Cinema Nostalgia (17-II)
Peter Bogdanovich escreveu em 1972 esta frase que hoje nos parece uma evidência: “Podemos estar contra as posições da direita de Wayne, mas isso não tem a mínima importância quando analisamos o seu trabalho.” É ainda Bogdanovich, nas páginas de Pieces of Time (um dos mais fascinantes livros sobre cinema de todos os tempos), que elabora o melhor retrato de Wayne como actor: “Uma figura familiar, clássica – inconfundível seja qual for o ângulo -, que se move num mundo de ilusão que conquistou em absoluto”. No fundo, as estrelas de cinema são assim. Nunca interpretam tão bem como quando se interpretam a si próprias. Wayne era genial a fazer de Wayne: o passo lento e bem medido, a fala breve e ríspida, o olhar duro onde ainda perpassa um rasto de candura.
Dirigido por John Ford e Howard Hawks, protagonizou mais obras-primas do que qualquer actor do seu tempo e provavelmente do que qualquer actor de todos os tempos. Fiquemo-nos pelo western: depois de Cavalgada Heróica, rodou Forte Apache, Os Dominadores, Os Três Padrinhos, Rio Grande, A Desaparecida, O Homem que Matou Liberty Valence (de Ford), Rio Vermelho, Rio Bravo e El Dorado (de Hawks). Além de outras que jamais se apagarão da memória de nenhum cinéfilo, como Homens Para Queimar e O Homem Tranquilo (ainda de Ford).
Mas em nenhum outro ele vai tão bem como no seu filme-testamento: O Atirador (The Shootist, de Don Siegel, 1976). Aqui personagem e intérprete fundem-se como nunca: na vida real, Wayne é um homem à beira do fim, devorado por um cancro; o mesmo se passa com o protagonista, John Bernard Books, um mito ainda em vida, sobrevivente do Velho Oeste em pleno século XX. Aquele mundo em que o cavalo dava lugar ao automóvel já não era o seu. Mas Books-Wayne mantinha intacto o lema que o tornara célebre: “Não serei enganado, não serei insultado, não deixarei que outros me deitem a mão.”
Nessa Carson City que já nada tinha a ver com o tempo dos pioneiros, o temível “atirador” confessava afinal à viúva Rogers (interpretada por Lauren Bacall): “Sou um homem à beira da morte, que tem medo do escuro.” Frágil Wayne, vulnerável Wayne, enfim regressado à condição humana neste maravilhoso western crepuscular que marcava também o fim de uma era em Hollywood. John Wayne não voltaria a filmar. O western praticamente desapareceu como género cinematográfico. E nós não voltaríamos a ver cinema com os nossos olhos encantados de meninos.
Publicado no DN
Dirigido por John Ford e Howard Hawks, protagonizou mais obras-primas do que qualquer actor do seu tempo e provavelmente do que qualquer actor de todos os tempos. Fiquemo-nos pelo western: depois de Cavalgada Heróica, rodou Forte Apache, Os Dominadores, Os Três Padrinhos, Rio Grande, A Desaparecida, O Homem que Matou Liberty Valence (de Ford), Rio Vermelho, Rio Bravo e El Dorado (de Hawks). Além de outras que jamais se apagarão da memória de nenhum cinéfilo, como Homens Para Queimar e O Homem Tranquilo (ainda de Ford).
Mas em nenhum outro ele vai tão bem como no seu filme-testamento: O Atirador (The Shootist, de Don Siegel, 1976). Aqui personagem e intérprete fundem-se como nunca: na vida real, Wayne é um homem à beira do fim, devorado por um cancro; o mesmo se passa com o protagonista, John Bernard Books, um mito ainda em vida, sobrevivente do Velho Oeste em pleno século XX. Aquele mundo em que o cavalo dava lugar ao automóvel já não era o seu. Mas Books-Wayne mantinha intacto o lema que o tornara célebre: “Não serei enganado, não serei insultado, não deixarei que outros me deitem a mão.”
Nessa Carson City que já nada tinha a ver com o tempo dos pioneiros, o temível “atirador” confessava afinal à viúva Rogers (interpretada por Lauren Bacall): “Sou um homem à beira da morte, que tem medo do escuro.” Frágil Wayne, vulnerável Wayne, enfim regressado à condição humana neste maravilhoso western crepuscular que marcava também o fim de uma era em Hollywood. John Wayne não voltaria a filmar. O western praticamente desapareceu como género cinematográfico. E nós não voltaríamos a ver cinema com os nossos olhos encantados de meninos.
Publicado no DN
Etiquetas: Cinema nostalgia