Mais um raciocínico
O Filipe Anacoreta escreve que a ratificação parlamentar «Deixa passar uma mensagem perigosíssima: a de que o projecto europeu só pode ser construído contra ou à margem dos cidadãos europeus». Não vou discutir se é perigoso ou não. É capaz de ser. Mas confundem-me as pessoas que não entenderam, ainda, que a União Europeia é conduzida por uma elite de tecnocratas e políticos, os quais se estão quotidianamente a marimbar para os cidadãos europeus no seu conjunto, pela simples razão de que é impossível manter toda a gente feliz, em tudo e durante todo o tempo.
Quantos dos nossos leitores conhecem as implicações que terá a nova Directiva de Crédito ao Consumo, para mencionar só um exemplo? Podia dar-vos detalhes sobre as forças em jogo, os interesses e os lobbies, as negociações e as cedências. Mas para quê? O leitor «cidadão comum europeu» (que aliás não existe, assim como não existe essa figura que é «o cidadão comum asiático» ou «o cidadão comum africano») mandar-me-ia certamente pastar. E, no entanto, a sua vida como consumidor após a aplicação da Directiva vai passar a ser melhor do que era, embora não tão boa como poderia ser.
No «projecto europeu» existe uma meritocracia combinada com puxa-saquismo e lambe-botismo e grupinhos de interesses do tipo «coças-me as costas e eu coço-te as tuas» que se movem de acordo com fronteiras definidas pelo reconhecimento inato e animalesco da força alheia. Que é como quem diz, da sua dimensão, poder económico e potencial desequilibrante na balança dos consensos sempre necessários a cada decisão.
Quanto ao «cidadão comum europeu», vai vivendo a sua vida e perguntando se há palitos. Os quais, graças ao «projecto europeu», até já são embalados individualmente. A UE avança contra ele, pobre cidadão? Às vezes. À margem dele? Quase sempre. Ou nos habituamos, ou nos revoltamos. «Às armas cidadãos comuns europeus»!? Não me parece. Estamos demasiado ocupados a discutir a higiene dos brioches.