Estalinismo à moda de Setúbal
Carlos de Sousa, que já foi "autarca modelo" do PCP, tornou-se o primeiro presidente de uma grande câmara em Portugal forçado a renunciar por vontade do partido. Sem que os comunistas tivessem chegado a dar-se ao incómodo de comunicar aos habitantes de Setúbal por que motivo decidiram apear o homem que em 2001 lhes permitiu recuperar a câmara ao PS e há menos de um ano foi reconduzido nas urnas. Invocar a necessidade de "renovar energias, rejuvenescer e reforçar a equipa" autárquica, escassos dez meses depois do último acto eleitoral no mais importante município de que dispõem em Portugal, é não dizer rigorosamente nada. Estamos perante a habitual "transparência" à moda do PCP. Mas atenção: Setúbal não é a Rua Soeiro Pereira Gomes, onde o secretismo se tornou regra dominante e todo o indício de heterodoxia acaba sancionado. O que os eleitores escolheram por sufrágio directo e universal não pode ser alterado por uma manobra de secretaria destinada a entronizar uma ilustre anónima sem currículo: esta é uma regra sagrada do sistema democrático, que nenhum partido deve subverter. A vontade dos eleitores de Setúbal não é transferível, por reflexo estalinista, para uns apparatchiks que se imaginam tutores das consciências dos cidadãos. Se a moda pegasse, aliás, nem valeria a pena votar: limitávamo-nos a delegar a escolha nos directórios partidários.
Falta saber se os socialistas setubalenses estão à altura dos acontecimentos, assumindo com frontalidade a necessidade de eleições intercalares no concelho em nome dos melhores princípios democráticos, ou se condicionarão a aplicação desta regra a medíocres cálculos políticos de circunstância, idênticos ao que levaram o PS-Oeiras a um lamentável concubinato com Isaltino Morais, violando todas as promessas feitas aos eleitores.