domingo, novembro 11, 2007

Sem cortinas


Chegada recentemente de Amsterdão onde, de início, facilmente poderia ser reconhecida por atravessar passadeiras a correr com receio da mudança de sinal (velhos hábitos custam a perder), terminada a ressaca do silêncio e da falta de tubos de escape e de novo reconciliada com o ruído constante que me entra do eixo norte-sul (em Lisboa há hábitos que não se perdem) abro uma janela neste blog, prendo as cortinas, deixo entrar o sol e os olhos dos que nos leêm.

Amsterdão, uma cidade sem cortinas nas casas que ladeiam os canais, abertas aos olhares de quem passa nas ruas, nos barcos, de dia e de noite. São as janelas sem estores que sobressaem da escuridão dos prédios sem curiosidade de os desvendar, são contornos que a distância não identifica, são casas com gente dentro, as estantes, as luzes, as paredes, um pedaço de intimidade sem som nem legendas, cheias de vidas sem máscaras, corações libertos, de amores, desamores, boas vidas e outras nem tanto.

Como um leitor também observou : "E apelo ao interior das casas?" É isso. Cheguei com essa inesquecível impressão dos interiores da casas, principalmente à noite, as que ladeavam os canais, com janelas amplas e sem cortinas. Coisa estranha. E eu que pensava que eram coisas minhas, habituada a uma cidade barricada em black outs de cortinas corridas.

"Quem vive em Amsterdão e tem a casa ao nível da rua não está mininamente preocupado com os olhares dos forasteiros para dentro do seu ninho. Faz parte. Afinal, esta é a cidade das vitrinas, do bairro da Luz Vermelha", escreveu ontem o jornalista do Notícias Sábado no artigo "Bom tempo no canal".

Afinal não eram coisas minhas. Sábios, os habitantes dos canais sabem que são só sombras, formas, luzes, imagens de passagem, fugidias, sem identidade e que a distância faz sumir. É o que se deixa ver, o que se permite vislumbrar sem poder adivinhar. São como posts com vidro fosco.