Antologia Corta-Fitas (XV)
No princípio dos anos 80 La Familia Ingalls – assim foi traduzida para castelhano a série norte-americana Little House on the Prairie – foi uma das séries mais amadas na Argentina. Vivia eu em Buenos Aires com os meus pais e irmãos e por isso recordar a saga de Michael Landon é lembrar-me desses tempos em Olivos. Creio até que foi a primeira série que vi. Com seis e sete anos não reparava que cada episódio encarnava os postulados arreigados da moral protestante da América. Nem me apercebia de que o melodrama de uma família rural norte-americana à procura do seu lugar no velho Oeste do século XIX continuava a ser a expressão, mais de um século depois, do sonho americano. O que eu sim reparava, de maneira irreflectida claro, era na intensidade da figura do Pai – Charles Ingalls, interpretado por Michael Landon. Cada episódio explorava a tensão entre a presença e a ausência do Pai. Se Charles não estava, tudo parecia correr mal à boa família de Plum Creek - a mãe, Carolyne, e as três filhas – Mary, Laura e Carrie. Charles era a protecção, a sabedoria, a força física daquelas mulheres. Laura era de facto a protagonista – a doce rebelde e desassombrada Laura Ingalls (Melissa Gilbert). Mas era à sombra do Pai, o seu ídolo, que ela respirava liberdade. Mesmo os pícaros irmãos Nellie e Willie, filhos do ridículo e snob casal Oleson - Nels e Harriett - donos do armazém, se rendiam perante a estatura moral do Pai Ingalls. Aliás, a família Oleson era precisamente o contraponto dos Ingalls. Com os Ingalls ríamo-nos dos perversos, mas também desastrados Oleson. Com os Ingalls moralizávamos tudo e todos.
Michael Landon nunca escondeu a agenda moralista da série. Ele próprio decidiu fazer dos escritos de Laura Ingalls Wilder (Little House, 1938) um exemplo. E o que é certo é que durante nove anos consecutivos (de 1974 a 1983) a NBC fez sucesso ao defender os valores da família unida que superava sempre todo o tipo de contrariedades e até as discriminações de cara alegre. À parte o irrealismo moral, foi uma série que me prendeu à televisão e que hoje me leva a questionar o que fez desaparecer tão repentinamente a figura do Pai da cultura familiar ocidental.
Isabel Teixeira da Mota, 27 de Setembro de 2007
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