sábado, setembro 16, 2006

Um notável exercício de hipocrisia política

1. Queria dar os meus parabéns a Vítor Dias pelo notável exercício de hipocrisia política que subscreveu ontem nas páginas do matutino Público (sem ligação disponível para não-assinantes). Identificado com o vaguíssimo e misterioso rótulo de “consultor”, que escamoteia o facto de ser membro do Comité Central do PCP, Vítor Dias insurge-se no jornal de Belmiro de Azevedo contra o “cruel esmero” que, segundo ele, terei empregue aqui no Corta-Fitas ao analisar os “principais lapsos” cometidos por Mário Soares no debate promovido pela RTP a propósito do quinto aniversário do 11 de Setembro. “Uma deselegância a roçar a baixeza”, indigna-se este inesperado advogado de defesa do fundador do PS, chorando lágrimas de crocodilo, porventura esquecido de que nenhum partido como o PCP produziu os mais soezes ataques a Soares nas últimas três décadas.

2. Anotei alguns lapsos cometidos pelo ex-Presidente da República no frente-a-frente com Pacheco Pereira, nomeadamente quando chamou Truman a Bush? Oh, que escândalo! Vítor Dias também deve sofrer de palpitações sempre que alguém recorda hoje, pela enésima vez, que Cavaco Silva confundiu Thomas More com Thomas Mann e que Santana Lopes mencionou em tempos uns inexistentes concertos para violino de Chopin...

3. Adoptando uma lógica argumentativa característica de vários membros do seu partido, Vítor Dias jamais menciona o nome do Corta-Fitas, aludindo apenas ao “blogue onde vai [vou] destilando com regularidade algum do seu [meu] vasto fel”. Quem procurasse contextualizar a prosa que deu origem à polémica, batia com o nariz na porta: o “consultor” negou esta elementar informação aos seus leitores. Mas não se esquece de anotar que sou “jornalista do DN”, como se o jornal onde trabalho pudesse ser confundido com este blogue onde emito as opiniões que entendo, naturalmente sem pedir licença a ninguém. E muito menos ao PCP, onde tantos militantes foram sancionados por delito de opinião, nomeadamente quando Vítor Dias integrava a Comissão Política do partido.

4. Podia adoptar a terminologia de Vítor Dias, acusando-o de “deselegância a roçar a baixeza” quando, no mesmo artigo (e com muito mais “fel” do que mel), trata Pacheco Pereira como “serventuário da Administração americana”. Um mimo de elegância... Podia fazê-lo, mas não o faço. Prefiro apenas deixar aqui uma interrogação. Esclareçam-me lá: afinal este dirigente comunista é “consultor” de quê?