As árvores e os frutos
Lá revi A Sombra do Caçador ontem à noite. A cópia não me pareceu nas melhores condições, o que acontece com excessiva frequência na Cinemateca, e a exígua Sala Luís de Pina está longe de ser a mais recomendável para exibir uma obra-prima do cinema. Mas a deslumbrante película de Charles Laughton resiste bem a estas pequenas adversidades logísticas. Com Robert Mitchum na perfeita encarnação do Mal e Lillian Gish - que foi a primeira estrela do cinema - a servir-lhe de contraponto. Há um sopro bíblico neste singular filme negro onde as crianças desempenham um papel central, numa espécie de celebração do triunfo da inocência. Com alusões ao Sermão da Montanha, talvez o mais belo texto de toda a Bíblia.
"Acautelai-vos dos falsos profetas, que se vos apresentam disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos vorazes. Conhecê-los-eis pelos seus frutos. A árvore boa não pode dar maus frutos, nem árvore má dar bons frutos." É uma inesquecível passagem do Evangelho de São Mateus que serve de legenda implícita a este filme de óbvia matriz cristã que se indigna contra quem pratica crimes em nome de Deus - e de uma perene actualidade neste tempo de implacáveis predadores travestidos de arautos da virtude. A Sombra do Caçador é um grande filme também por isto.