem se dar por isso.

Mas o meu olhar sai de dentro do mesmo ser que há quase trinta anos no Liceu Pedro Nunes saltava o muro do Cemitério dos Ingleses para ir buscar uma bola perdida.

E, de pasta na mão, pronto para sair, fresco e “bem cheiroso”, despeço-me do pessoal e uma ponta de vaidade me assalta. O meu barco navega, este é o meu tempo, e o mundo mantém inalterável a sua paleta infinita de cores, mistérios, poesia e paixão.
Graças a Deus.

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