sábado, fevereiro 02, 2008

Cadernos de Filosofia Política de Adolfo Ernesto (XVI)



O bastonário da desordem

Desde que fui escolhido para ser o bastonário da desordem dos bloguers que não posso abrir a boca sem que caia o carmo e a trindade. O meu espírito crítico não se compagina com estas dificuldades.
Se falo na corrupção, sou logo chamado à Assembleia da República e os deputados gritam-me: “Nomes, queremos nomes, ò Adolfo Ernesto”.
Se menciono a paralisia política e o conluio entre os dois partidos únicos, logo sou chamado ao Largo do Rato e à São Caetano: “Nomes, queremos nomes, ò seu taralhoco”.
Se falo na crise económica dos portugueses, logo os banqueiros me gritam: “Como é que sabe? Então e o sigilo bancário, seu energúmeno? Queremos nomes...”
Devo dizer que fui eleito bastonário contra a minha vontade. A blogosfera é um meio complicado, mas a lista do JPP estava condenada porque ele nunca linka ninguém. Eu também não, mas sou um nome fresco nestas coisas. Além disso, (como sabem tenho a cabeça fundida e o hemisfério esquerdo misturado com o direito) sou uma ponte ideal entre bloguers como Daniel Oliveira e alguns dos Cortafiteiros, como o Duarte Calvão. Em resumo, fui um estrondo: em inglês, usa-se o termo landslide para descrever este tipo de vitória, o que pode ser traduzido como derrocada.
Mal fui eleito, pensei escrever um post onde pudesse sintetizar o meu pensamento sobre o nosso regime. Tal como a minha mente, Portugal é um país algo misturado: o pessoal de esquerda é conservador (nem lhes falem em mudar a Constituição!); e os conservadores afirmam a pés juntos que são muito liberais.
A mistura é total, no plano do tempo e do espaço. A política é decalcada da monarquia constitucional, mas sem rei: há dois partidos iguais, com líderes semelhantes e políticas plagiadas um do outro. Um sistema já amplamente testado no século XIX, mas com o aperfeiçoamento de dispensar espermatozóides com pedigree.
Aqui, os bancos privados costumam ter administradores públicos, nomeados pelo Estado. E o Governo quer gerir o Estado como se fosse uma empresa privada.
Lá fora, quando os políticos mentem, as pessoas ficam indignadas e começam logo a construir barricadas; aqui, onde somos mais avançados, a mentira é vista como um passo bem dado no avanço de uma carreira e as pessoas encolhem os ombros. A um político, o que se exige é dignidade e sentido de Estado, pois a verdade costuma ser incómoda, assim como uma espécie de dor de barriga. E ninguém com dor de barriga mantém sequer a dignidade.
Os portugueses querem “mudança” e “reformas estruturais”, mas de maneira a que isso seja para os outros e não mexa com a vida deles.
Podia ter escrito estas coisas como simples Adolfo Ernesto, ninguém se ia incomodar. Mas, quando o fiz como bastonário dos bloguers, houve um coro de protestos, pois alegadamente perdera a dignidade e o sentido de Estado.
Assim, venho por este meio apresentar a minha demissão de bastonário da desordem dos bloguers, com efeito imediato.
Conto, apesar de tudo, prosseguir a minha actividade como provedor dos leitores no Corta-Fitas.

Adolfo Ernesto

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