Cadernos de Filosofia Política de Adolfo Ernesto (XV)
Argumentação
Agora, que a greve de argumentistas está a acabar, posso seguir a minha vocação sem o anátema de ser amarelo ou fura-greves. O meu amigo Cecil B. Demille (na foto) costumava dizer: "Adolfo Ernesto, nunca esqueças, dá-lhes emoção e, quando eles não puderem mais, dá-lhes mais uma vez, com emoção". A minha mais recente proposta para Hollywood foi um projecto de argumento que enviei para a cidade dos anjinhos, e que terá por título Emoções sem Limite, embora tenha hesitado, pois havia a hipótese de Explosões sem Limite.
A história é singela. Começa no MidWest, entre paisagens paradisíacas. Conhecemos "o excelente e confiável Jim Smith (Brad Pitt), que procura o pai ausente, Tom Smith (George Clooney) e se apaixona pela sensual Belinda Jones (Scarlett Johansson). Depois de uma escaldante cena de sexo entre os dois protagonistas, temos uma frenética perseguição de automóveis onde conhecemos o malvado Lucas Cheney (Tommy Lee Jones), que mata quatro transeuntes. Jim Smith é forçado a juntar-se ao exército e enviado para o Afeganistão (cena de combate inspirada em Platoon); ali passa algum tempo (nova cena de combate com destruição de quatro dos melhores cenários dos estúdios Paramount), e é no Afeganistão que reencontra o malvado Cheney, que está a vender armas aos talibãs. Mais combates, Cheney morre três cenas depois de ser abatido, Smith regressa aos states na companhia do seu companheiro e herói Johnny (Will Smith) que diz uma piadas, mas o Smith personagem acaba nos braços de Belinda Jones (cena de sexo, suspense, de súbito reaparece o malvado Cheney, que julgávamos morto, mas que afinal estava em pleno estertor), golpe decisivo do herói, vitória final. Triunfam os bons".
Parece-me uma boa história, equilibrada e com momentos interessantes, sobretudo nos tiroteios.
Entretanto, recebi um telegrama urgente, da Mosfilm, que dizia assim:
"Kremlin enviou para Sibéria todos nossos argumentistas. Cruise grave. Adolfo Ernesto, favor enviar argumento, mosfilm".
O Cruise era, afinal crise, mas com uma letra a mais. E foi com Tom Cruise na imaginação que concebi o argumento para a Mosfilm, tarefa difícil, porque eles não gostam de cenas com menos de 40 minutos. O título será Discussões sem Limite, embora A Balada do Soldado não me soe mal:
"O bom Ivan Denisovitch (T. Cruise) cresceu nas paisagens magníficas do Volga, mas apaixonou-se pela bela Tatiana (Zhanna Prokhorenko); ele busca o seu pai, mas enfrenta o cruel Pavlovitch (Vladimir Ivashov)". Aqui, pensei numa cena tipo doutor jivago, mas sem o bigode. "Após longo diálogo de trinta minutos entre Denisovitch e Pavlovitch, o primeiro é cruelmente enviado pelo segundo para o exército e, depois, para a invasão do Afeganistão", (ou ocupação, ou lá o que foi, mas não escrevo argumentos de filmes políticos, quero apenas sublinhar as emoções e as sensações. E, claro, a pirotecnia).
"Enfim, no Afeganistão, dá-se o confronto final entre D. e P., o duelo prolonga-se por duas rápidas horas e o nosso herói consegue regressar aos braços da sua Tatiana, e ainda tem tempo para descobrir o pai, que afinal era um antigo stakhanovista da União Soviética que morrera na heróica luta contra a deskulakização e era muito chegado ao camarada Estaline". É um final bonito e comovente.
Estava satisfeito com esta nova prova superada, mas não sabia que os meus problemas ainda não tinham acabado. Para meu espanto, recebi um telegrama de Bollywood: "Adolfo Ernesto. Crise de argumentistas iminente. Favor enviar argumento de filme de Bollywwod".
Dito e feito. Concebi uma obra e pensei logo num título magnífico: Canções sem Limite. Tudo começa nas margens do sagrado Ganges, onde o nosso herói, Ayodhya Ramayana (Salman Khan) terá de lutar pelo amor eterno da sensual Sara Patel (Aishwaria Rai), apesar dos obstáculos do maléfico Pervez (Shah Rukh Khan). Haverá fugas por toda a Índia, com muita cor e dança, e os dois heróis fogem na direcção dos Himalaias (mais uma dança) e, depois para o Afeganistão, onde são apoiados por Jim Smith, um místico ocidental (George Clooney), mas Khan consegue apanhar o trio (há uma bela cena de dança, com uma notável canção e um coro talibã). Finalmente, o bem triunfa, com ajuda divina que permite uma cena apoteótica. Pervez é derrotado e haverá ainda tempo para uma sensual, mas púdica, cena de sexo, apimentada com uma dança".
Enfim, nesta minha carreira também há a possibilidade de colaborar com as telenovelas brasileiras, mas esse será um enorme desafio, já que as histórias são muito mais complicadas.
Adolfo Ernesto
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