sexta-feira, março 17, 2006

Fogo de artifício


Num excelente artigo da revista Time sobre as inovações em Hollywood e a adopção do digital, o autor, Richard Corliss, escreve a páginas tantas que “no novo mundo digital, a forma está a definir o conteúdo”. Corliss refere-se ao fascínio que os cineastas têm em relação às possibilidades oferecidas pela tecnologia, fenómeno que, na sua opinião, está a ditar que histórias são contadas. A observação parece ser ainda mais interessante por se aplicar a outras actividades, da literatura à política, passando pelo jornalismo e a blogosfera. O primado da forma é muito evidente na política contemporânea, por exemplo, onde o que diz um candidato ou um eleito deixou de ser menos importante do que a ênfase e a convicção, o aspecto exterior do político ou a compreensão que a maioria das pessoas tem daquilo que é dito. A arte também entrou numa lógica de experiência obrigatória, onde a obra só tem valor se encontrar a forma inovadora. No cinema americano, o excesso de tecnologia está a colocar o trabalho dos actores num plano secundário (não falo das vedetas de plástico que são iguais em todos os filmes). É por isso que acho haver tantas semelhanças entre o mundo contemporâneo e o barroco, com a supremacia da forma e o triunfo do espectáculo. Os grandes filmes de Hollywood são proezas técnicas com muito fogo de artifício e invenção visual, mas conteúdo pobre. Como a ópera no tempo de Luís XIV.