sábado, outubro 13, 2007

Diário na enfermaria (1)


A última vez que estive num hospital andava-se em bicos dos pés pelos corredores e as salas tinham placas a ordenar silêncio, por isso nada me preparava para o que vim encontrar. O primeiro choque dá-se às seis da manhã. As lâmpadas de neon do tecto são todas ligadas e o despertar é feito a chapadas de luz. Ao longo do dia, apesar do sol jorrar pelas altas janelas, as luzes do tecto estão sempre acesas, num excesso de luminosidade doloroso.
Por volta das dez, os dois televisores do tecto são ligados, um dia no programa do Goucha, outro dia no programa da Fátima Lopes. As histórias estridentes tratam sobretudo de casos de saúde. Nunca tinha reparado que a palavra hospital era dita tantas vezes na programação da manhã.
Mas o som mais agressivo é muito anterior. Começa às sete da manhã, dura até às dez da noite e chega por umas pequenas colunas junto ao tecto alto. Aqui, a programação não varia, está sempre na RFM, e não está baixo.
No espaço todo da sala impera a batida forte do rock'n'roll. "I want your body, you make me crazy, c'mon baby, moove next to me". Cá em baixo, junto ao chão, um grupo de mulheres pálidas, no meio dos lençóis, os olhos fixos no vazio. De vez em quando, ouve-se um gemido. De dor.