Antologia Corta-Fitas (XVI)
Hoje acordei assim. Não admira, despertar às 7.30 de um domingo quando não há nada que o justifique é, no mínimo, irritante. Voltei-me, a ver se pegava no sono, mas era inútil. Saí da cama, fui “ver se chove”. Chovia. “Tempo miserável, nem parece que estamos em Junho”, resmunguei. Mas de alguma forma a tristeza meteorológica confortou-me. Eu e a chuva aconchegámo-nos então no sofá, unidas no amuo matinal. Olhei à volta, desconsolada. Peguei num livro sem entusiasmo. “O que me apetecia mesmo era estar a dormir, raios!”, desabafei enquanto lhe tirava as medidas. “Deves ter perto de 400 páginas”. Lá fora ouviam-se poucos automóveis a passar, peganhentos, com vagares de sonâmbulos. Fui ver: 390 páginas. Acertei!
Mastiguei os primeiros dois capítulos de Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy, mas a leitura não me estava a dar prazer. Apeteceu-me depois um café e a seguir umas tostas. Esse pequeno almoço frugal, enfim, reconfortou-me. Passei água fria no rosto e a alma também arrebitou. Que se lixe a cama! Decidi então aproveitar o tempo. Pus em dia leituras atrasadas, arrumei as papeladas que há dias jaziam na mesa da sala. Enchi-me de brios e decidi também tratar das minhas plantas. Algumas andavam a pedir-me amor e carinho há muito tempo e eu nada.
São 9.30h agora, o que quer dizer que ainda tenho uma manhã inteira pela frente, totalmente disponível para mim. Coisa rara. Em regra eu e as manhãs e as tardes andamos de costas voltadas, eu a querer desfrutá-las e elas sempre com negas: “Tira-te daqui, já estás atrasada!” A ideia de deitar mão a uma série de tarefas que andava a adiar há muito tempo está a entusiasmar-me. Pôr finalmente aqueles cd’s por ordem alfabética? Eliminar pastas antigas do desktop do meu PC?
Será que isto não é um bocadinho neurótico? Cheira-me que sim. A vozinha da “psi” que partilha comigo o piso térreo do meu edifício mental sopra-me, sibilina: “Estás mas é com um ataque de ansiedade por não teres dormido o suficiente, filha!” Decido não lhe dar a mínima confiança. A meio da manhã tomarei um duche e recuperarei, então, o ritmo mais adequado a um dia de folga. Depois, quem sabe, um cineminha. Talvez o filme do chinês continue em exibição.
Ainda é tão cedo e já fiz tanta coisa! Bah! Afinal o que são três horas de sono a menos?! Continua a chover. A velhota do 3º andar já está na rua a passear o caniche. Ela de rosto franzido a trocar as pernas, ele feliz da vida a gozar a frescura do ar, os dois de caracóis cinzentos a pender para a testa, como duas gotas de água. O trânsito flui com a cadência dos domingos. Está a apetecer-me um croissant da pastelaria. A esta hora ainda estão quentes.
Teresa Ribeiro, 17 de Junho de 2007
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